Por Daniele Silveira
Entre janeiro e junho deste ano, a Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, recebeu 265.351 notificações. Das denúncias, 30.625 foram de violência, sendo a mais recorrente a física, com 15.541 casos. Ainda estão entre os principais relatos das vítimas a violência psicológica (9.849 relatos); moral (3.055 relatos) e sexual (886 relatos).
Os dados se tornam mais perversos e alarmantes quando 77,16% das mulheres em situação de violência revelam que sofrem agressões todos os dias ou semanalmente.
Esse tratamento severo dado às mulheres também se repete no mercado de trabalho. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), aponta que no ano passado as mulheres receberam, em média, 73,7% do salário dos homens. O rendimento médio deles foi de R$ 1.890 por mês, enquanto elas receberam R$ 1.392.
Sem ver suas questões pautadas nas esferas do poder ou na mídia, o coletivo “Nós, mulheres da periferia” busca ser um canal de informação para todas aquelas que se sentem invisíveis dentro desse cenário.
“O que a gente tenta é ser um veículo que possa informar as mulheres sobre os direitos delas, por meio de serviço, políticas públicas e divulgar esses direitos que a gente tem, cobrar também a partir de denúncias de irregularidades. E também dar visibilidade para aquelas mulheres que estão atuando, mostrar um pouco o que elas fazem, seja no poder público ou nos movimentos”, explica Lívia Lima, uma das organizadoras do coletivo.
O coletivo acabou se transformando em uma ferramenta de denúncia da violência doméstica e do abuso sexual. São oito jornalistas e uma designer, todas moradoras de bairros da periferia da cidade de São Paulo, engajadas no combate às desigualdades de gênero.
Marcha Mundial
A opressão de gênero foi amplamente discutida no 9º Encontro Internacional da Marcha Mundial das Mulheres, realizado no final de agosto de 2013. Durante uma semana de debates e oficinas, que reuniu 1,6 mil representantes de 48 países na capital paulista, o movimento fechou uma pauta unitária de luta.
No documento final, as mulheres destacaram, entre outras defesas, o direito ao aborto legal, seguro e público, além de exigirem a aplicação plena da Lei Maria da Penha.
Embora as lutas sociais tenham ganhado destaque, sobretudo nas redes sociais, o papel das organizações populares é muito limitado, e consiste basicamente em identificar violações, denunciá-las e pressionar órgãos públicos e governantes. Apelo que quase nunca é ouvido, tornando indispensável a participação das minorias nos espaços institucionais.
Apesar de representarem 51,04% da população brasileira, menos de 9% dos parlamentares que ocupam o Congresso Nacional são mulheres. Desequilíbrio que terá continuidade na próxima legislatura, já que nas eleições deste ano dos 25.919 candidatos, apenas 8.008 (30,90%) são mulheres.
Sub-representatividade
Recentemente, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) divulgou a publicação “Perfil dos Candidatos às Eleições 2014: sub-representação de negros, indígenas e mulheres: desafio à democracia”. O levantamento demonstrou que a maior parte dos partidos apenas cumpre a definição legal de cotas mínimas de 30% para mulheres.
Desde 2009, com a sanção da Lei n° 12.034, tornou-se obrigatório que cada partido ou coligação preencha o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. A assessora política do Inesc, Carmela Zigoni, explica as fragilidades do procedimento.
“Nas eleições desse ano tem um grupo de mulheres que se candidatou, está concorrendo, mas elas têm 20 anos. Então, os partidos têm um recurso alegando que na posse elas vão ter 21 anos, mas você tem uma porcentagem de candidaturas de mulheres que já está em risco de ser indeferido”, destaca.
Entre as causas da sub-representatividade das minorias, Carmela chama a atenção para o financiamento privado de campanhas. Ela pontua o desequilíbrio gerado por esse modelo em que grupos econômicos buscam apoiar candidatos que depois defendam os seus interesses no Parlamento.
“Tem uma parcela dessas candidaturas que não tem recursos financeiros para fazer campanha, por isso que a gente quer discutir a reforma política. A maioria das candidatas é a que tem menos recursos, menos exposição da mídia. Então, não consegue chegar também ao eleitor”, observa.
