Votação do impeachment gerou “angústia coletiva”, diz pesquisador

 

No domingo da votação do impeachment na Câmara dos Deputados, milhões de brasileiros acompanharam o trabalho dos deputados pela televisão, gerando ou compartilhando muitos conteúdos nas redes sociais digitais.

A partir dos termos “impeachment” e “impeachmentday”, uma pesquisa do Laboratório de estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo computou 3,5 milhões de mensagens no Twitter. Essa foi a maior quantidade de tweets já registrada na rede social se manifestando em língua portuguesa, superando o dia da derrota por 7 a 1 na Copa do Mundo de 2014.

Fábio Malini, do Labic, explica que há cinco grupos nessa rede, um resultado surpreendente. Além do grupo azul, a rede da audiência a favor do impeachment, e do vermelho, de usuários contra o impedimento, que rivalizam nas redes sociais, surgiram outros grupos identificados com as cores lilás, verde e amarelo. Nesses três grupos o mote era uma indignação contra os parlamentares da Câmara, que extrapolava a disputa entre os grupos pró e contra o impeachment.

Para o pesquisador, a exposição dos deputados em rede aberta permitiu que muitos expressassem sua revolta nas redes sociais, mas o debate tende a perder força.

 

CartaCapital: Seu estudo mostrou que no dia da votação do impeachment cresceu uma crítica ao Congresso por parte da população, além da polarização a favor e contra. Pode explicar melhor esse fenômeno?

Fábio Malini: A popularização da votação pela tevê aberta permite que dois fenômenos aconteçam. A classe que não tem acesso à internet, só à tevê, pode acompanhar a atividade no Congresso, tendo acesso aos representantes do povo.

Aquela intensidade de discurso, até mais radicalizados, ressentidos, e as contradições, fizeram com que irradiasse uma visão de como a representação política brasileira acontece, manifestada no julgamento de uma presidenta sem mencionar por que aceitava o impedimento de seu mandato.

Por outro lado, a presença contínua dos deputados no centro da transmissão ao vivo, algo que não se via na tevê aberta, porque ela frequentemente chegava depois, editando o material, permitiu que as pessoas ficassem em uma segunda tela, usando Twitter e Facebook, comentando aquilo que elas viam sem edição.

Durante esse longo período de tempo houve, de um lado, uma difusão ampla, entre as camadas mais populares, de quem são os representantes políticos. Por outro lado, você teve o engajamento de uma população que fazia críticas e se engajava nestas redes em determinados discursos políticos. A partir desse duplo movimento, de rede e de contaminação das classes populares, essa angústia coletiva em torno daqueles que representam o público cresceu.

CC: Era esperado que surgisse outra categoria além dos pró e contra o impeachment?

FM: Não, a minha expectativa era o padrão: ter a polarização e um meio amplo, onde costuma ficar a imprensa. Mas não foi o que aconteceu. A maior parte das publicações sobre impeachment veio de perfis que não estavam dentro da polarização e elegeram como tema a crítica direta aos deputados, que viraram chacota. Criaram muitos memes, viralizaram vídeos de sátira ao que aconteceu no Congresso, que é um dos modos do brasileiro fazer uma crítica, e vídeos que defendiam um ou outro lado.

CC: O estudo detectou que os canais de imprensa foram dragados para o setor favorável ao impeachment. O que isso indica?

FM: Ficou muito claro para mim que o lado pró-impeachment elegeu muitos canais da imprensa para compartilhar conteúdo. Isso se deu por vários motivos. Acredito que por um lado seja o fato de que esses movimentos foram muito desidratados do ponto de vista de ocupação de rua.

No próprio dia da votação, [o presidente da Câmara, Eduardo] Cunha imaginava que teria uma massa de gente pressionando o Congresso nas ruas, quando isso não aconteceu. Aqueles que são pró, com pouco conteúdo de rua para viralizar, acabaram elegendo a imprensa, sobretudo as notícias favoráveis ao impeachment, para compartilhar e se manifestar.

Esses veículos foram alimentados por essa perspectiva. Quanto mais gente compartilha os conteúdos, mais se infla essa relação afetiva, estimulando o veículo a produzir mais conteúdos para gerar mais likes, mais retweets e mais compartilhamentos. É um ciclo de retroalimentação contínua.

CC: O Twitter e o Facebook são um recorte específico da sociedade. Essa reação vai extrapolar as redes e chegar à sociedade como um todo?

FM: Essas redes são utilizadas pelos 90 milhões de brasileiros com acesso à internet no caso do Facebook. O Twitter tem bem menos usuários. E isso acaba contaminando toda a sociedade porque as pessoas não comentam só quando estão na internet, elas levam isso para as conversas do cotidiano, nos diferentes espaços sociais que elas habitam, sobretudo pelo fato de que as pessoas com acesso à internet são diversificadas.

CC: Reportagens e pesquisas mostraram que o sentimento de que “políticos são todos iguais” já estava presente nas camadas mais baixas da população. Será que agora as classes mais altas, que foram às ruas, vão colocar em perspectiva o movimento de que participaram?

FM: Eu acho que sim. Existem muitas contradições nesses movimentos pró-impeachment, até pelo modo e por quem o processo foi conduzido. Mas o Eduardo Cunha e alguns desses deputados de baixo nível não estão no radar destas manifestações. Elas se realizam com o impeachment de Dilma e a partir daí haverá uma grande dificuldade de se reorganizar em função de outra pauta, até porque há um alinhamento deles, a saber: Movimento Brasil Livre e Vem pra Rua, com as pautas do vice-presidente.

A oposição foi bastante exitosa em aumentar a percepção da crise econômica, que ajuda a aumentar a percepção da corrupção, e essa corrupção fica muito conectada principalmente a figuras que estão associadas à Lava Jato, mas que no tocante à massificação das manifestações acaba não sendo algo que desperta o desejo de estar na rua contra a corrupção. O foco sempre foi o impeachment de Dilma.

CC: A exposição do Congresso em rede aberta durante três dias consecutivos terá um efeito didático para a população?

FM: Depende. É tudo muito efêmero. A votação aconteceu há cerca de dez dias e o volume de fatos que se sucedem e ganham popularidade acabam diluindo a preocupação de uma semana e meia atrás, que agora passou a ser outra. Uma das grandes dificuldades de manter a consciência política da população é o esfriamento dos fatos em torno da corrupção, porque também esfria a discussão em torno da corrupção.

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