Na segunda-feira 27, três peritos do Senado (Diego Prandino Alves, João Henrique Pederiva e Fernando Álvaro Leão Rincon) entregaram à Casa um laudo a respeito das acusações contra a presidenta afastada Dilma Rousseff que deve, ou deveria, pautar as decisões dos senadores a respeito da existência ou não de crime de responsabilidade por parte da petista. Está claro, no entanto, que o laudo será lido conforme o gosto do senador e o voto se dará única e exclusivamente pela conveniência política.
Na perícia, os técnicos do Senado respondem a dezenas de perguntas feitas pela Comissão Especial de Impeachment e traçam conclusões a respeito das ações do governo. O panorama é mais favorável aos defensores da presidenta afastada do que a seus acusadores.
No processo de impeachment, pesam contra Dilma duas acusações: a primeira é a de realizar as chamadas “pedaladas fiscais“, prática que consiste no atraso proposital, por parte do Tesouro Nacional, de repassar dinheiro para bancos públicos e privados financiadores de despesas do governo.
Como as pedaladas ocorridas em 2014 foram desconsideradas, por terem ocorrido no primeiro mandato de Dilma e portanto não poderem justificar um impeachment no segundo mandato, sobrou na acusação apenas uma pedalada, de 2015. A manobra fiscal envolveu o Plano Safra e o atraso no repasse do Tesouro ao Banco do Brasil, que administra o programa.
De acordo com os peritos, de fato houve atraso no repasse do Tesouro ao Banco do Brasil, o que afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas “não foi identificado ato comissivo” de Dilma que “tenha contribuído direta ou indiretamente para que ocorressem os atrasos nos pagamentos”.
A segunda acusação contra Dilma é a de autorizar decretos orçamentários sem autorização do Congresso. Aqui, os peritos identificaram que três dos decretos (totalizando 2,3 bilhões de reais) de fato exigiriam autorização dos parlamentares e que Dilma foi “sem controvérsia”, a responsável pela emissão deles. Os peritos fazem, entretanto, duas observações.
A primeira é que Dilma Rousseff não foi alertada pela Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento a respeito “de incompatibilidade com a meta fiscal” ao emitir os decretos. A segunda é que, ainda que os decretos fossem incompatíveis com a meta fiscal vigente à época, a meta considerada pelo governo era a constante no PLN 5/2015, que foi aprovado pelo Congresso em dezembro de 2015. Os parlamentares, assim, referendaram os atos do Executivo.
Diante da publicação do laudo pericial, senadores tiraram conclusões diferentes. Alvaro Dias (PV-PR), José Medeiros (PSD-MT) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), todos favoráveis ao impeachment, destacaram que os técnicos do Senado demonstraram que as pedaladas são mesmo operações de crédito.
Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), por sua vez, desconsiderou a conclusão dos peritos a respeito da ausência de ato de Dilma nos atrasos aos repasses ao Banco do Brasil. “Quanto à autoria, não precisa ser perito para saber que no Diário Oficial saiu a assinatura da presidente Dilma Rousseff”, disse.
José Pimentel (PT-CE) destacou que a perícia não identificou ato de Dilma para os atrasos de pagamento do governo e Lindbergh Farias (PT-RJ), disse estar “claro que não há crime de responsabilidade por parte de Dilma”.
As reações e o noticiário indicam que, quando os senadores se reunirem para votar de forma definitiva o impeachment, o que deve ocorrer no início de agosto, estará em jogo não o laudo dos peritos e as nuances a respeito das ações de Dilma, mas uma luta política.
O afastamento de Dilma Rousseff abriu espaço para uma efetiva troca de governo, com oposicionistas assumindo papel de protagonismo – o PSDB, derrotado nas últimas quatro eleições presidenciais, é o segundo partido com mais ministros no gabinete de Michel Temer.
Soma-se a isso o fato de que a busca por agradar aliados e obter votos a favor do impeachment é parte integral das ações do atual governo.
Na busca por deixar de ser interino, Temer, que subiu ao poder na esteira de uma “luta contra a corrupção” e pregando responsabilidade fiscal, nomeou sete citados na Operação Lava Jato, tem encontros frequentes com Eduardo Cunha (PMDB-RJ), duplamente réu por corrupção, e deu aval a medidas que ampliam de forma contundente as dificuldades financeiras do governo, como o reajuste ao Judiciário e a criação de 14 mil novos cargos federais.
Evidência do trabalho a favor do impeachment vem diretamente do Planalto. O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB), um dos articuladores do impeachment, continua exercendo esta função e não se furta a fazer contagem de votos em público.
Nesta terça-feira 28, a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, escancara a situação, ao noticiar que “a contabilidade do Planalto” indica 60 votos pelo impeachment. “Indecisos andam conseguindo emplacar cargos do governo e começam a “formar convicção”, diz o jornal, acrescentando que “a perícia do Senado, favorável à petista, parece não ter afetado o placar”.
Alvo de quase uma dezenas de inquéritos por conta da Operação Lava Jato, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não precisa de advogados, mas ele está certo ao diagnosticar a própria Lei do Impeachment como um fato problemático na democracia brasileira. “É importante fazer uma revisão da Lei do Impeachment, porque ela por si só é fator de desestabilização”, afirmou Renan.
Há uma exigência de lastro jurídico na legislação, mas ela não foi jamais especificada, dando às maiorias de ocasião a oportunidade de derrubar presidentes eleitos pelo voto popular.
Além de contaminar a credibilidade das instituições do País, a possibilidade de um impeachment sem crime reforça aquele que é um dos principais problemas do presidencialismo brasileiro: a necessidade de o ocupante do Planalto obter apoio de um Congresso no qual tem minoria. É o mecanismo que está na gênese do “mensalão” e foi escancarado na Operação Lava Jato.