Reforma Política Democrática é tema de reportagem na Carta Capital

 

Um movimento popular pretende reunir 1,5 milhão de assinaturas a favor da reforma

Por volta das 5 da tarde da quarta- feira 27, a dona de casa Andreia Mendes, de 37 anos, voltava do hospital com o filho Mauricio, de 6 anos, quando passou pela rodoviária central de Brasília. Ali, a 2 quilômetros e meio da Praça dos Três Poderes, uma senhora de camiseta branca, prancheta à mão, a abordou: Quer tirar os corruptos da política? Era um dia nacional de coleta de assinaturas para o projeto de lei Eleições Limpas, em mais um esforço de um grupo de ativistas favoráveis à reforma política. A dona de casa gostou do que ouviu e assinou. Se a população não se unir, os corruptos não vão fazer as mudanças.

É o sentimento de omissão da classe política que leva entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, sindicatos,a Plataforma dos Movimentos Sociais,  movimentos estudantis e camponeses, em um total de 57 organizações, a apelar às ruas. A esperança é repetir o fenômeno da Lei da Ficha Limpa. Reunir 1,5 milhão de assinaturas para a proposta entrar no Congresso com o carimbo de iniciativa popular e constranger os parlamentares a votar algo que, no íntimo, a maioria deles rejeita.

Os dados sobre as assinaturas obtidas até agora são imprecisos. O plano é atingir o mínimo necessário até 11 de agosto do próximo ano, Dia da Justiça e com a eleição a pleno vapor. Até lá, os organizadores vão tentar difundir o assunto pelo Brasil, com seminários e atos públicos. Sonha-se com um clima de Diretas Já. Em carta enviada no início de novembro a 370 paróquias, em que pede aos bispos para disseminar a reforma política e colher assinaturas, a cúpula da CNBB diz que só uma campanha cívica produzirá resultados, pois a mídia e o Congresso não têm interesse no tema.

Para os ativistas, o sistema político brasileiro está falido. Punir desvios individuais é importante, e para isso há a Lei da Ficja Limpa. Falta, porém, atacar desvios do próprio sistema. O modo como as eleições são disputadas transformaria os partidos em um ajuntamento não de ideias, mas de indivíduos movidos por projetos pessoais, e tornaria os políticos reféns, ou sócios, dos doadores de campanha. Uma situação que afastaria da política os cidadãos bem-intencionadas e atrairia apenas os defensores de interesses particulares e financeiros.

O coração do problema, dizem, está nas contribuições empresariais a candidatos e legendas. Seria esse o germe da corrupção e da baixa qualidade da política atual, na visão do presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho. A Lei das Eleições Limpas quer proibir essas contribuições, vetadas em 36 países. No lugar, haveria doações de cidadãos comuns, como já acontece hoje, e a distribuição de verbas públicas, uma novidade. Seriam impostos limites de gastos e regras para baratear as campanhas. Uma delas prevê uma votação em dois turnos também para as vagas no Legislativo. Primeiro se escolheria um partido, depois o candidato. Segundo os autores do projeto, a regra reduziria o número de candidaturas. Além disso, o caixa 2 passaria a ser um crime passível de prisão (atualmente, só ocorre a perda de direitos políticos).

Dois casos famosos respaldam a avaliação de que as doações empresariais incentivam a corrupção. No mensalão do PT, o Supremo Tribunal Federal julgou ter ocorrido compra de votos por parte do governo. Se assim foi, havia, em contrapartida, uma vasta oferta: partidos sem conteúdo e com a necessidade de fundos para campanhas e de ligação com o governo, qualquer um, para favorecer os patrocinadores. Ao estrear no STF na etapa final do julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso disse que o grande condenado era o modelo político. Ele apontou o financiamento empresarial como a maior encrenca e pediu uma reforma política urgente.

