Projeto de Iniciativa Popular lança campanha de assinaturas por novas regras para plebiscitos e referendos, para o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, a eleição com voto em lista fechada composta com alternância de sexo, e o fim das coligações partidárias de ocasião, construídas para fins eleitorais e sem compromissos programáticos.
Grande parte da população brasileira não suporta ouvir falar em política. Muitos acham que é uma forma de ‘se dar bem’, ou seja, de conseguir benefícios para si de forma ilícita. Os escândalos de corrupção e as recentes decisões do Congresso Nacional isentando políticos envolvidos só ampliam o descrédito da atividade política. Essa situação, aliada à baixa representatividade do povo brasileiro no parlamento, especialmente dos segmentos sociais mais excluídos das condições de poder, como a população negra, as mulheres e as pessoas em situação de pobreza, fazem com que a maioria de nós não se interesse por política e, muito menos, por uma reforma do sistema político. Mas, apesar disso, as decisões políticas continuam determinando as condições de vida de todos/as nós.
No Congresso Nacional, o debate sobre reforma política tem tratado apenas da organização dos partidos e do processo eleitoral. A sociedade tem pressionado para ampliar esta pauta. A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político congrega diversas organizações da sociedade civil que lutam pelo aprofundamento da democracia brasileira considerando também a democratização da comunicação, do poder Judiciário, e dos instrumentos de democracia direta, participativa e representativa.
Essa pauta ampla tem entrado no debate do Congresso de forma dividida e fragmentada, mas, ainda assim, é fundamental para discutirmos a desconcentração do poder. No momento, por exemplo, está em questão uma reforma do sistema eleitoral, com possibilidades de impactar nas eleições de 2012. Ao mesmo tempo, está em discussão a regulação da Internet e, no Judiciário, a vigência da ‘lei da ficha limpa’, uma grande conquista do Movimento Contra Corrupção Eleitoral e da Plataforma (MCCE).
Em função desse contexto, essas duas articulações estão lançando a Proposta de Iniciativa Popular pela Reforma Política. Com essa Iniciativa, buscam promover debates na sociedade e coletar milhares de assinaturas para levar ao Congresso um projeto de lei voltado para fortalecer a democracia direta e alterar o sistema eleitoral. A ideia central é criar novas condições legais para favorecer a representatividade, a transparência e a ética na política.
Para aprofundar a democracia direta, a Iniciativa defende o financiamento público das campanhas para votação em plebiscitos e referendos, e que estas sejam coordenadas por organizações da sociedade civil, e não pelos partidos políticos. Esta mudança seria parte de uma nova regulamentação, na qual os plebiscitos, referendos e projetos de lei de iniciativa popular teriam maior capacidade de expressar a soberania popular.
Além disso, a Plataforma e o MCCE defendem que as propostas de iniciativa popular de projetos de lei tenham um encaminhamento mais rápido em relação às propostas encaminhadas por apenas um deputado. Hoje, o rito para uma iniciativa popular no Congresso não está estabelecido. Com isso, elas acabam seguindo o mesmo curso de um Projeto de Lei apresentado por um/a parlamentar.
Em outras palavras, o pressuposto da atual mobilização de Iniciativa Popular é que quando nós votamos e elegemos um/a deputado/a ou senador/a não estamos assinando uma “procuração em branco” e, deste modo, parlamentares não podem decidir tudo o que quiserem em nome do povo brasileiro. Por isso, a Iniciativa defende que seja obrigatória a convocação de plebiscitos ou referendos para muitos dos temas decididos no Congresso Nacional como, por exemplo, a criação de novos estados; os acordos financeiros e de livre comércio; a concessão de serviços públicos essenciais; o aumento de salários de parlamentares, juízes e ministros; o limite de propriedade; os projetos de desenvolvimento com grandes impactos sociais e ambientais; as mudanças constitucionais, entre outros. Nestes assuntos, a população precisaria ser consultada.
