O “compromisso antiracista” de órgãos e instituições não pode se limitar à utilização de mulheres e homens negros como vitrine de suas estratégias de marketing
Nós, organizações e movimentos que subscrevemos essa carta, vimos a público declarar apoio à Maria Sylvia de Oliveira e aos advogados e advogadas negras que integram a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de São Paulo.
Maria Sylvia de Oliveira, por exemplo, vem enfrentando um contexto de insultos e desqualificação da sua trajetória enquanto advogada negra, militante e ativista do movimento de mulheres negras e de luta contra o racismo, no âmbito da disputa eleitoral para a gestão da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil.
A trajetória militante e profissional de Maria Sylvia fala por si. Contudo, queremos registrar a admiração e o respeito pelo papel que Maria Sylvia desempenha e o impacto do seu trabalho para a sociedade civil brasileira, especialmente na defesa dos direitos das mulheres negras, na luta pela igualdade racial e pelo combate ao racismo. No mesmo sentido, é com a advogada Maria Sylvia que a sociedade civil brasileira tem encontrado estratégias para enfrentar casos de violência e discriminação racial. Um trabalho que, junto de colegas de Geledés Instituto da Mulher Negra, ela tem desenvolvido no Brasil de forma precursora.
Os fatos que fundamentam esta carta de apoio não são só sobre as histórias individuais de mulheres e homens negros, mas são também sobre instituições e organizações. Mais do que isso, os fatos que vimos repudiar com essa carta dizem respeito à ação dentro de instituições e órgãos em que a promoção da justiça figura como responsabilidade primeira, e não aceitamos que se transforme em mero discurso. A denúncia que esta situação traz é sobre o futuro das instituições, órgãos e organizações da área da justiça e sobre como pretendem se conduzir perante o racismo.
O “compromisso antiracista” de órgãos e associações profissionais não pode se limitar à utilização de mulheres e homens negros como vitrine das suas ações. Trata-se de um compromisso político que deve gerar responsabilidade e mudanças estruturais: com a apuração de denúncias, com a extinção de posturas historicamente racistas, com a promoção de mudanças organizacionais profundas e com a adoção de programas de ações concretas. Nesse âmbito, as reflexões e construções do movimento negro não devem ser apenas ouvidas, mas respeitadas, implementadas e protagonizadas pelo próprio movimento. Uma série de encargos e compromissos que devem ser publicamente assumidos e devem contar com financiamento, meios para monitoramento e controle das ações por parte da sociedade. Caso contrário são intenções que não passam de uma promessa vazia e estratégia de marketing. Uma promessa que, ao se esvaziar, gerará como consequência um jogo de desculpas e responsabilização individual, que recairá inevitavelmente sobre os ombros de profissionais negras e negros.
É necessário que as gestões de órgãos profissionais da justiça e as próprias instituições do sistema de justiça ultrapassem a fase em que vêem o anti-racismo como uma oportunidade renovada de fazer política com os mesmos meios e pelas velhas práticas e instrumentos de subordinação, mantendo, nesses espaços, as mesmas estruturas racistas operando.
Subscrevem esta carta:
Abong – Associação Brasileira de ONGs
Associação nacional criada com o objetivo de fortalecer as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) brasileira que trabalham na defesa e promoção dos direitos e bens comuns.
Articulação Justiça e Direitos Humanos – Jusdh
Rede nacional composta por 23 entidades e organizações de assessoria jurídica e movimentos sociais que lidam com ações judiciais em diversos temas de direitos humanos.
Plataforma Dhesca Brasil
Rede formada por 45 organizações e articulações da sociedade civil, que tem como objetivos desenvolver ações de promoção e defesa dos direitos humanos e incidir em prol da reparação de violações.
Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma do Sistema Político**
Articulação de mais de 120 movimentos, organizações e coletivos que tem como objetivo debater e propor mudanças no sistema político brasileiro que inclui a democratização do sistema de justiça