No cartel do Metrô em São Paulo, a promiscuidade entre financiadores e políticos é evidente. Nas investigações em curso, um ex-diretor da Siemens afirma que obras foram superfaturadas com o objetivo de abastecer o caixa 2 do PSDB e aliados. Alguns dos implicados nas acusações receberam doações de duas empresas do cartel, Siemens e Alstom, inclusive de forma declarada à Justiça. Os escândalos se sucedem por conta do financiamento de campanha, é assim desde o impeachment de Collor, diz o presidente da OAB.

A percepção de quem investiga a corrupção é a mesma. O Ministério Público Federal anunciou, na quinta-feira 28, que o foco de sua atuação nas eleições de 2014 estará nos financiamentos ilícitos de campanha. Em entrevista ao jornal O Globo em outubro, o diretor de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, Oslain Santana, classificou o financiamento eleitoral de inimigo número 1. O script é sempre o mesmo. O político desfalca o Erário para enriquecer e bancar campanhas. E comete o desvio por meio de empresas com negócios com o Estado e doadoras eleitorais. Sem mudar as regras do jogo, disse Santana, a polícia continuará a enxugar gelo.

Enxugamento sem fim não atacado por uma minirreforma eleitoral enviada pelo Congresso à sanção presidencial na segunda-feira 25. O texto até apresenta dispositivos que podem conter o custo das campanhas e, portanto, o poder econômico, entre eles um teto de gastos com cabos eleitorais, alimentação e transporte, mas deixou a impressão de mera perfumaria. Fizeram ajustes em um modelo ultrapassado e não atacaram o mais grave. Quem seleciona os políticos eleitos são as empresas, esse é, hoje, o maior obstáculo à nossa democracia, diz o juiz Márlon Reis, líder do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.

De acordo com um dos parlamentares mais experientes e antigos em Brasília, o senador gaúcho Pedro Simon, não se pode esperar nada do Parlamento nesse quesito. O peemedebista pensa como o falecido Ulysses Guimarães: se você acha que o Congresso atual é ruim, espere pelo próximo…

São duas as origens dessa situação, na opinião de Simon. A Justiça, que não pune os políticos (exceções como o julgamento do mensalão petista comprovam a regra). E o sistema, que virou um reprodutor dos interesses dos próprios políticos e precisa ser reformado. 0 voto de legenda é tremendamente importante. Temos 32 partidos, mas quantos com conteúdo? E esse financiamento empresarial de campanhas é horrível. Não existe almoço grátis.

O Congresso resiste a agir por conta própria, mas pode acabar forçado, e não só pelas ruas. O STF marcou para 11 de dezembro o julgamento de uma ação proposta há dois anos contra as doações empresariais. A OAB pede ao Supremo que defina se tais contribuições, regidas por duas leis, respeitam o espírito da CF. Para a Ordem dos Advogados, elas não respeitam. A infiltração do poder econômico nas eleições viola, afirma a entidade, três princípios constitucionais: o da igualdade, o da democracia e o republicano. Quem tem mais dinheiro está em vantagem, captura o poder político e o leva a tomar decisões pró-financiadores. Se o STF barrar as doações, os parlamentares terão de aprovar uma norma substituta.

Defensor dos interesses da sociedade, o Ministério Público concorda que os donativos de pessoas jurídicas ferem princípios constitucionais e enviou ao STF um parecer favorável à ação.

Já o órgão federal defensor dos atos presidenciais (a ação questiona duas leis sancionadas por um presidente) mandou um parecer contrário. Segundo a Advocacia- Geral da União, as empresas sofrem o impacto das decisões governamentais e legislativas, por isso têm o direito de participar das eleições. Vetar suas doações seria uma decisão do Congresso com base na pergunta: E bom para o País? Apesar do parecer, o advogado-geral, Luiz Inácio Adams, apoia o debate. Existem muitas distorções, o financiamento de campanha deve ser discutido pelo Congresso. Talvez um abaixo-assinado de 1 milhão e meio de Andreias possa convencer os nobres parlamentares.

Fonte: Carta Capital

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