“O momento agora é avançar por uma Reforma Política”

 

Em tempos de crise política, a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política estará realizando algum,as entrevistas para elucidar diversos temas que são transversais a essa quadra histórica que já se mostra uma das mais difíceis para a garantia de direitos e da soberania popular.

Essa semana entrevistamos Daniel Monteiro Lima. Daniel  é membro do Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), membro do Centro Santos Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo e do Coletivo Revolucionário de Libertação (CORDEL) e um dos fundadores da Plataforma. Nessa entrevista vamos entender um pouco sobre os votos proferidos por alguns deputados nesse dia 17 de abril, em nome de Deus.


 

Plataforma – No último domingo o Brasil assistiu à sessão do Plenário da Câmara que votava a admissibilidade do pedido de impedimento da Presidente Dilma. Com uma grande audiência, os brasileiros e brasileiras puderam assistir o que significa o Congresso mais conservador desde o golpe de 64, não só em relação ao resultado em si, mas por conta da maioria dos votos proferidos na tribuna. Na sua avaliação, quais são as análises que precisam ser aprimoradas desse fatídico dia 17 de abril de 2016?

 

Falarei sobre os dois principais atores do dia 17/04: Congresso Nacional, pois avalio que o Senado agirá de forma semelhante e, o PT de Lula e Dilma. Como no segundo há muitas análises correntes, vou me alongar um pouco mais na análise do primeiro, o Congresso Nacional.

Um brevíssimo resgaste histórico se faz necessário, para melhor compreendermos os motivos da grande maioria que votou “Sim” em nome de Deus. Há uma teologia que teve seu ápice nas décadas de 60 e 70 no Brasil e América Latina. Sua essência é libertária e de clara opção pelos pobres, conhecida por Teologia da Libertação. Em um sistema econômico e político opressor e profundamente segregador, estando o Brasil e América Latina situados no campo dos oprimidos, inevitavelmente esta teologia se posiciona como anti-imperialista e contraria interesses econômicos estadunidenses e europeus, prejudicando a lógica (neo)colonizadora destes.

Vale lembrar que esta teologia foi base para a construção de inúmeras organizações populares com reais interesses em transformações sociais, sob a perspectiva daquela que é sua essência. Portanto, sob o crivo opressor, esta teologia deveria ser enfraquecida. E assim foi. Sofreu todo tipo de ataque, seus membros e idealizadores foram afastados de importantes posições dentro da Igreja Católica, muitos foram silenciados e perseguidos. A exemplo do que ocorreu, através de uma articulação mundial que mobilizou os meios de comunicação de massa, para criar uma significação falaciosa e depreciativa às alternativas políticas e econômicas para superação do capitalismo, o mesmo foi feito com esta teologia libertária, fiel às propostas cristãs. Isolados, seus membros sobreviveram e não se deixaram capitular pela lógica sistêmica, fizeram a resistência necessária e continuaram seus trabalhos de base. Sem o vigor de outrora, é verdade.

Paralelo a isto, a partir da década de 60, vindo dos EUA, começam a chegar no Brasil e América Latina as primeiras iniciativas de uma teologia oposta, criando um movimento (neo)pentecostal, baseado na individualidade, troca e meritocracia, conhecida por teologia da prosperidade. Pequena no começo, cresceu na proporção em que a libertária diminuiu. O número de católicos também diminuiu, quase de forma inversamente proporcional ao crescimento das igrejas neopentecostais.

A Igreja Católica do Brasil sofreu com as novas diretrizes da cúpula vaticanista, que desde a década de 80 se alinhou fortemente ao neoliberalismo, tendo de abrir espaços para movimentos internos semelhantes ao neopentecostalismo, resultando em uma nova geração de religiosos e leigos formados sob a perspectiva da teologia da prosperidade. Esta teologia da prosperidade tem seu ápice no Brasil a partir de uma política econômica de crédito em larga escala feita nos governos Lula, onde o círculo “virtuoso” (sob a lógica desta) se realiza plenamente: pede-se a Deus para obter algo do sistema consumista; Deus atende suas orações e possibilita que a pessoa tenha acesso aos bens de consumo; agradece-se a Deus entregando parte de seus ganhos (oferta), transformando líderes religiosos em milionários, dado que a oferta é entregue a estes.

 

As inúmeras denominações cristãs, ao crescerem arregimentando multidões e paulatinamente se apropriando de meios de comunicação de massa, começam a ter papel de fiel da balança nas disputas eleitorais. Num primeiro momento, como atores secundários. No presente, como uma das principais forças políticas no Brasil. Como força política, induzem e conduzem o Estado sob valores moralistas e individualistas, com pouca preocupação com o desenvolvimento do país. Agem no Brasil da mesma forma que agem nos EUA, pois são da mesma matriz teológica.

