O real combate à corrupção

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O grupo de intelectuais que se reúne em torno do CRIP tem uma preocupação de longo prazo com a corrupção e seu impacto no sistema político brasileiro. Em nossas pesquisas, identificamos que a população brasileira considera a corrupção um grave problema, dos mais graves enfrentados pelo país.

 Mas a ideia de que a corrupção no Brasil é causada pela presença de um ou de outro mau político ou administrador no governo e que a sua retirada ou a retirada de todos eles deixaria o país livre da corrupção, constitui uma ideia completamente equivocada.

Sendo assim, a ideia de que o que o país necessita é uma “faxina”, tal como temos lido todos os dias na grande imprensa nas últimas semanas, é uma ideia completamente equivocada por dois motivos: porque é evidente que sem corrigir alguns processos na organização do estado e do sistema político, a corrupção voltará a estar presente nestes mesmos lugares; segundo porque a seletividade desta “faxina” pautada por alguns órgãos da grande imprensa irá desestruturar o governo e sua base de sustentação sem gerar um governo ou um estado menos corrupto.

A corrupção no Brasil tem duas causas fundamentais e sem identificá-las não é possível combatê-la. A primeira destas causas é o sistema de financiamento de campanhas políticas. O Brasil tem um sistema de campanha absolutamente inadequado, no qual os recursos públicos alocados aos partidos são absolutamente insuficientes.

O problema do financiamento do sistema político acaba sendo resolvido nas negociações para a sustentação do governo no Congresso. As coalizões de governo são fundamentais para assegurar a maioria do Executivo no Congresso, já que, desde a eleição de 1989, o partido do presidente não alcança mais do que 20% dos votos para o congresso.

Mas o problema é que estas coalizões se tornaram um sistema de troca no qual a indicação de políticos da base governista para cargos no executivo federal torna-se uma forma de arrecadação de recursos de campanha para os partidos. Ao mesmo tempo, as emendas de bancada, especialmente as coletivas, são frequentemente pensadas como forma de arrecadar recursos para os partidos.

Essa é uma das origens importantes dos escândalos recentes, que, diferentemente do que lemos na grande imprensa, afetam todos os partidos que fazem parte das coalizões de governo desde 1994.

Portanto, sem rever profundamente o sistema de financiamento dos partidos não é possível extinguir este processo. Ao mesmo tempo, é urgente rever o esquema de emendas parlamentares que se tornou um tremendo desperdício de recursos públicos.

Seria mais interessante que este processo de emendas tivesse origem na sociedade civil e estivesse a cargo, por exemplo, da comissão de legislação participativa do Congresso, para que tivéssemos a certeza que estas emendas atendem, de fato, aos interesses da sociedade mais ampla.

Há um segundo elemento que é importante ter em mente que é o sistema de controle da corrupção no Brasil e sua relação com o poder Judiciário. O Brasil passou a ter depois de 1988 um sistema relativamente bem estruturado de controle da corrupção.

Essa estruturação iniciou-se com a nova lei orgânica dos tribunais de conta de 1992, que deu a estes prerrogativas novas, tais como a paralisação de obras. O Brasil também criou a CGU em 2001 e, a partir de 2003 o governo federal iniciou as chamadas “operações da Polícia Federal” contra a corrupção.

Todas estas iniciativas são extremamente importantes e têm sido exitosas, em particular as operações da polícia federal. Sabe-se mais sobre a corrupção hoje e mais casos decorrupção foram descobertos recentemente do que em governos anteriores.

No entanto, este fenômeno pode dar margem a interpretações erradas, como a ideia frequentemente veiculada pela grande imprensa de que jamais houve tanta corrupção no Brasil.

Ainda que seja difícil dizer com algum embasamento científico se tal fato é verdadeiro, já que a corrupção é um ato secreto feito por indivíduos que não estão dispostos a divulgar os seus feitos, o mais provável é que estamos descobrindo casos de corrupção existentes há muito tempo e não novos casos. Pesquisas do CRIP em 2008 e 2009 mostram que essa é a visão da opinião pública brasileira a respeito da corrupção.

Então o problema talvez esteja menos ligado àquilo que se tem sido chamado de “faxina”, mas a outro problema que é a impunidade, especialmente quando os casos mais importantes chegam ao poder Judiciário.

Se partirmos do pressuposto de que está em curso uma atuação dos órgãos de controle da corrupção no sentido da coibição do fenômeno através de um conjunto de atividades dos TCU’s, da CGU e da Polícia Federal, a pergunta correta que se deve fazer é por que o risco de ser corrupto no Brasil não aumentou.

