Estado reforça aparato de criminalização dos movimentos sociais

O mito da neutralidade é apenas um instrumento argumentativo para a manutenção do status quo. Tanto a imprensa quanto o judiciário são tidos como instâncias “neutras”, mas isso é uma ficção. A partir dessa narrativa, a criminalização dos movimentos sociais ganhou cada vez mais força nos últimos anos e, recentemente, status jurídico com a edição das leis 12.850/13 (que entre outros pontos define organização criminosa), e 13.260/16 (Lei Antiterrorismo). A tendência é de repressão cada vez mais forte por parte do Estado aos movimentos organizados de luta por direitos.

A observação é da advogada Carla Guareschi, da Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP), durante sua participação no Seminário Liberdade de Expressão e Criminalização em Tempos de Golpe, realizado no último sábado (23/7) pelo Comitê pela Democratização da Comunicação do Distrito Federal. Guareschi compôs a mesa “O papel da mídia na ruptura democrática e a criminalização dos movimentos sociais”, junto com o jornalista e professor universitário Luiz Claudio Ferreira. O diálogo foi mediado pela jornalista e ativista Maria Mello.

Guareschi afirma que o judiciário sempre esteve em disputa e que ocupa um espaço central em qualquer situação envolvendo movimentos sociais. “A narrativa construída a partir dessa disputa tem espaço na opinião pública, que pode não entender o que significam os termos utilizados, mas se utiliza deles com muita propriedade e de forma conservadora. Essa, inclusive, foi uma das bases de instrumentalização do golpe. Infelizmente, não vejo possibilidade de vitória nesse campo em curto prazo. Vamos ter que lidar com outra forma de repressão do Estado que não é mais só política, mas também jurídica, com base nas leis de organização criminosa e Antiterrorismo”.

A advogada reitera que a Lei Antiterrorismo nunca deveria poder ser usada contra os movimentos sociais, mas que outra tendência também é a de que o Judiciário passe a usar a tipificação de “atos preparatórios”, previstas na lei, contra os movimentos sociais. Foi essa a base da prisão dos dez suspeitos presos pela operação Hashtag na semana passada, que segundo o juiz Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal de Curitiba, estariam organizando ataques terroristas no Brasil durante as Olimpíadas por identificação com a organização terrorista Estado Islâmico.

O papel da imprensa

A partir da desocupação do edifício Torre Palace, na área nobre de Brasília, o professor Luiz Claudio Ferreira fez um recorte da atuação da mídia na criminalização dos movimentos locais de luta por moradia no Distrito Federal (um dos quais o Movimento de Resistência Popular (MRP), enquadrado como organização criminosa pela Justiça do Distrito Federal. A partir da análise da cobertura, especificamente pela Rede Globo e SBT, o jornalista afirma que a narrativa midiática do episódio é composta de “recortes, manipulações e distorções”.

Para ele, “esse processo está em tudo: escolha de títulos, subtítulos, hierarquização, fotos”. Uma das fotos publicadas por um portal de notícias local excluía uma faixa com a frase “mídia fascista”.  A preocupação maior no noticiário era sobre o impacto da operação de retirada dos ocupantes no trânsito da cidade. Além disso, o termo invasor foi repetido inúmeras vezes. “O fio da narrativa acontece a partir das versões da política e do governo. Imagens do trânsito ocupam mais de 30 segundos nos dois materiais, quando na verdade se trata de um grave problema social”.

Evento

Seminário Liberdade de Expressão e Criminalização em Tempos de Golpe foi realizado no Sindicato dos Jornalistas do DF (SJPDF). Além desse, outros dois temas foram debatidos: “Direito de Resposta e liberdade de expressão: quem está sujeito à lei”, com a jornalista Cynara Menezes, a professora Liliane Machado (UnB) e o advogado Antonio Rodrigo Machado; e “Privacidade x vigilância em massa: os riscos na Internet”, com os advogados Marcelo Chilvalquer e John Razen, diretor do Instituto Beta para a Internet e a Democracia (Ibidem).

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