” Talvez essa (con)fusão de expressões demonstre a confusão em que se encontra nosso sistema político”

 

Sensibilidade, um olhar aguçado e uma câmera na mão. Dizem que uma imagem traduz mil palavras. Esse ditado se encaixa perfeitamente no trabalho desenvolvido por Tiago Macambira nas manifestações populares a favor da democracia. A captação dos sentimentos foi revelado em sua página do Flickr, disponibilizado pelo fotografo para o nosso site, de forma gratuita e na íntegra.

 

Para entendermos melhor esse processo de arte engajada, a Plataforma dos Movimentos Sociais fez uma entrevista para entender, de quem não só acompanhou mas traduziu esses momentos em imagens, qual foi o sentimento dessas manifestações a favor da democracia.

 

Tiago, você conseguiu captar imagens que mostram o sentimento daqueles que defendem a democracia nas ruas. Na sua experiência, você conseguiu enxergar alem dessa defesa, um descontentamento com o sistema político como um todo?

 

Sempre que vou fotografar, antes de sacar a câmera, tento sentir e perceber a atmosfera que permeia aquelas pessoas e aquele lugar. Essa é a minha intenção, estar presente de fato. A partir disso as imagens vão aparecendo, às vezes são muitas em um determinado instante, às vezes elas levam um tempo para surgir. Eu respeito esse tempo e procuro não interferir nele.

 

Pelo o que vi e senti, as expressões demonstram muita coisa: tristeza, alegria, esperança, frustração, dúvida, medo, coragem, carinho, espanto, ternura, mal estar etc. Talvez essa (con)fusão de expressões demonstre a confusão em que se encontra nosso sistema político. Mas é difícil definir ou resumir o que vi. Talvez seja essa a função da fotografia, trazer informações, sensações e sentimentos que outras linguagens não conseguem abarcar.

 

De qualquer forma, sendo mais objetivo, as multidões estavam ali pra defender a Democracia contra um golpe de estado.

 

 

 

Qual imagem que você retratou mostra de forma quase completa o sentimento das ruas? E possível fazer essa síntese ou o exercício é tão difícil que seria melhor um mosaico de imagens?


 

 

Sim, é possível. Desde que seja elucidado que a escolha das imagens é subjetiva, estética e ideológica; da mesma forma como a grande imprensa também o faz. É preciso ter clareza disto!

 

Primeiramente as escolhas, ou edições da realidade, são um longo processo composto por várias etapas, como, por exemplo, escolher em que manifestação ir, com que intensão, que lentes usar, que imagens escolher no ato fotográfico, que imagens excluir etc. Ao mesmo tempo em que se edita a realidade, sentimentos, impressões e pensamentos surgem e certamente influenciarão no resultado de todas essas escolhas.

 

Creio que se fosse possível escolher apenas uma imagem, seria a expressão deste senhor. As outras imagens escolhidas são as que mais representam aquilo que pensei, senti e experimentei dentro daquelas multidões.

 

 

 

Na sua opinião, na condição de uma pessoa que captou diversas imagens e símbolos desses dias de luta, você acha que este momento do Brasil foi retratado com realidade pelos grandes meios de comunicação, e, na sua avaliação, qual foi o papel das redes sociais neste período?”

 

 

 

Definitivamente não! O que foi editado e narrado pela grande imprensa brasileira não condiz com a realidade que vi nas manifestações em que estive presente. Pois, na maioria das vezes a grande imprensa encobre os fatos que não lhes interessa mostrar e supervaloriza aqueles de seu interesse. Ao longo de meses ou anos, acaba criando uma narrativa sobre a realidade que pode até parecer real, mas que está completamente corrompida por sua ideologia neoliberal, ou ultraliberal.

 

 

 

Muito além dessa narrativa, a grande imprensa também cria suas próprias notícias, assim como o tempo em que elas serão publicadas. Um exemplo disso encontra-se no no livro do professor da USP Clóvis de Barros Filho, intitulado Devaneios Sobre a Atualidade do Capital, em que ele narra uma visita feita à redação do Jornal Nacional. Lá o professor, juntamente com alguns colegas convidados a conhecer a redação, testemunharam uma ligação feita pelo âncora Willian Bonner para o ministro do STF Gilmar Mendes: “Vai decidir alguma coisa importante hoje? Mando ou não mando o repórter? Depende, se você mandar o repórter decido alguma coisa importante” (pág. 122). Em outro exemplo, publicado no jornal da Unicamp (edição nº 654), o professor de sociologia Laymert Garcia dos Santos, ao falar sobre o vazamentos da lava-jato afirma que “A divulgação é cronometricamente estudada para obter efeitos na relação entre Judiciário e mídia. Como bombas informacionais.” A divulgação e transmissão das manifestações que culminaram no golpe de estado seguiram essa mesma lógica.

 

 

 

Por outro lado, o surgimento, difusão e sofisticação da internet criou novas possibilidades de resistência às narrativas hegemônicas e hegemonizadoras da grande mídia. Nesse sentido, as redes sociais surgem como uma nova arena de disputa em que a cultura brasileira pode resistir, criar, recriar e difundir seus símbolos e valores; mantendo, assim, alguma capacidade do povo brasileiro perceber-se a si mesmo sem a intermediação ideológica da grande mídia. Marillena Chaui, em sua fala no Teatro Oficina, no dia 17 de maio de 2016, esclarece que “a cultura é essa capacidade da criação simbólica da relação com o que está ausente. E é por isso que a cultura define a maneira como nós definimos o espaço, o tempo, a natureza, o sagrado, o profano, o bem, o mal, o justo e o injusto, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio.” A grande imprensa manipula a cultura brasileira em benefício de uma elite composta por muito poucos, com o claro objetivo de criar e manter as condições de um pensamento hegemônico que conduza o país para o lado que lhes convier.

 

Acesse as fotos no link: https://www.flickr.com/photos/macambira/sets/72157667891694175/

 

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