A resposta se assenta na lentidão do poder Judiciário. Como sabemos, o Judiciário brasileiro possui quatro instâncias e opera com a presunção da inocência, interpretada de forma positivista e ultrapassada. Assim, a certeza da culpabilidade só pode ser feita no flagrante, o que ocorre muito raramente em crimes de corrupção ou do colarinho branco.

Eles não são visíveis da mesma forma que um roubo no qual há o flagrante. Assim, a nossa presunção da inocência baseada no positivismo do século XIX acaba associada a uma concepção absurda de transitado em julgado que garante a tranquilidade dos corruptos e dos corruptores (categoria, aliás, inexistente no vocabulário da grande imprensa no país).

O problema do nosso transitado em julgado é que as condenações de primeira e segunda instâncias – e frequentemente as de terceira instância – são absolutamente inócuas. Somente com uma mudança deste rito será possível aumentar o custo da corrupção e, assim, diminuir a sua incidência.

Chegamos, portanto, ao nó do nosso problema. Não só a questão da corrupção não está ligada àquilo que está sendo denominada de “faxina”, como essa faxina será absolutamente inócua a não ser na sua capacidade de desorganizar o governo.

É necessário começar a discutir seriamente no Brasil duas questões: reforma política – em especial, reforma no financiamento de campanha – e reforma no sistema de punição dos delitos – em particular dos delitos políticos.

O futuro do combate à corrupção no Brasil se assenta no destino de duas reformas ainda não plenamente implantadas no Brasil, a ficha limpa e a emenda Peluzzo. Ambas as iniciativas têm capacidade de fazer o que a “faxina” não tem: aumentar o custo de ser corrupto no Brasil criando riscos reais para as carreiras políticas e para o patrimônio dos políticos.

Se nos contentarmos com a “faxina” seletiva proposta pela grande imprensa, corremos o risco de simplesmente mudarmos as pessoas de lugar sem nenhuma consequência real.

Aliás, uma pergunta que cabe a fazer à grande imprensa e que não quer se calar: por que é que nenhum dos órgãos da grande imprensa brasileira publica matérias sobre os casos que derrubaram os quatro ministros do governo Dilma no dia seguinte após a sua demissão? Será por que os objetivos ocultos da “faxina” já foram alcançados?

 

Fonte: Carta Capital

Por Leonardo Avritzer

O grupo de intelectuais que se reúne em torno do CRIP tem uma preocupação de longo prazo com a corrupção e seu impacto no sistema político brasileiro. Em nossas pesquisas, identificamos que a população brasileira considera a corrupção um grave problema, dos mais graves enfrentados pelo país.

Mas a ideia de que a corrupção no Brasil é causada pela presença de um ou de outro mau político ou administrador no governo e que a sua retirada ou a retirada de todos eles deixaria o país livre da corrupção, constitui uma ideia completamente equivocada.

Sendo assim, a ideia de que o que o país necessita é uma “faxina”, tal como temos lido todos os dias na grande imprensa nas últimas semanas, é uma ideia completamente equivocada por dois motivos: porque é evidente que sem corrigir alguns processos na organização do estado e do sistema político, a corrupção voltará a estar presente nestes mesmos lugares; segundo porque a seletividade desta “faxina” pautada por alguns órgãos da grande imprensa irá desestruturar o governo e sua base de sustentação sem gerar um governo ou um estado menos corrupto.

A corrupção no Brasil tem duas causas fundamentais e sem identificá-las não é possível combatê-la. A primeira destas causas é o sistema de financiamento de campanhas políticas. O Brasil tem um sistema de campanha absolutamente inadequado, no qual os recursos públicos alocados aos partidos são absolutamente insuficientes.
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A grande mídia e a corrupção do espaço público

O problema do financiamento do sistema político acaba sendo resolvido nas negociações para a sustentação do governo no Congresso. As coalizões de governo são fundamentais para assegurar a maioria do Executivo no Congresso, já que, desde a eleição de 1989, o partido do presidente não alcança mais do que 20% dos votos para o congresso.

Mas o problema é que estas coalizões se tornaram um sistema de troca no qual a indicação de políticos da base governista para cargos no executivo federal torna-se uma forma de arrecadação de recursos de campanha para os partidos. Ao mesmo tempo, as emendas de bancada, especialmente as coletivas, são frequentemente pensadas como forma de arrecadar recursos para os partidos.

Essa é uma das origens importantes dos escândalos recentes, que, diferentemente do que lemos na grande imprensa, afetam todos os partidos que fazem parte das coalizões de governo desde 1994.

