RUY MAURO MARINI E O PLEBISCITO OFICIAL DA CONSTITUINTE EXCLUSIVA E SOBERANA

 

A democracia brasileira tal qual a conhecemos, acompanhando o girar da história mundial, dá sinais de que caminha a passos largos para um período de tensões e enfrentamentos populares. A sustentação do enredo desse filme não pode ser negligenciada: a profundidade e o prolongamento da crise econômica capitalista até o Brasil.

 

Se, é verdade que este cenário não pode ser construído mecanicamente e aplicado à qualquer lugar, também é certo que, ao pensar e elaborar estratégias para as lutas populares na conjuntura brasileira atual, as lideranças não podem se esquecer deste fator. Operíodo de valorização das commodities na primeira década do século XXI deu ânimo ao governo petista estabelecer uma ampla redistribuição de riqueza que em menor ou maior grau beneficiou tanto aqueles setores da classe trabalhadora como setores da burguesia.

 

Porém, a situação internacional atual pressiona o intercâmbio desigual em favor dos grandes centros econômicos capitalistas (os poderes econômicos locais perdem, de forma progressiva, parte de seus lucros para o centro desenvolvido do capitalismo), diminuindo a possibilidade de repartição das riquezas como no período anterior à crise.

 

Neste sentido, o enredo do filme não poderia ser outro: a intensificação da luta de classes; que se reflete nas disputas dos camponeses por terras, nas disputas pela demarcação de terras quilombolas e indígenas, no acirramento por moradia nos centros urbanos, por ampliação ou, ao menos, manutenção de direitos trabalhistas etc.; e por outro lado pela ofensiva da burguesia nacional nestes e em outros campos, sempre tentada em compensar os efeitos da crise e manter ou ampliar a correlação de forças.

É nesta linha que ocorreu a última disputa presidencial no país, polarizando (no segundo turno) o campo político da maneira mais visível e radical desde a campanha eleitoral de 1989. Esta tendência à disputa da pauta política de forma mais aberta e radicalizada (surgindo inclusive pautas fascistas) se apresentou nas manifestações de Junho de 2013 e,neste momento, demonstraforte tendência de retorno, dando sinais de prolongamento.

 

Com efeito, este novo período se apresenta explicitamente em torno da disputa nocampo político, expresso, por sua vez, no progressivo descrédito do sistema político que, desde 1988, é modificado predominantemente em favor da burguesia. Para entender o presente e projetar as lutas do futuro, não há dúvidas de que é urgente a retomada do passado recente. Ruy Mauro Marini, em seu artigo Liberalismo y democracia: larevisión constitucional en Brasil, assevera que a Constituição de 1988 é expressão de um movimento duplo: a capacidade da burguesia de exercer sua hegemonia; e a imensa energia que animava o movimento popular a pressionar por mais direitos.

 

Diz o intelectual-militante: “Com efeito, a gestação da nova Carta não se produziu a partir de uma assembleia soberana, eleita exprofeso, senão do ortogamento do poder constituinte ao Congresso Nacional, por decisão de um governo de legalidade duvidosa.” Nesta linha, “o processo eleitoral do qual resultou a Assembleia Constituinte cerceou a possibilidade de construir uma autêntica representação popular. Isto se deveu a que não se contemplou a eleição de candidatos independentes, a ser propostos pelas organizações sociais e de classe e pela cidadania em geral, em proveito do sistema partidário artificial imposto por um regime militar.”

 

Por outro lado, Ruy Mauro admite certo avanço da nova constituição: “A Constituição de 1988 resultou ser, por ela, algo muito heterogêneo (…). Ali encontramos, junto a traços autoritários, dispositivos extremamente liberais, ainda que também, pela primeira vez na história constitucional do país, medidas francamente democráticas. Mas o espírito democrático da nova Carta se expressa principalmente na instituição de mecanismos referidos a democracia direta e no fortalecimento dos instrumentos de participação popular.”

É justamente nesta “brecha” democrática que a campanha por um Plebiscito Oficial da Constituinte Exclusiva e Soberana se insere atualmente. A junção de diversas forças sociais de diferentes matizes em torno desta proposta busca abrir espaço para novas conquistas populares. Para alguns setores da esquerda brasileira a campanha pode parecer audaciosa e perigosa, mas, em realidade, não é nada mais do que a resposta às exigências desse novo período de lutas que surge no Brasil ainda antes de 2013 e ganha relevância a partir dos protestos de junho daquele ano.

Nesta linha, o objetivo da campanha é o de modificar profundamenteo sistema político brasileiro a partir de um mecanismo que, como notou Marini, não foi dado no processo constituinte da Carta de 1988, qual seja, a formação de uma “assembleia soberana” com a eleição de “candidatos independentes, a ser propostos pelas organizações sociais e de classe e pela cidadania em geral”.

 

Também é verdade que outros setores da esquerda ainda não entenderam a amplitude desta campanha, muitas vezes por estaremempenhadosem encabeçar suas próprias pautas políticas. Em outro artigo, intitulado A Constituição de 1988, Ruy Mauro Marini trata justamente de ensinar àqueles setores mais “isolados” da esquerda que “o processo histórico da democracia liberal burguesa é matéria da maior relevância para o desenho de novos caminhos, entre nós. Sua maior lição é mostrar que é possível às massas realizar conquistas democráticas significativas dentro do regime liberal, as quais são ao mesmo tempo ampliação do campo de ação das massas e escola para o exercício pleno da democracia, cuja concretização transcende já o plano do regime liberal. Essas conquistas, assim como seu impacto sobre a ideologia burguesa, que a leva a avançar no sentido das garantias e liberdades individuais, representam um patrimônio de que não se pode abrir mão.”

 

É por isso que “os mecanismos de democracia direta, de vigilância cidadã e de participação popular, presentes na atual Constituição, são o melhor instrumento de que já dispôs o povo trabalhador ao longo de nossa história para construir uma ordem política mais favorável aos seus interesses”.

De fato, Ruy Mauro Marini parece estar em pleno acordo com a proposta do Plebiscito Oficial da Constituinte Exclusiva e Soberana, já que ambos apontam para a real possibilidade de “realizar conquistas democráticas significativas dentro do regime liberal” ao possibilitar a “ampliação do campo de ação das massas”, sem esquecer que tais conquistas “representam um patrimônio de que não se pode abrir mão.”

 

É neste sentido que convidamos fraternalmente todos os companheiros que ainda não se somaram à campanha, para cerrar fileiras conosco ou ao menos abrir um diálogo franco. A proposta que foi levada adiante por Dilma Rousseff na reta final da campanha eleitoral – depois de ter sido abandonada em menos de 24 horas após sua apresentação em resposta as manifestações de junho de 2013 -, encontra agora fortíssima resistência de todas as forças que se formaram em tornoda candidatura de Aécio Neves, bem como daquelas que se apresentam no campo político como “base aliada”.

 

A burguesia sabe que esta proposta, caso saia vitoriosa, pode abrir um importante espaço para o avanço das mais diversas pautas populares e, justamente por isso, se articula fortemente contra. Estas são apenas as primeiras cenas deste filme, mas já está claro que o momento exige unidade.

 

Por um Plebiscito Oficial da Constituinte Exclusiva e Soberana;pelo empoderamento popular neste terceiro turno.

*Fabio Maldonado é bacharel em Relações Internacionais, militante do Movimento Reforma Já e da campanha do Plebiscito Oficial da Constituinte Exclusiva e Soberana.

Deixe um comentário

um × dois =