De olho nas experiências regionais: por diversidade e participação no processo de indicação dos ministros do Supremo Tribunal Federal

Leonardo Avritzer, Marjorie Marona e Matheus Miranda – Observatório da Justiça Brasileira/UFMG

O desenho constitucional legado do processo de redemocratização ampliou o conjunto de temas de natureza constitucional passíveis de serem judicializados e adjudicou competências superlativas ao Supremo Tribunal Federal (STF), conformando um novo padrão de relação entre a Corte Constitucional e as tradicionais esferas representativas, mas também entre ela e a sociedade.

O STF, de forma crescente, tem se manifestado sobre questões de máxima relevância política, social e econômica, tanto em matéria de direitos humanos quanto em relação às discussões no campo da representação política e delimitação de atribuições das demais esferas do Estado. Na esfera político-criminal, o STF tem sido constantemente mobilizado para o julgamento de altas autoridades políticas, inserindo-se na sistemática de desvelamento e combate à corrupção no Brasil. À medida que o STF avança como nova Ágora e também como poder constituinte reformador (Vieira et alli, 2013) coloca-se fortemente a questão de sua legitimidade democrática, atrelada ao reconhecimento da representação política que exerce.

O modelo de indicação dos ministros do STF segue marcado, contudo, pela opacidade e pouca participação dos atores sociais. O Brasil possui um modelo inspirado na experiência constitucional dos Estados Unidos da América (EUA), mas apenas nesse último país se pode dizer que haja uma ampla participação da sociedade civil e um sedimentado debate público. Apenas no caso dos EUA as sabatinas dos candidatos à Suprema Corte envolvem audiências públicas no Senado, preparadas com o apoio da academia e da sociedade civil, o que provoca um intenso debate na sociedade no momento da escolha de um novo integrante da Suprema Corte.

O modelo austríaco-alemão, por outro lado, é fortemente pautado pelo parlamentarismo, que não encontra grande ressonância na América Latina. Nos países de tradição parlamentarista, a participação do Legislativo é naturalmente mais intensa na nomeação dos membros das Cortes constitucionais. A participação da sociedade civil é, nesse contexto, compreendida pela representatividade eleitoral. Parece, portanto, que os modelos de indicação de ministros das Cortes Constitucionais, atrelados às duas principais tradições constitucionais do Ocidente são pouco adequados frente aos desafios que a democracia brasileira enfrenta, particularmente em face da necessidade de constituição de um corpo de magistrados mais plural e representativo da diversidade sociocultural que caracteriza a nossa sociedade. A mera transposição de modelos de nomeação de integrantes das Cortes advindos de realidades e experiências distintas das vivenciadas na América Latina resulta em graves distorções quanto à construção da jurisdição constitucional, estabelecendouma metainjustiça (Fraser, 2008).

Os exemplos regionais podem, por outro lado, apontar novos caminhos na busca por Cortes Constitucionais que fomentem o diálogo entre as diversas formas de conhecimento e o seu enriquecimento mútuo. Em 2002, organizações argentinas publicaram, em conjunto, um documento em que expunham os principais problemas de funcionamento da Corte Suprema, formulando, ao final, propostas concretas para solucioná-los. A falta de transparência na nomeação dos juízes, especialmente os da Corte Constitucional, foi um dos problemas identificados. Em resposta, o Poder Executivo convidou essas organizações a elaborarem um novo procedimento para a nomeação de juízes, que viesse a oficializar as alterações reivindicadas, de que resultou o Decreto 222/2003, que elenca um conjunto de providências que devem ser tomadas para viabilizar a participação da sociedade no processo de escolha do novo integrante da Corte Constitucional.

O avanço argentino teve repercussões em nosso país: em 2011, organizações de direitos humanos repetiram o ato, requerendo publicamente a regulamentação de um procedimento participativo de indicação dos ministros do STF. As mobilizações sociais geraram resultado: o Senado aprovou a Resolução nº 41/2013, que alterou o procedimento de aprovação de autoridades, determinando que as indicações devem vir acompanhadas de ampla divulgação do currículo, das publicações, das filiações atuais e passadas, de potenciais conflitos de interesses e das razões presidenciais para a indicação. Todas as informações devem ficar disponíveis ao público por um período de tempo, permitindo-se, ainda, aos cidadãos, que submetam questões sobre o candidato, a serem enviadas ao relator.

Outros dois países latino-americanos que superaram os modelos tradicionais de indicação das cortes constitucionais foram Equador e Bolívia. No marco do novo constitucionalismo latino-americano, apontam caminhos possíveis para inserir participação da sociedade civil no processo de indicação e de nomeação dos membros da Corte Constitucional, assim como critérios que permitam maior diversidade no seio da corte. No Equador, a partir de 2008, a nomeação dos membros do órgão responsável pelo controle de constitucionalidade – o Tribunal Constitucional – se dá com a escolha prévia de candidatos pelo Executivo, Legislativo e Associações de Controle Social, após a qual se realiza um concurso público.

No caso boliviano, a mudança aconteceu em 2009. O Tribunal Constitucional Plurinacional, órgão máximo responsável pelo controle de constitucionalidade, é composto por membros eleitos por critérios de plurinacionalidade, com representação do sistema ordinário e do sistema indígena originário campesino. O procedimento de eleição se dá pelo sufrágio universal e para mandato de dez anos, com possibilidade de recondução. Na Nicarágua, para compor a lista de indicados à Corte Suprema, o Poder Executivo e o Poder Legislativo devem consultar as associações civis do país, que apresentam seus candidatos atendendo à experiência e ao prestígio profissional.

Olhar além da tradição hegemônica no campo do constitucionalismo, colocar atenção às experiências da vizinhança, pode representar um passo importante na luta pela democratização da jurisdição constitucional brasileira.

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