Portanto, sem rever profundamente o sistema de financiamento dos partidos não é possível extinguir este processo. Ao mesmo tempo, é urgente rever o esquema de emendas parlamentares que se tornou um tremendo desperdício de recursos públicos.

Seria mais interessante que este processo de emendas tivesse origem na sociedade civil e estivesse a cargo, por exemplo, da comissão de legislação participativa do Congresso, para que tivéssemos a certeza que estas emendas atendem, de fato, aos interesses da sociedade mais ampla.

Há um segundo elemento que é importante ter em mente que é o sistema de controle da corrupção no Brasil e sua relação com o poder Judiciário. O Brasil passou a ter depois de 1988 um sistema relativamente bem estruturado de controle da corrupção.

Essa estruturação iniciou-se com a nova lei orgânica dos tribunais de conta de 1992, que deu a estes prerrogativas novas, tais como a paralisação de obras. O Brasil também criou a CGU em 2001 e, a partir de 2003 o governo federal iniciou as chamadas “operações da Polícia Federal” contra a corrupção.

Todas estas iniciativas são extremamente importantes e têm sido exitosas, em particular as operações da polícia federal. Sabe-se mais sobre a corrupção hoje e mais casos decorrupção foram descobertos recentemente do que em governos anteriores.

No entanto, este fenômeno pode dar margem a interpretações erradas, como a ideia frequentemente veiculada pela grande imprensa de que jamais houve tanta corrupção no Brasil.

Ainda que seja difícil dizer com algum embasamento científico se tal fato é verdadeiro, já que a corrupção é um ato secreto feito por indivíduos que não estão dispostos a divulgar os seus feitos, o mais provável é que estamos descobrindo casos de corrupção existentes há muito tempo e não novos casos. Pesquisas do CRIP em 2008 e 2009 mostram que essa é a visão da opinião pública brasileira a respeito da corrupção.

Então o problema talvez esteja menos ligado àquilo que se tem sido chamado de “faxina”, mas a outro problema que é a impunidade, especialmente quando os casos mais importantes chegam ao poder Judiciário.

Se partirmos do pressuposto de que está em curso uma atuação dos órgãos de controle da corrupção no sentido da coibição do fenômeno através de um conjunto de atividades dos TCU’s, da CGU e da Polícia Federal, a pergunta correta que se deve fazer é por que o risco de ser corrupto no Brasil não aumentou.

A resposta se assenta na lentidão do poder Judiciário. Como sabemos, o Judiciário brasileiro possui quatro instâncias e opera com a presunção da inocência, interpretada de forma positivista e ultrapassada. Assim, a certeza da culpabilidade só pode ser feita no flagrante, o que ocorre muito raramente em crimes de corrupção ou do colarinho branco.

Eles não são visíveis da mesma forma que um roubo no qual há o flagrante. Assim, a nossa presunção da inocência baseada no positivismo do século XIX acaba associada a uma concepção absurda de transitado em julgado que garante a tranquilidade dos corruptos e dos corruptores (categoria, aliás, inexistente no vocabulário da grande imprensa no país).

O problema do nosso transitado em julgado é que as condenações de primeira e segunda instâncias – e frequentemente as de terceira instância – são absolutamente inócuas. Somente com uma mudança deste rito será possível aumentar o custo da corrupção e, assim, diminuir a sua incidência.

Chegamos, portanto, ao nó do nosso problema. Não só a questão da corrupção não está ligada àquilo que está sendo denominada de “faxina”, como essa faxina será absolutamente inócua a não ser na sua capacidade de desorganizar o governo.

É necessário começar a discutir seriamente no Brasil duas questões: reforma política – em especial, reforma no financiamento de campanha – e reforma no sistema de punição dos delitos – em particular dos delitos políticos.

O futuro do combate à corrupção no Brasil se assenta no destino de duas reformas ainda não plenamente implantadas no Brasil, a ficha limpa e a emenda Peluzzo. Ambas as iniciativas têm capacidade de fazer o que a “faxina” não tem: aumentar o custo de ser corrupto no Brasil criando riscos reais para as carreiras políticas e para o patrimônio dos políticos.

Se nos contentarmos com a “faxina” seletiva proposta pela grande imprensa, corremos o risco de simplesmente mudarmos as pessoas de lugar sem nenhuma consequência real.

Aliás, uma pergunta que cabe a fazer à grande imprensa e que não quer se calar: por que é que nenhum dos órgãos da grande imprensa brasileira publica matérias sobre os casos que derrubaram os quatro ministros do governo Dilma no dia seguinte após a sua demissão? Será por que os objetivos ocultos da “faxina” já foram alcançados?

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