Os limites de um agente político – entrevista Fábio Konder Comparato

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“Quem acha insuficiente a remuneração pelo exercício de função política não deve pleiteá-la. Não deve se eleger deputado federal, como fez Antonio Palocci”, afirmou o jurista Fábio Konder Comparato, em recente artigo.

 

Separar o público do privado. Essa talvez seja uma das principais lições a serem aprendidas após todo o escândalo envolvendo o notável enriquecimento do agora ex-ministro da Casa Civil, que elevou o seu patrimônio em 20 vezes em apenas quatro anos como “consultor de empresas”. De 2006 a 2010, seu patrimônio passou de R$ 375 mil para R$ 7,5 milhões.

O fato adensou mais o debate pela necessidade de uma reforma política; para que os agentes políticos tenham claro o que podem e o que não podem fazer.

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Fábio Konder Comparato defende que o desempenho das funções de agente político é incompatível com o exercício de qualquer outra atividade, pública ou privada, remunerada ou não. “No caso de Palocci – e de mais cinco outros ministros! –, a empresa de consultoria foi criada quando ele era deputado federal, para exercer atividade lucrativa em nome e por conta dele. O seu caráter vago e indefinido (consultoria do quê?) levanta toda sorte de suspeitas”, pondera o jurista.

Comparato vai mais a fundo e aponta para a urgência, à primeira vista óbvia, mas muito pouco discutida no Congresso Nacional e mesmo entre membros da sociedade civil: “dar ao povo uma soberania autêntica, e não apenas retórica, como a que existe atualmente”.

Ao questionar o hermetismo de instituições como o legislativo, o executivo e o judiciário, Comparato destaca a necessidade de existir, de fato, consultas públicas e referendos quando forem tomadas decisões estratégicas ao país. “O povo é soberano quando tem o poder de referendar toda e qualquer emenda constitucional ou lei votada pelo Congresso; quando tem o poder de destituir todo e qualquer agente político eleito,” destaca. Tais parâmetros de soberania, entretanto, apenas figuram no horizonte.

Brasil de Fato – Alguns especialistas dizem que casos como o do rápido enriquecimento de Antônio Palocci refletem, em grande parte, equívocos do sistema político brasileiro. Você acredita que uma reforma política resolveria esse tipo de problema?

Fábio Konder Comparato – É preciso não esquecer que a Constituição Federal de 1988 foi elaborada e aprovada pelo Congresso Nacional, sem referendo popular, e já foi emendada (ou remendada) nada menos do que 73 vezes, sem que o povo fosse ouvido. Obviamente, os parlamentares a redigiram inicialmente, e continuam a remendá-la, pensando, sobretudo, em seus interesses e benefícios pessoais.

Não obstante, o intérprete da Constituição não pode deixar de considerar os princípios fundamentais que a informam, e que não podem ser abolidos por voto parlamentar. Entre eles, o princípio republicano de que os membros do Poder Legislativo, como os dos demais Poderes, devem atuar exclusivamente em prol do bem comum do povo.

Por isso mesmo, o desempenho das funções de agente político é incompatível com o exercício de qualquer outra atividade, pública ou privada, remunerada ou não. A Constituição, em seu artigo 54, somente prevê a incompatibilidade com uma ou outra atividade, quando ela se exerce dentro ou em relação com empresa concessionária de serviço público, ou pessoa jurídica de direito público. Mas essa regra específica é, tão só, uma das aplicações possíveis do princípio republicano e não esgota evidentemente o seu âmbito de abrangência. Permito-me apenas lembrar que, pelo parágrafo 1º do artigo 55 da Constituição, “é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.

No caso de Palocci – e de mais cinco outros ministros! –, a empresa de consultoria foi criada quando ele era deputado federal, para exercer atividade lucrativa em nome e por conta dele. O seu caráter vago e indefinido (consultoria de quê?) levanta toda sorte de suspeitas.

Segundo divulgado pelos meios de comunicação de massa, a partir de julho de 2010 a tal empresa de consultoria passou a ser administrada pelo amigo do peito de Palocci, Celso dos Santos Fonseca. Ao que parece, este soube conduzi-la melhor do que o então deputado federal, pois no segundo semestre do ano passado a empresa faturou pelo menos R$10 milhões, o que propiciou a compra por Palocci do famoso apartamento de R$ 6,6 milhões em São Paulo.

 

Em que medida é possível julgar Antônio Palocci sob o ponto de vista moral?

Quanto à questão do julgamento moral de Antonio Palocci, limito-me a lembrar que a sua conduta pública vem sendo questionada desde os tempos de Ribeirão Preto. Será correta a maledicência dos italianos, quando dizem que “o lobo perde o pelo, mas não perde o vício”?

 

O financiamento público de campanhas eleitorais, por exemplo, afastaria os interesses de grandes empresas privadas brasileiras de fi guras com cargos tão importantes, como o de Palocci?

Desvios de conduta de agentes políticos – tradicionais no Brasil – não se eliminam com reformas políticas de superfície. Refiro-me, sobretudo, a reformas do sistema eleitoral e dos partidos políticos. O urgente e absolutamente necessário é outra coisa. É dar ao povo uma soberania autêntica, e não apenas retórica, como a que existe atualmente.

 

Como isso se daria?

O povo é soberano quando tem o poder de referendar toda e qualquer emenda constitucional ou lei votada pelo Congresso; quando tem o poder de destituir todo e qualquer agente político eleito; quando deve decidir em plebiscito toda e qualquer alienação ou transformação de bem público, notadamente empresas estatais e reservas florestais, pois os bens públicos pertencem ao povo e não ao Estado; quando deve aprovar previamente toda e qualquer concessão de serviço público a empresas privadas, pois serviço público é serviço ao povo, sendo ele, portanto, incompatível com o exercício de atividade lucrativa; quando aprova os planos de desenvolvimento e as leis de diretrizes orçamentárias em todas as unidades da federação; quando pode responsabilizar, civil e penalmente, mediante ação popular, todo e qualquer agente público, inclusive membro do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Pessoalmente, iniciei uma campanha nesse sentido, quando atuava no conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Cito apenas algumas proposições: a de desbloqueio de plebiscitos e referendos, e facilitação da iniciativa popular legislativa (Projetos de Lei nº 4.718/2004 da Câmara dos Deputados e nº 01/2006 do Senado Federal); a de introdução do recall (Proposta de Emenda Constitucional nº 73/2005 do Senado Federal).

Brasil de Fato – edição 433 – de 16 a 22 de junho de 2011

Eduardo Sales de Lima

da Redação

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