” Os políticos temem o povo e nada mais”, afirma Padre Ozanan Carrara

 

O site da Plataforma da Reforma Política entrevistou o Padre Ozanan Carrara , padre e professor de filosofia da UFF, campus de Volta Redonda/RJ, coordenador da JUPIC (Justiça. Paz e Integridade da Criação) que elaborou uma cartilha sobre os pricipais temas que norteiam a Reforma Política que defendem os movimentos sociais. Vamos a entrevista.

 

Como se deu a construção dessa cartilha?

Uma das dimensões do nosso trabalho em JUPIC (Justiça. Paz e Integridade da Criação) é elaborar e oferecer subsídio para as comunidades eclesiais de nossas paróquias e para as equipes das escolas que trabalham sob a direção da província(MG, RJ, ES, GO e Nordeste). Há três anos oferecemos um subsídio anual que serve para divulgar e aprofundar algum tema. No primeiro ano, propusemos algo em torno da crise ecológica, despertando para a responsabilidade para com o meio ambiente. No segundo ano, propusemos uma reflexão sobre a Justiça e os direitos numa Sociedade democrática. Como 2015 é o ano de discussão – esperamos que seja também de efetivação – da Reforma Política, achamos por bem propor uma reflexão em torno desse tema tão urgente e fundamental para a sociedade brasileira. Olhando o material já disponibilizado pela Plataforma dos Movimentos Sociais e pela Coalizão democrática, liderada por CNBB e OAB, optamos por incluir as duas propostas que, como o demonstra Pedro Ribeiro de Oliveira, são complementares. No dia 07 de setembro de 2014, recolhemos assinaturas para o plebiscito e as propostas de Reforma Política. Percebemos também resistências de grupos conservadores e da direita política que, em alguns momentos, atacou a Igreja por se envolver nessa luta. Isso nos encorajou e mostrou como era urgente promovermos a causa da Reforma Política.

Nosso subsídio se destina a um público específico que são as comunidades eclesiais das paróquias verbitas e nossas escolas. Foi pensado como um material de reflexão para um público interno. No entanto, alguns amigos o espalharam e assim ele chegou a um público externo também. Ao elaborá-lo, juntamos então o conteúdo das cartilhas que reúnem as duas propostas e buscamos dar-lhes uma fundamentação bíblico-teológica, esperando que isso incentive o estudo entre as comunidades católicas que sofrem, nos últimos anos, de um indiferentismo político que eu reputo como muito prejudicial à Igreja e à Sociedade. Mostrar a relação entre fé e política a partir de textos bíblicos e teológicos pode encorajar os grupos e ajudar a combater tal indiferentismo que nos parece também ter sido consequência dos movimentos eclesiais neoconservadores, de origem norte-americana e europeia, que combateram a Teologia da Libertação e as CEB´s, nas últimas décadas. A reunião do Papa Francisco com líderes de movimentos sociais de todo o mundo, em Roma, mostrou que é necessário retomar o diálogo com esses atores sociais indispensáveis sem os quais a Igreja não pode ser fermento na massa nem a Sociedade pode avançar rumo à criação de estruturas mais participativas fundamentais ao aprofundamento de nossa democracia. Esperamos que o subsídio seja uma pequena contribuição para ajudar a alavancar esse processo de retomar o contato com as bases e dialogar com os movimentos sociais como era claramente a proposta da Igreja do Brasil, nos anos 70 e 80.

 

Quais são os pontos que, na proposta da Reforma Política proposta pelos movimentos sociais, carecem de mais esclarecimento ?

Penso ainda que nosso povo liga democracia apenas com eleições livres e com o voto, sem perceber o jogo político e suas conexões com o poder econômico. Uma democracia política exige também uma democracia econômica, isto é, não dispensa a reforma tributária além de exigir o fim do financiamento privado de campanhas políticas. A democratização dos meios de comunicação social é outra exigência fundamental para a criação de uma democracia mais autêntica. Se são os mesmos atores que comandam a economia e os meios de comunicação social e estes se impõem também na política, ainda estamos longe de uma democracia popular e participativa cuja mola mestra seja a vontade do povo e suas necessidades básicas. Nossa democracia representativa sofre de entraves à participação popular e pouco avançamos rumo a uma democracia popular e participativa, desde o fim da ditadura militar. O povo ainda está longe de ser sujeito de sua história e de seu destino. Precisamos trabalhar todos os aspectos pertinentes à democracia como a igualdade sócio-econômica, o acesso ao judiciário, à educação superior, dar voz às classes e movimentos populares nos meios de comunicação social, a justa tributação, etc.

 

Você avalia que o processo de mobilização, que envolve obviamente as etapas de formação, são a grande força para impulsionar o tema da Reforma Política?

Sem dúvida que não haverá Reforma Política sem a mobilização popular. Os políticos temem o povo e nada mais. Há uma visível articulação das elites conservadoras que usarão de todos os meios de que dispõem para travar qualquer tentativa de maior participação popular e de influência sobre o sistema político haja vista a derrubada da proposta dos conselhos populares, a eleição da nova presidência de senado e da câmara, o próprio perfil do atual congresso que é muito mais conservador do que o anterior, o que levou alguns a compará-lo ao de 1964. Infelizmente, a direita se articulou após as mobilizações de rua e o povo não conseguiu ver com clareza o que estava em jogo e acabou, mais uma vez, sendo ludibriado em suas esperanças de mudança. Sabemos que nenhuma mudança vem de cima, mas surge a partir das pressões populares quando elas se fazem presentes e insistentes. O perigo de um congresso majoritariamente conservador como é o atual é que os clamores populares sejam mais uma vez reprimidos e ignorados. Daí a urgência da mobilização popular!

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