 

A bancada evangélica e católica (neo) pentecostal não é obra do acaso, mas algo construído nas últimas décadas. O problema ocorre e acentua-se a partir do momento em que a política de crédito em escala não vem acompanhada de uma política de manutenção dos postos de trabalho, gerando uma crise que quebra o “círculo virtuoso” e colocando em xeque esta teologia.Não podemos nos esquecer que estamos em um sistema que tem em sua lógica principal o acúmulo e retenção de capital, no qual a teologia da prosperidade atua como colaboradora de sua manutenção.

 

Pela alta concentração de renda que privilegia alguns poucos (46% da riqueza do mundo estão nas mãos de 85 pessoas, segundo relatório de Davos), há de se criar uma subcategoria de seres humanos, na qual a população LGBT, assim como a juventude, mulheres, negros, idosos, entre muitos outros, são incluídos.Não se vê uma pessoa transexual como diretora de multinacional ou em altos cargos, mas tais pessoas são vistas comumente nas madrugadas prostituindo-se, pois foi o lugar que a sociedade lhes reservou, condenando-as. Esta subcategoria está a serviço do sistema político e econômico para uma reserva de mão de obra, que, quando não utilizada, é objeto de políticas que resultam em encarceramento em massa e morte. Haja vista os números e os recorrentes casos oriundos destas políticas. São públicos e confirmam esta caracterização de sociedade violenta.Não é necessário ser formulador de teologia, nem mesmo teólogo, para identificar que a vida, prática e ensinamentos de Jesus Cristo são totalmente antagônicos a qualquer exclusão, segregação e morte.

 

Esta segregação não pode ser feita às claras, afinal, vivemos numa (pseudo)democracia, portanto, há de se criar um discurso de legitimação da segregação e exclusão. Nisso, significativa parte de denominações cristãs, articuladas com boa parte dos meios de comunicação, servem como correia transmissora de criação de um discurso e imaginário popular que legitimam as ações de desqualificação, insultos, segregação, exclusão, violência e morte.  Votos como de Bolsonaro e Eduardo Cunha, evidenciam claramente isto. Defendem morte aos inimigos, roubam e o fazem em nome de Deus.Por fim, o dia de 17/04 foi o ápice da política de conciliação que Lula e PT adotaram em detrimento de realizar as reformas estruturantes, como a Reforma Política. Lula teve esta oportunidade, não o fez. A oligarquia brasileira, apenas fez uma concessão ao PT no poder, desde que não mexessem na economia e qualquer outro campo que os interessassem. Este prazo de concessão venceu. E, ao vencer, vão retirar Dilma criando um discurso de legitimação, mesmo que ela faça todas as vontades da elite econômica do país, com tem feito até então.

 

 

Plataforma – Neste momento, o processo de afastamento da Presidente Dilma chega no Senado para ser analisado e já há setores, inclusive dentro do PT, que pedem uma nova eleição diante do cenário Temer e Cunha. Esse pode ser o caminho para o restabelecimento do direito ao voto?

 

Vejo com reservas esta proposta. Apoia-la em última instância, significa crer na possibilidade que algum candidato de campo progressista tenha chances. Não tem. E, mesmo que tivesse, pouco poderia fazer, pois o problema é estrutural e não conjuntural. Se há anos lutamos por uma autêntica Reforma Política, denunciando todas as mazelas do atual sistema, denunciando que sua manutenção levaria a isto que aí está, vejo com preocupação não priorizar mobilizações para mudanças no sistema e sim, eleições gerais para atuar neste mesmo sistema nefasto, gerador de tudo que estamos vendo. Há espaço para mobilizações e enfrentamento a atual classe política. Óbviamente que se as eleições gerais for aprovada, não podemos nos omitir de participar do processo, mas anuncia-la ao povo como saída da crise, não me parece o melhor caminho.

 

 

Plataforma – Por fim, Daniel, como você avalia esse momento para os movimentos sociais e populares e para os partidos que compõem o setor progressista? Qual deve ser o caminho para chegar uma unidade que enfrente essa difícil quadra histórica?

 

De imediato, intensas mobilizações, ocupações e manifestações até que se Reforme o Sistema Político e Eleitoral. A média prazo e longo prazo, retomada dos trabalhos de base, que foi abandonado por muitas organizações e partidos do campo progressista.A unidade se dá com pautas concretas e luta conjunta, ou seja, tendo um acordo mínimo de programa político e unidade na ação.Por mais difícil que o momento aparente ser, percebo que existe considerável unidade no campo progressista, qual precisa ser trabalhado sob os aspectos acima. Também é necessário superar a ilusão de que priorizando as eleições no atual sistema tal qual como está, poderemos avançar. O momento agora é avançar por uma Reforma Política, que tenha o cidadão como centro do poder de decisão, retirando qualquer influência do poder econômico no exercício do poder.


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