Necessidade de transformações estruturais e do Sistema de Justiça são discutidas em Seminário Nacional

 

Não à toa, o professor e jurista José Geraldo de Sousa Junior considera que o “Direito é uma coisa muito séria para ser tratado só por juristas”. A fala durante o Seminário Nacional ‘A Democratização do Sistema de Justiça e as reformas estruturais que precisamos’ indica o teor do debate realizado nestes dias 22 e 23, na Universidade de Brasília (UnB).

O evento, realizado pela Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh) e Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político reuniu movimentos sociais, organizações de direitos humanos, pesquisadores e operadores do direito para a discussão da transformação do judiciário brasileiro.

Cerca de 80 pessoas participaram das atividades durante os dois dias.

“Nós brasileiros temos o costume de apontar o dedo para o poder executivo e legislativo sobre todos os nossos problemas, e esquecemos do judiciário”, indica o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezár Brito. Segundo ele, é necessário refletir esse poder que

Para contribuir nesse sentido, foram realizados no seminário painéis de discussão sobre a necessidade de democratização do sistema de justiça, sobre a história do Judiciário brasileiro e de experiências de países da América Latina, a formação de um judiciário conservador e a relação entre as reformas estruturais e a democratização almejada.

Cenário complexo

A discussão da democratização do sistema de justiça brasileiro está inserida em um contexto difícil e complexo. Nos últimos meses, pautas polêmicas estão sendo discutidas pelo Congresso Nacional. A aprovação da PEC da Bengala (link) e propostas de mudanças na Lei Orgânica da Magistratura (Loman) são exemplo disso.

Ao mesmo tempo, a dicusssão de outras propostas, como a redução da maioridade penal, indicam a formação de um Congresso conservador, que reflete também no judiciário brasileiro.

A deputada federal Erika Kokay apontou para um cenário complexo, onde se manifesta com força o fundamentalismo. Segundo ela, há tolerância diferenciada conforme o sujeito que está tendo seu direito violado. Exemplo disso são as internações compulsórias e a reintegração de posse com despejo de habitantes de ocupações. “Se constrói uma lógica perversa de punir as vítimas”, aponta.

O cenário onde o sistema de justiça brasileiro está inserido foi discutido também por grupos de trabalhos, que ajudaram a definir estratégias para ampliar o debate. Os participantes do evento consideraram fundamental levar a discussão realizada pela JusDh e Plataforma pela Reforma do Sistema Político para outros espaços, e indicaram a necessidade de realização de eventos semelhantes em seus estados e municípios.

Presente no evento, o secretário de Reforma do Judiciário, Flávio Caetano, também convidou integrantes da Articulação e da Plataforma para participarem de um Fórum para construção da primeira Conferência Nacional sobre Acesso à Justiça.

Depoimentos, entrevistas, vídeos e relatos das discussões serão disponibilizadas em breve.

Falta de representatividade

A composição do judiciário brasileiro reflete o grande abismo que há entre os seus membros  e a população brasileira. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (2013), 79,4% dos magistrados do país se declararam brancos, apesar de 50,7% das pessoas do país se declararem negros ou pardos (IBGE, 2010). “Quando pensamos nas mulheres negras no judiciário, o dado é ainda mais alarmante”, alerta Mariana Trotta.

Representante da Associação Juízes para a Democracia (AJD), Eduardo Galduróz apontou para outro aspecto da crise de representatividade de nosso judiciário, como no caso de escolha de ministros para o Supremo Tribunal Federal (STF). Ao serem indicados pela presidência da república, não há participação popular na indicação e aprovação dos candidatos. “São representantes dos representantes do representado”, explica. “É muita democracia indireta em um Estado democrático de direito”.

A falta de acesso à justiça por grande parte dos brasileiros foi também discutida. Segundo o Secretário de Reforma do Judiciário, Flavio Caetano, pesquisas indicam que regiões mais pobres tem menos acesso ao sistema de Justiça.

As reformas estruturais que precisamos

Em um contexto de retrocesso de direitos, movimentos sociais e organizações se reúnem para debater agendas específicas. Apesar da pluralidade de lutas necessárias para transformação de estruturas estabelecidas na sociedade, o seminário se propôs a provocar a reflexão da ação do judiciário brasileiro frente as batalhas dos movimentos.

O integrante da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política, José Moroni, falou da necessidade de transformação do sistema político brasileiro. Apesar de legitimamente eleitos, a formação atual do Congresso Nacional não contempla a realidade brasileira.

A representação de negros e mulheres na Câmara dos Deputados e no Senado Federal ainda não é significativa. Da mesma forma, indígenas não possuem nenhum representante no Congresso Nacional.  E os poucos jovens que integram as bancadas possuem, em geral, proximidade ou ligações familiares com outros deputados. “O debate da reforma do sistema político é basicamente o debate das estruturas de poder”, indica Moroni,

A necessidade de combate ao racismo também foi tratada no evento. Jacira da Silva, representante da Coordenação do Movimento Negro Unificado, participou da discussão. “Combater o racismo significa democratizar o país”, aponta. E fala sobre a necessidade de implantação de cotas em processos brasileiros, como no judiciário. “Não são privilégios, são direitos”.

Bia Barbosa, do Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social, falou sobre o cenário de extrema concentração de propriedade de meios de comunicação no país. Segundo ela, a concentração de ideias é muito agendada nesse espaço. “Os agentes operadores do sistema de justiça não estão alheios a chama formação da opinião pública no Brasil”, avalia. “A opinião pública, que não é natural mas é também formada pelos meios de comunicação, está formada em um quadro antidemocrático, que influenciam as ações das pessoas que atuam no sistema de justiça brasileira”, indica.

O acesso à terra e ao direito à cidade através da reforma urbana e agrária também foram discutidas por Benedito Barbosa, do Fórum Nacional de Reforma Urbana, e por José Jonas, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Leis existem. Mas por que o Judiciário não reconhece os direitos fundamentais?”, questiona Benedito.

Paulino Montejo, presidente da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), também participou dos debates, e relatou o contexto de disputas e luta pelo reconhecimento das terras indígenas. “Na garantia do direito a propriedade, reintegrações de posses são extremamentes rápidas. Mas o reconhecimento de territórios tradicionais costuma levar anos”, avalia.

A necessidade do combate ao machismo e da discussão de gênero também foi apresentada por Fernanda Sabóia, da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB). Denildo Rodrigues, da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (CONAQ), falou sobre as recentes conquistas e dos desafios que enfrenta o movimento quilombola na busca do reconhecimento de seus direitos. A discussão da redução da maioridade penal também foi trazida por Rafael Madeira, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente.

Apesar da amplitude das pautas, o debate demonstrou-se mais que necessário. “Não é a politização da justiça.É tirar o véu e mostrar que a justiça é política”, explicou o assessor jurídico da Terra de Direitos Antônio Escrivão Filho”. “Os juízes não precisam encerrar processos – precisam fazer justiça”.

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