O que os estudantes que derrotaram Alckmin nos ensinam

O rapper Criolo subiu ao palco às 15h45 e como num passe de mágica a ficha começou a cair para João, Omar e Joana. Os três e outros tantos milhares de jovens simplesmente venceram. Mas na manhã de domingo, dois dias após terem derrotado o governador Geraldo Alckmin, ainda tentavam decifrar tudo o que eles, alunos secundaristas, tinham ensinado ao Brasil e, especialmente, à esquerda brasileira.

“Nossa luta continua, não nessa forma, mas a luta é algo que vamos levar para o resto de nossas vidas”, resume Joana Noffs, aluna da Escola Estadual Professor Antônio Alves Cruz, no bairro do Sumaré. Joana se considera de esquerda, convicta, que diz ter aprendido em duas semanas de ocupação do colégio mais do que seus 16 anos que já se passaram. “Mostramos o modo como os alunos sonham a escola e como uma vida em comunidade é possível”, diz ela.

Os pais de Joana apoiaram a decisão da jovem em ocupar o colégio. Visitavam a filha para saber se estava tudo bem e se os colegas precisavam de alguma coisa. Saíam felizes de saber que ela estava aprendendo com a escola da vida. João Cecci, colega de Joana, também tem pais compreensivos – a mãe dele praticamente não saía do Alves Cruz. O jovem de 16 anos, ao contrário da amiga, não se vê como de esquerda ou de direita, mas não pensou duas vezes para fazer parte dessa batalha. Já os pais de Omar Abduch, de 17, não aprovaram. Aliás, ele mesmo era contra a ocupação no início, mas se rendeu ao movimento quando ouviu de um coordenador da escola que no passado os alunos não pensavam duas vezes para lutar por seus direitos. Omar se define como de direita, votou em Alckmin e até afirma que votaria nele novamente. Mas admite que algo mudou dentro de si.

“Quando decidimos aderir às ocupações, foi um ponto crítico. Não faríamos parte da reorganização, não iria mudar nada para nós, mas ao entrarmos muitas outras também foram ocupadas”, diz Omar. Fazia sentido. “Começamos pequenos e fomos se agigantando.” O Alves Cruz é uma escola considerada modelo em São Paulo. Nela, os níveis de ensino já são separados e há 11 turmas de ensino médio. O currículo é mais arejado. Há atividade de maracatu do baque virado, por exemplo. Mas, por melhor que a escola seja, os três jovens são unânimes em dizer que não tinham muita ideia de que o conhecimento estava muito além dos muros do colégio e podia ser construído por eles.

“Tive uma aula de física em que aprendi em um dia mais que o bimestre inteiro”, afirma Omar. Profissionais de todas áreas passaram a ocupar, literalmente, as salas para oferecer aos alunos aulas livres de assuntos variados. Eram os voluntários da educação. Teve sexismo, feminismo, em aulas dadas duas ou três vezes por dia. Ia quem queria, e os alunos foram sem que nenhum sinal do colégio precisasse tocar. “A escola, como é hoje, não faz mais sentido. Eles nos incentivam a sermos competitivos. Educação não é competição, mas uma eterna troca”, explica Joana.

Os filhos do lulismo estão nos dizendo a que vieram. Vieram para mudar nossa percepção vertical de que uns mandam e outros obedecem. De que Eduardo Cunha não deve ser imexível por ser chantagista e de que governar no presidencialismo de coalizão é ceder mais do que ir para o enfrentamento. Os alunos que ocuparam mais de 200 escolas públicas resistiram às pressões midiáticas, à contrariedade da opinião pública e até a violência policial.

IMG_20151206_161943Ocupar e resistir, um entre tantos lemas que criaram, foi ecoado por milhares de pessoas no show da Virada da Ocupação (#viradaocupação), em que centenas de artistas, como Criolo, Maria Gadú, Paulo Miklos, Pequeno Cidadão, Filipe Catto, 5 a Seco, Vanguart, Arnaldo AntunesCéu, se dispuseram a cantar de graça no domingo para celebrar a vitória dos estudantes – Alckmin não teve outra saída a não ser revogar, na sexta-feira 4, o decreto que fechava 93 escolas públicas, cujo objetivo era o de economizar dinheiro. Joana, João e Omar assistiram aos shows. A Praça Horácio Sabino, no Sumarezinho, é vizinha ao colégio. Os artistas fizeram questão de entrar no Alves Cruz para conversar com os jovens.

No Alves Cruz, mais de 20 alunos decidiram ocupar o colégio no dia 24, quando outras escolas já estavam participando do movimento. De lá para cá, houve ampla discussão entre os alunos, muitas assembleias foram realizadas e mesmo as opiniões divergentes passaram a ser respeitadas – e também combatidas. A maioria deles se considera de esquerda, contabilizam João e Joana, mas debates partidários passaram longe dali. O tema central era a educação. “A ocupação simbólica de uma escola-modelo mostra a resistência política contra a forma como o sistema educacional é pensado em todo lugar”, diz Joana.

Se a derrota de Alckmin é pública e notória, o que jovens secundaristas disseram é que a esquerda brasileira precisa ter humildade para ouvir o que eles estão nos ensinando. Com uma causa única, legítima e verdadeira, eles não divergiram um momento sequer de que estavam lutando pelo direito de serem educados. Usando as redes sociais, sobretudo o Whatsapp, criaram uma extensa rede de estudantes de escolas que sabiam o que fazer e como fazer para mobilizar a opinião pública em seu favor. Na maioria das vezes, bateram o pé firme para dizer que as escolas não seriam fechadas.

“Não estou aqui só por minha escola, mas por um movimento que envolve pensar fora da escola, coletivamente”, afirma João. Segundo ele, o ensino tem de ser repensado, desde a qualidade de formação dos professores até os procedimentos em sala de aula. “Vamos sempre ter alguma coisa para mudar, e sabemos que não dá para mudar o sistema em apenas duas semanas.”

Ao lado e antes do trio Joana, João e Omar, centenas e milhares de jovens estão dando recados valiosos, que a esquerda brasileira, em particular, parece não querer ouvi-los. Em três ocasiões, eles simplesmente mudaram a forma como a classe política dirige o país. Em junho de 2007, alunos da Universidade de São Paulo ocuparam a reitoria e lá permaneceram por 50 dias. O então governador José Serra enviou a Tropa de Choque da Polícia Militar e transformou o campus num campo de guerra. Era um movimento horizontal, combatido por parte do discurso da imprensa que tentava mostrar que havia partidos infiltrados no movimento dos estudantes. Em junho de 2013, integrantes do Movimento Passe Livre, muitos deles egressos da lutas estudantis da USP, pararam São Paulo e boa parte do país em torno da bandeira do transporte gratuito escolar. Obrigaram o prefeito Fernando Haddad e Alckmin a recuarem do aumento de 20 centavos nos ônibus e metrô.

Desta vez, os alunos conseguiram que as atenções se voltassem para a escola pública, a causa das causas sociais. Mobilizaram pais, o que é natural. Mobilizaram profissionais de várias áreas que doaram seu tempo para a causa estudantil, o que é essencial para que as engrenagens sociais comecem a se movimentar. E mobilizaram artistas e produtores culturais, o que é excepcional porque há tempos a música brasileira parecia ausente das discussões que valiam a pena. E todos eles em favor de uma luta que deveria ser de todos. Há uma grande dúvida neste exato instante se depois que Alckmin recuou, os alunos não deveriam recolher seu time de campo. Mas quem somos nós para dizer o que eles devem fazer.

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