Dignidade no tratamento
As mulheres que conseguem furar o bloqueio imposto pelos patrocinadores de campanha enfrentam o desafio de ocupar um espaço que tem privilegiado a presença de homens, geralmente brancos e com maior poder aquisitivo. O relato é feito pela deputada federal Janete Pietá (PT), que vive situações de discriminação por ser mulher e assumir a sua negritude.
“Eu, no próprio Congresso, já sofri muita discriminação por ser negra. Logo no primeiro ano, em janeiro de 2007, uma ascensorista falou: ‘Não, a senhora não pode entrar nesse elevador porque aqui é só deputados’. Ela nem perguntou se eu era. A discriminação é grande, e também por eu usar essas trancinhas as pessoas me perguntam: ‘Você é deputada?’” .
Nestas eleições, segundo o relatório do Inesc, a proporção de mulheres brancas e negras que se candidatam é semelhante: 16,5% e 14,2%, respectivamente.
No entanto, o documento afirma que “ao que tudo indica, na hora do voto, a dupla discriminação opera – a de gênero e raça/cor – uma vez que se contam nos dedos as parlamentares mulheres negras presentes hoje no Parlamento.”
A publicação ainda enfatiza que no caso das mulheres indígenas a situação é mais grave, pois o Congresso Nacional não conta com nenhuma representante desse grupo da população.
A deputada Janete considera que enquanto não houver pluralidade de representação no Poder Público, a democracia será incompleta. Para mudar essa realidade, ela também defende a reforma do sistema político e a mudança da concepção machista que ainda persiste na sociedade.
“Nós precisamos mudar a mentalidade de que mulher não pensa, de que mulher é incapaz, de que mulher é um ser de segunda categoria porque isso também influencia. Então, mudar essa concepção machista. Lugar de mulher é na política e não na cozinha”, reitera.
O depoimento de Janete revela como essa lógica se reproduz internamente dentro do seu próprio partido. “No PT, nós aprovamos no IV Congresso, que agora nós mulheres temos que estar 50% nos lugares de direção. Mas vejam só, eu sou PT, mas quando é que nós tivemos uma mulher do PT como presidenta nacional do partido? Nem em São Paulo nós tivemos alguma mulher como presidenta estadual do PT”, desabafa.
Três mulheres no páreo
A presença de representantes dos grupos mais oprimidos no Congresso Nacional não significa necessariamente a garantia de avanços. Se as pautas específicas das mulheres estão ausentes nas campanhas eleitorais, certamente não estarão presentes nas ações governamentais.
No entanto, Carmela salienta a importância de ocupar esses espaços. “É obvio que a gente sabe que não necessariamente essas pessoas vão entrar lá com essas agendas específicas, mas se ver no espaço de poder é importante”, reflete.
Beatriz Lourenço, integrante do Levante Popular da Juventude, acredita que as candidaturas fiéis às necessidades do povo e às demandas dos movimentos sociais ainda são possíveis.
“Isso significa que o candidato não é aquela figura que tem que estar distante da gente, que a gente tem que cultuar. O nosso candidato é o nosso camarada, o nosso companheiro”, ressalta.
Neste ano, a disputa das eleições para a Presidência da República conta com três candidatas mulheres. Se as projeções se confirmarem, no segundo turno teremos um embate entre a atual presidenta Dilma Rousseff (PT) e a candidata Marina Silva (PSB). Luciana Genro (Psol) tem 1% das intenções de votos, embora tenha um programa que reúne as principais bandeiras da esquerda brasileira.
Apesar de ser recente a participação feminina na política – somente em 1946 o voto foi ampliado a todas as mulheres e se tornou obrigatório – algumas delas têm quebrado paradigmas.
Entre elas está Benedita da Silva que em 1982 tornou-se a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro e, mais tarde, do Senado Federal. Como vice-governadora do estado carioca, assumiu em 2002 a chefia do Executivo, com a renúncia do então governador.
No ano de 1988, Luiza Erundina foi eleita prefeita da maior cidade da América Latina, São Paulo, sendo a primeira mulher a assumir o cargo na capital paulista. No comando do país, Dilma Rousseff tornou-se a primeira mulher eleita presidenta em 121 anos de República. Em ambos os casos as candidatas foram lançadas pelo PT.