Contra o golpe: ativista denuncia parcialidade do Poder Judiciário

Com mobilizações de direita e esquerda previstas para o mês de março, e após o episódio envolvendo a coerção do ex-presidente Lula Inácio Lula da Silva, para depor na Polícia Federal, no último dia 05 de março, o cenário político do Brasil atravessa momentos de acirramento. Especialistas questionam a atuação do Poder Judiciário e uma “paralisia” do Governo em reagir à crise.

“Assusta a incapacidade do governo Dilma de reagir a tudo isso. É um governo paralisado, atordoado, sem identidade política, sem interlocução com a sociedade. Isso só agrava a crise”, é o que avalia José Antonio Moroni, do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e da Frente Brasil Popular. Em entrevista à Adital, o ativista diz que o atual cenário político brasileiro é complexo, devido a vários fatores. Desde o esgotamento do modelo de se fazer política até a negativa de setores partidários, empresariais e da sociedade em não aceitarem uma regra básica da democracia, que é o respeito ao resultado das eleições, realizadas em 2014.

Moroni enfatiza que é preciso diferenciar o que é disputa eleitoral e o que é disputa pelos rumos da sociedade. Segundo ele, apesar dos avanços dos últimos anos, em termos de sociedade, governo e políticas públicas, determinados segmentos não aceitam esses progressos e, por medo de ficarem longe do poder por mais tempo, “pegam carona” na justa indignação motivada pela corrupção. Somado a isto, a “paralisia” do governo da presidenta Dilma Rousseff [Partido dos Trabalhadores – PT] estaria levando as pessoas a não quererem esperar 2018 para a troca de comando via processo eleitoral.

 


Porém, independente do desfecho da crise política, Moroni destaca que as mulheres não vão voltar para as cozinhas, os/as negros/as não vão voltar para a senzala, os gays não vão voltar para os armários, os jovens das periferias urbanas não vão ficar confinados/as e vão, sim, para as universidades públicas, os/as camponeses/as vão continuar a produzir alimentos orgânicos e a lutar contra o agronegócio, os/as trabalhadores/as não vão aceitar serem “peças das engrenagens do capital”. “Esta é uma disputa permanente, que fazemos na sociedade e que tem repercussão nas disputas eleitorais e nas políticas públicas”.

 

Dentro desse cenário político, Moroni cita as denúncias de corrupção e a seletividade nas investigações da Operação Lava-Jato. “Por exemplo, as delações premiadas, quando é em relação ao PT, se tornam verdade, em relação ao PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] nem são investigadas. O presidente atual do PSDB, senador Aécio Nevez, foi citado em varias delações, mas isto não gerou nenhum processo de investigação”. Para Moroni, a incapacidade do PT em fazer uma autocrítica só acelera esse processo de degeneração da política. Ele defende, portanto, que o Partido avalie seus métodos de governar e faça uma autocrítica para a sociedade.

Referindo-se a um “Parlamento paralisado”, refém dos interesses do grupo de Eduardo Cunha [deputado federal pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB – Rio de Janeiro, e presidente da Câmara], Moroni destaca que também colaboram para o cenário em crise as dúvidas quanto à parcialidade do Poder Judiciário nas investigações e o desrespeito aos preceitos constitucionais. A parcialidade ainda dos meios de comunicação, e a crise econômica e social, estariam também tornando o Brasil um país “a ponto de explodir”.

Contudo, Moroni alerta que não se vislumbra nenhuma força política com capacidade e condições de estabelecer um processo de superação dessa crise. “Esse cenário é propicio para aventuras políticas, principalmente de direita, mas abre possibilidades, por exemplo, à luta pela convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva e soberana, com possibilidade de construção de uma nova síntese política”.

 

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O ativista questiona a atuação do juiz Sérgio Moro, que encarnou o papel do justiceiro, o que seria de uma enorme gravidade.


 

Sobre a coerção do ex-presidente Lula, Moroni entende como “abuso” o fato de se conduzir alguém de forma coercitiva para depor, sem uma convocação prévia. “A Lavo Jato já fez isso 117 vezes”. No entanto, Moroni lembra que esta é uma pratica cotidiana, vivenciada pelas populações pobres e das periferias urbanas, que veem a polícia entrar em suas casas sem mandato, e levar para as delegacias sem intimação. “Precisamos questionar e nos revoltar contra tudo isso e não apenas porque levaram o Lula. Penso que o episódio deva nos levar a nos questionar a forma com os aparatos de segurança do Estado atuam”.

Para Moroni, existe, sim, uma estratégia de desconstruir o ex-presidente Lula como liderança política, bem como o PT. “Vou mais além, é desconstruir todo um campo político de esquerda, mesmo que possamos considerar vários grupos que estão nessa leva não sejam mais de esquerda. Essa estratégia fere o mais elementar principio da convivência que é o de respeitar o direito do outro de existir”. Um processo que, para Moroni, é muito perigoso, tendo em vista que todas as ditaduras, o fascismo, o nazismo, o stalinismo romperam com este princípio.

Quanto à atuação do juiz federal Sérgio Moro, o ativista destaca que ninguém está acima do bem e do mal e que o juiz encarnou o papel do justiceiro, o que seria de uma enorme gravidade. “Somos todos e todas fruto desta mesma sociedade e das relações sociais, políticas, econômicas e culturais produzidas por ela. É um processo dialético”. Alerta que é preciso avaliar com profundidade o porquê de a sociedade precisar da figura do justiceiro. “Tem margem para o surgimento desta figura por que não se acredita mais nas instituições, principalmente nas instituições de Estado e na política como o espaço da construção das soluções dos problemas enfrentados pelo povo”.

Quanto às mobilizações dos grupos de direita e esquerda, previstas para este mês de março, Moroni acredita em possíveis riscos de confronto violento, pois segundo ele a sociedade vive um processo de radicalização, não de ideias, mas de agressão física. “É aquilo que descrevi como o desejo de eliminar o outro. Este processo tende a se agravar e muito se as oposições e setores da sociedade levarem adiante o não reconhecimento dos resultados das urnas. Seja via o impedimento da Dilma, via Congresso, ou a cassação da chapa via TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”.

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