Só uma reforma política será capaz de favorecer um novo comportamento republicano

* MARILZA DE MELO FOUCHER

A reforma do sistema político foi uma das promessas de campanha da presidente Dilma Rousseff. O assunto voltou para a pauta de discussão depois de sua intervenção sobre os pactos firmados em consequência das diferentes manifestações de junho/julho. Hoje a presidente se diz defensora da reforma política com participação popular.

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Mobilização Nacional Indigena

Querido/as.
A Constituição Federal completa 25 anos no próximo dia 05 de outubro – quando eu, por força dessas coincidências do devir, inteiro 48 anos. Uma Constituição construída não pela “intenção do legislador” – como dissimula o juridiquês; mas pela resistência e luta dos que pelejaram pela democratização do país, em especial das associações, dos sindicatos, dos movimentos sociais e populares. Uma Constituição que, à época, o PT não assinou, por considerar – como muitos de nós – que ela poderia ter sido ainda mais ousada, mais avançada e mais cidadã, incorporando as propostas oriundas das ruas, das emendas populares – como a figura de desapropriação por interesse social, pedra de toque do que poderia ter sido uma reforma agrária. Vinte e cinco anos são uma geração. Tempo suficiente para todos nós termos amadurecido e reconhecermos, hoje, o significado e as repercussões da nossa lei maior para a consolidação de muitos direitos (humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais) nos marcos regulatórios infraconstitucionais, que estão na base de muitas conquistas atuais.
É assim que na semana de 30 de setembro a 05 de outubro próximo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) está convocando uma mobilização nacional em defesa da Constituição Federal (verhttp://mobilizacaonacionalindigena.wordpress.com/2013/08/26/12/) contra o mais organizado e sistemático ataque que ela está sofrendo desde a sua promulgação há 25 anos atrás. Um ataque articulado por poderosíssimos grupos econômicos contra os direitos constitucionais de grupos vulneráveis e subalternos: os povos indígenas, os quilombolas, outros povos e comunidades tradicionais; e, se pudermos dizer assim, contra os direitos da natureza, da própria biodiversidade. Um ataque articulado por representantes do agronegócio, do hidronegócio e das grandes corporações do setor de energia e mineração, que contam ora com o apoio explícito, ora com a omissão, ora com a conivência e/ou cumplicidade envergonhada do atual governo, e que visa desconstituir os territórios da diversidade no país para abri-los ao jogo dos seus interesses e à sua exploração. É um conjunto tão grande de medidas legislativas e executivas, que se eu começasse a enumerar estas aqui, demoraria alguns dias para listar todas e explicar os seus significados subjacentes e repercussões. Conto com a curiosidade e a inteligência de vocês para ir atrás das informações, a partir do que já consta no blog acima mencionado.
Assim sendo, não se enganem: a semana de mobilização nacional que está sendo convocada pela APIB não se destina a defender direitos de segmentos específicos da sociedade, como se tratasse uma luta parcial, paroquial e corporativa. O que está em jogo é um processo de mudança no nosso marco regulatório maior articulado à mudança de outros “códigos” – algumas já dadas como concluídas (como os casos dos Códigos Civil e Florestal) e outras ainda em curso (como o caso do novo Código de Mineração) – que visa transformar de modo substantivo o substrato do país em que vivemos. Por conseguinte, na primeira semana de outubro, nas mobilizações de indígenas, quilombolas e outras pela manutenção de seus direitos constitucionais, uma concepção de país estará em jogo.
O poder hegemônico aposta em um país composto como uma colcha empobrecida de meia dúzia de retalhos mais ou menos homogêneos (pastos ineficientes e/ou degradados, desertos verdes de eucalipto e soja, lagos de hidrelétricas, montanhas reviradas em minas a céu aberto, lagos de decantação de rejeitos minerais e petrolíferos), costurados por uma rede de eixos de integração (dutos inseguros de diferentes tipos, estradas mal pavimentadas, hidrovias em rios assoreados), desenhando um futuro ancorado em uma economia primarizada e no extrativismo industrial de baixo input tecnológico (exploração intensiva dos recursos naturais e extensiva da terra), e dependente de uma legislação flexível que reduza seus custos de transação. Esse cenário é o deserto do real, no qual temos muito pouco a aprender e compartilhar; apenas a mimetizar e a reproduzir como ventríloquos autômatos. Economia perdulária e da escassez.
Por sua vez, os “grupos participantes do processo civilizatório nacional” (assim a Constituição os definiu em seu Art. 215), em sua grande maioria subalternos, vulneráveis e em situação de risco direto – por viverem nos sítios em que se materializam tais grandes empreendimentos – nos convidam a pensar um país cujo vigor se baseia na riqueza dos seus territórios de diversidade. Diversidade esta que se expressa em ecossistemas vitais, em múltiplas expressões culturais, em distintos regimes de conhecimento, em tecnologias resilientes e austeras, em variadas histórias de formação, de adaptação aos seus nichos e de identificação com seus territórios existenciais. Nesse cenário se descortina um universo de possibilidades, de aprendizados e de trocas, nos quais há vozes a serem ouvidas, desejos a serem partilhados, novas subjetividades a serem construídas – enfim, uma civilização a se reinventar. Economia da suficiência e da abundância.
É isso o que já está em jogo e estará em evidência na primeira semana de outubro, como parte das “comemorações” dos 25 anos da Constituição. Não se pode deixar que este jogo seja jogado segundo as regras do maquiavelismo raso e de realpolitik ordinária, que já tomam conta do nosso cenário político a um ano das eleições majoritárias. Deixar que isso ocorra, resignar-se ao status quo, é aceitar que os direitos desses grupos sejam imolados como moeda de barganha nas negociações rasteiras já em andamento para a manutenção dos diferentes projetos de poder – que não se confundem com projetos de país. Deixar de aderir à mobilização e abdicar de se manifestar em apoio a esses grupos na primeira semana de outubro (e além) é rebaixar-se a cúmplice da negociação de direitos humanos fundamentais entre atores que já têm tudo, mas para os quais nada basta. Como já antecipava Epicuro, “nada é suficiente para quem o suficiente é pouco”; por isso esses setores estão, agora, almejando os territórios da diversidade.
Estou certo de que nenhum/a de vocês quer isso e encontrarão o caminho para manifestar seu apoio e sua solidariedade àquela que promete ser uma das lutas mais relevantes que travaremos nas próximas décadas nesse país – pois ela não começou agora e nem se encerrará em outubro próximo.
Adriana Ramos
Instituto Socioambiental (ISA)

Nota para o/as amigo/as que não trabalham com povos indígenas e nem são antropólogo/as

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