Outro objetivo da Iniciativa é o fortalecimento dos partidos políticos, criando condições para que funcionem com democracia interna. Consolidar os partidos políticos tem sido fundamental para todas as experiências democráticas. Os partidos não podem ter “dono” ou serem transformados em legendas de aluguel: filiados/as devem tomar as principais decisões. Além disso, parlamentares eleitos/as a partir dos partidos, devem ser obrigados/as à fidelidade ao programa partidário, que deve ser de conhecimento público, para que o parlamentar eleito não fique refém do grupo político que controla a sigla naquele período. Parlamentares eleitos/as também ficariam proibidos/as de assumir cargos no Executivo ou disputar outro cargo eletivo no período da vigência de seu mandato. Estas medidas contribuiriam para que a vontade expressa no voto seja respeitada.
Buscando garantir o controle social do processo eleitoral, a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político defende que nós, cidadãos e cidadãs, e nossas organizações e movimentos, também possamos questionar, na Justiça, todas as vezes que o processo eleitoral se encaminhar em desacordo com os nossos direitos, como por exemplo: quando não está sendo cumprida a cota de candidaturas de mulheres, quando há uso indevido do recurso ou do horário eleitoral etc. Hoje, só quem pode propor ações e representações na justiça eleitoral são os candidatos ou os partidos políticos.
Outra proposta nesse âmbito do controle social é o financiamento público exclusivo de campanha, uma medida fundamental para frear a corrupção. A forma clássica de corrupção ocorre efetivamente a partir do processo eleitoral: o/a candidato/a recebe recursos de determinado empresário para sua campanha e ‘paga a fatura’ do apoio depois de eleito, com base no dinheiro público. O desejo popular, já expresso no período da coleta de assinaturas para a ‘lei da ficha limpa’, foi o de dar um basta à corrupção, ao uso do dinheiro público para interesses pessoais. Está em causa a exigência de que a política seja feita de forma transparente, com ética e com propostas para os problemas sociais.
Listas fechadas
Muitas pessoas consideram que hoje, ao votar, estão de fato elegendo aqueles/as candidatos/as que escolheram, mas, no sistema político brasileiro a forma de escolha se baseia no coeficiente eleitoral, ou seja, você vota no candidato “do seu coração”, mas seu voto entra na conta geral do partido ou coligação, e reforça a eleição do candidato que conseguiu obter um número maior de votos. O projeto de Iniciativa Popular considerada como parte do fortalecimento dos partidos a eleição ser organizada a partir da votação em listas, montadas nos encontros e/ou convenções partidárias, de forma que um conjunto de candidatos/as represente o programa partidário no processo eleitoral.
A votação em lista faz com que o/a eleitor/a possa escolher um programa político, ou seja, um conjunto de avaliações e propostas apresentadas por um partido político, e não se posicionar apenas a partir do marketing de um candidato. Com a lista, filiados/as de cada partido poderão ordenar a prioridades de candidaturas a partir da qual apresentarão seu programa para a sociedade, deixando de ficar reféns do poder econômico de uma candidatura.
Hoje, no Brasil, as mulheres são a maioria da população e são menos de 10% no Congresso Nacional. Para mudar esta situação, só mudando as regras do jogo. Por isso, a Iniciativa Popular defende que a lista seja fechada em encontro partidário e composta com a alternância de sexo, seguidamente um homem e uma mulher, e incluindo grupos que são minoria na representação política atual, como o povo negro, indígena, entre outros. Medidas semelhantes já foram adotadas em vários países e têm contribuído para democratização do parlamento.
O parlamento deve ser representativo dos grupos sociais que estão em conflito na sociedade. Os deputados e senadores não podem representar somente os ricos, os donos das terras e dos bancos, das fábricas e dos meios de comunicação. É preciso ter a população negra dentro do Congresso Nacional. Assim como aqueles e aquelas que não dispõem de recursos abundantes e nem de amigos influentes. É preciso que as mulheres estejam representadas em, pelo menos, 50% da Câmara e do Senado.
A Iniciativa Popular de projeto de lei para a qual os movimentos sociais estão mobilizando assinaturas não é uma proposta para toda a reforma do sistema político, mas será um passo para termos novas condições políticas no Congresso Nacional e garantirmos que os grande problemas brasileiros sejam a pauta do parlamento, com representação de todos e todas as interessadas em resolvê-los.
Fonte: Carta Maior
Por:Carmen Silva – Educadora, representa o SOS Corpo – Instituto feminista para a Democracia e a Articulação de Mulheres Brasileiras na Plataforma dos Movimentos Sociais por Reforma do Sistema Político.