REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO: ONDE ESTAMOS?

 

REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO:  ONDE ESTAMOS?

 

José Antonio Moroni

Colegiado de  gestão do INESC e membro da

Plataforma dos movimentos sociais pela reforma do sistema político.

Os diferentes movimentos e campanhas da sociedade civil brasileira que interagem nos debates sobre a reforma do sistema político identificaram três questões  centrais a serem enfrentadas inicialmente: a influência do poder econômico nos processos  decisórios (processos eleitorais, partidos, políticas publicas, decisões de Estado etc), a subrepresentação de vários segmentos nos espaços de poder (mulheres, população negra, povos indígenas, juventude, camponeses/as, homoafetivos,  trabalhadores/as em geral) e ausência de povo nos processos  decisórios (democracia sem povo).

O Congresso Nacional por anos se recusou a votar qualquer alteração substancial sobre o tema. Este ano, resolveu votar. Analisamos que essa mudança de postura do Congresso tem relação direta com a pressão exercita pela campanha do plebiscito constituinte do sistema político e pela iniciativa popular pela reforma política democrática; fragilidade do executivo (retira do processo um ator importante, com poder de articulação) faz com que o Congresso vote uma reforma política com a “sua cara”; ação no STF (Supremo Tribunal Federal) de inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanhas e dos partidos; composição ultraconservadora do Congresso Nacional (garantindo uma maioria significativa pra votar uma contrarreforma). Todos esses fatores, associados ao temor “vamos fazer antes que eles façam” – neste caso ‘eles’ é o povo -, fez com que o Congresso Nacional, principalmente a Câmara dos Deputados, votasse este ano uma contrarreforma política.

Para entendermos melhor esse processo, precisamos dividi-lo em dois: uma parte diz respeito a emendas constitucionais e outra, à votação de leis.

Nos dias 16 e 17 de setembro, o STF concluiu o julgamento da ADI (ação direta de inconstitucionalidade) do financiamento empresarial das campanhas e dos partidos.  O resultado da votação ficou em 8 a 3 pela inconstitucionalidade. Uma vitória dos movimentos que lutam pelo fim da influência do capital nos processos decisórios.  Apesar de já batido, é bom sempre deixar registrado que o ministro Gilmar Mendes  ficou 17 meses com pedido de vistas do processo, numa estratégia combinada com os segmentos favoráveis ao financiamento empresarial, pra dar tempo de votar no Congresso uma PEC (proposta de emenda constitucional) pra constitucionalizar este tipo de financiamento. A estratégia deste grupo era aprovar no Congresso Nacional uma emenda constitucional legalizando o financiamento empresarial e, com isso, o julgamento do STF perderia efeito.

Em agosto, a Câmara dos Deputados aprovou a PEC 330 (que apelidamos de PEC da Corrupção), que constitucionalizava o financiamento empresarial aos partidos políticos. Esta PEC só foi aprovada após manobras do grupo do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, sendo encaminhada depois para apreciação no Senado, que ainda não votou a proposta. Vale lembrar que PEC não tem veto presidencial e é sancionada pelo Congresso Nacional – só as leis aprovadas pelos parlamentares podem ter veto e são sancionadas pela Presidência da República.

Em resumo: a tramitação de uma PEC no Congresso é a seguinte: começa por  iniciativa de um parlamentar (senador/a ou deputado/a). Se for deputado/a, tem que ter o apoio de outros 171 deputados para começar a tramitar. Se for senador/a, o apoio mínimo é de 27 senadores. A PEC é votada em dois turnos (duas votações) na casa que iniciou a tramitação e, se aprovada em ambos turnos, vai para a outra casa legislativa para ser apreciada. Se rejeitada, não retorna à casa de origem. Se aprovada em dois turnos nas duas casas (Senado e Câmara), é promulgada pelo próprio Congresso. A Presidência da República não tem poder algum em relação à PEC. Para que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) seja aprovada  na Câmara, é preciso ter o apoio de 308 deputados/as; no Senado, o apoio mínimo é de 49 senadores/as.

