Uma vitória da “caixa preta” do Judiciário

Judiciário sofreu uma derrota no Congresso na votação do veto de Dilma Rousseff à lei que elevaria o salário de seus servidores de 53% a 78%. Apesar de o Congresso ter sido cercado por servidores e até de juiz pressionar parlamentar por telefone, faltaram seis votos para o reajuste vingar. O mais caro Judiciáriodo mundo em termos proporcionais por ora não terá mais verbas.

A semana reserva, no entanto, uma boa notícia para os tribunais. O Ministério da Justiça decidiu acabar com uma repartição criada há doze anos para ajudar a fazer o Judiciário funcionar melhor e a jogar luz nas regalias dos magistrados e de seus funcionários.

Em decorrência da decisão da presidenta de cortar cargos federais, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, resolveu que, na sua seara, uma das áreas sacrificadas será a Secretaria de Reforma do Judiciário. A secretaria será dissolvida. A extinção já foi comunicada internamente no Ministério.

A repartição foi criada em 2003, primeiro ano de governo do ex-presidente Lula, para quem era preciso “abrir a caixa preta” do Judiciário. A decisão causou rebuliço à época. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) de então, Mauricio Correa, reagiu falando em “despautério” e “excrescência”.

A secretaria foi a mentora de mudanças na Constituição feitas em 2004 conhecidas como Reforma do Judiciário. Entre outras coisas, as mudanças criaram o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Públicos (CNMP), órgãos destinados a servir como “fiscal do fiscal” – de juízes no primeiro caso e de procuradores de Justiça, no segundo.

“O mínimo de transparência existente hoje no Judiciário é resultado das iniciativas da Secretaria de Reforma do Judiciário”, diz o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Luciano da Ros, autor da pesquisa Abrindo a caixa preta: três décadas de reformas do sistema judicial do Brasil, ainda em andamento.

Para da Ros, a contribuição mais importante da Secretaria até aqui foi “pensar o Poder Judiciário como políticia pública”. A incapacidade – ou desinteresse – do Judiciário de enxergar-se como serviço público é um dos maiores defeitos deste Poder, segundo a professora Luciana Gross Cunha, coordenadora do Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

Com a extinção da secretaria, teoriza Luciano da Ros, a tarefa de refletir sobre o funcionamento do Judiciário talvez possam ser do CNJ. O que não é uma hipótese muito desejável. Para um antigo membro do CNJ, o advogado Marcelo Neves, o Conselho é hoje um órgão corporativista e “sem significado prático, principalmente no controle da corrupção”.

Mais de dez anos depois, um dos maiores problema no Judiciário que caberia à secretaria ajudar a enfrentar é o excesso de processos. Um relatório anual divulgado em setembro pelo CNJ aponta um estoque de 99 milhões de processos no País, quase um para cada dois brasileiros. Deste total, 71% jamais tiveram qualquer despacho. Na média, os processos esperam dez anos por uma decisão.

O conflito dá a tônica no Judiciário, segundo pesquisa de agosto da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). O estudo “O uso da Justiça e o litígio no Brasil” considera “alarmante” o número de processos. Diz ser resultado da estratégia de um grupo reduzido de atores de levar tudo para os tribunais: bancos, operadoras de cartão de crédito, telefônicas e órgãos públicos.

A cultura da briga judicial reina nos cursos de Direito brasileiros, na opinião de Luciana Cunha. “As faculdades formam profissionais que buscam o Judiciário, mas não deveria ser assim.”

As faculdades de Direito são muitas no Brasil e uma garantia de altos salários.

Em 2010, o então conselheiro do CNJ Jefferson Kravchychyn descobriu: o País tinha mais cursos de Direito (1.240) do que todo o resto do planeta junto (1.100). O bacharel em Direito tem o maior rendimento por hora entre todos os trabalhadores com curso superior, segundo pesquisa de julho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

“Há uma indústria em torno do Poder Judiciário no Brasil”, diz Luciano da Ros.

Com a saída de cena da Secretaria da Reforma do Judiciário, esta “indústria” só tem a ganhar.

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