Outra estratégia da Câmara  dos Deputados foi votar, a toque de caixa, mudanças na lei das eleições (lei 9.504) e no Código Eleitoral ( Lei 4737).  Assim como a PEC, que descrevemos acima, as alterações das leis tinham como elemento central a legalização do financiamento empresarial, agregando um outro elemento que é o de centralizar o poder. Isto é: dificultar ao máximo que partidos hoje considerados “pequenos” possam ter instrumentos pra chegar ao poder. Foi com essa lógica que a Câmara aprovou mudanças na lei das eleições e no Código Eleitoral. O proposta aprovada na Câmara foi encaminhada para o Senado, que rejeitou a parte que se referia ao financiamento empresarial de campanha.  Como eram mudanças em leis e não na Constituição, o projeto retornou à Câmara ( casa de origem) e esta manteve o financiamento empresarial como tinha aprovado anteriormente.

E como funciona a tramitação de um projeto de lei ( PL)? Começa por iniciativa de um/a parlamentar (pode ser deputado/a ou senador/a). Tramita na casa de origem, votado em um único turno. Se aprovado, vai para a outra casa. Caso sofra modificações de conteúdo na outra casa, retorna para a casa de origem, que pode aceitar as modificações ou não – voltando ao texto original. Concluída a votação do PL no Congresso Nacional (Câmara e Senado), a nova lei é encaminhada para a Presidência da República, que pode sancionar na íntegra, vetar totalmente ou vetar parcialmente.

Em relação às questões centrais pontuadas pelos movimentos, o que foi aprovado até o momento no Congresso Nacional está contramão do que defendemos. Em relação ao financiamento empresarial, o Congresso aprovou (ainda tem a votação da PEC no Senado, conforme explicamos). Conseguimos derrubar no STF e agora precisamos derrubar no Senado pra fechar o círculo. Em relação às sub-representações, não tivemos avanço algum, pelo contrario, houve um retrocesso político e tanto. A própria bancada feminina abriu mão de defender a paridade (para cada homem eleito, uma mulher eleita), e apresentou uma proposta inicial de 10% de cota. Mesmo assim os parlamentares, em grande parte machos, brancos, proprietários etc, não aceitaram. No que diz respeito ao fortalecimento da democracia direta, a Câmara aprovou uma PEC que diminuiu o número de assinaturas da iniciativa popular de lei, de 1.500.000 (um milhão e meio) para 500 mil.  Muito pouco para quem quer construir o poder popular.

Diante deste quadro quais são os próximos passos? Podemos definir em três deles:

1º) Pressionar a presidenta Dilma pra que vete a lei aprovada pelo Congresso Nacional, a qual chamamos de contrarreforma. O ideal é o veto total. Ou pelo menos vetar os artigos que dizem respeito ao financiamento empresarial de campanhas. Mesmo o STF decidindo que é inconstitucional, se a Dilma não vetar, a lei entra em vigor e vamos precisar de uma nova ação do STF pra declarar essa lei inconstitucional. Com isso, corremos o risco de ter as eleições municipais do ano que vem ainda sendo financiada pelas empresas.

Pressionar o Senado para que vote e derrote a PEC 330 (PEC da Corrupção), que  veio da Câmara dos Deputados.

Com isso, zeramos o jogo da reforma política e podemos recolocar e fortalecer as nossas propostas. Seja da convocação de uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político, ou mudanças importantes, via iniciativa popular, nas regras do processo eleitoral e no fortalecimento da democracia direta.

Neste sentido é importante a estratégia aprovada no  ultimo encontro nacional do plebiscito constituinte da realização de assembleias populares constituintes em todo o Brasil.  Com isso queremos ir discutindo que Nação queremos construir, com quem e de que forma, acumulando  forças para as disputas cada  vez mais explicitas, isso é ótimo, que estamos  vivendo.

 

Como podemos perceber, fomos e somos sujeitos políticos importantes, e fundamentais, nesta disputa política. Conseguimos de certa forma, melar o acórdão, a conciliação que estava sendo gestada. Agora é continuar na luta para conseguirmos de fato ter um sistema político alicerçado na soberania popular, no poder popular.

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