Seis meses depois, pesquisadores (e o TSE) ainda tentam entender o spam político no WhatsApp

Beatriz Jucá

Seis meses depois da eleição presidencial brasileira que se tornou um marco do spam político distribuído pelo WhatsApp no país, pesquisadores brasileiros debruçados sobre o fenômeno ainda encontram um cenário nebuloso. Há uma grande dificuldade de criar métodos tanto para produzir dados estatísticos quanto para compreender as táticas e os impactos dos disparos em massa nas urnas — já que as mensagens são criptografadas, ou seja, protegidas. O InternetLab, um centro independente de pesquisa que atua nas áreas de direito e tecnologia, finalizou recentemente uma pesquisa que busca lançar luzes sobre o tema, avançando na identificação dos pontos que precisam ser melhor estudados para começar a produzir respostas — e propostas para aprimorar a legislação eleitoral.

Sem pretensão de apresentar dados estatísticos sobre o que aconteceu no Brasil em 2018, o estudo conclui que o fenômeno vai além do bolsonarismo e usa de táticas heterogêneas para alavancar candidaturas de vários partidos aos mais diversos cargos. Alerta, ainda, sobre as falhas da legislação brasileira para garantir transparência sobre os disparos em massa na declaração das contas de campanha. E segue com uma série perguntas. Como regular a propaganda eleitoral nas redes sociais? As direções das campanhas conseguem ter controle sobre os disparos em massa? A legislação brasileira garante transparência sobre o uso desses serviços?

O assunto ainda é novo, e a dificuldade de compreender o fenômeno também permeia a Justiça Eleitoral, que promoverá no próximos dias 16 e 17 de maio um seminário para discutir a disseminação de notícias falsas durante a campanha eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abriu uma ação de investigação a pedido do PT, após reportagem da Folha de S. Paulo sobre a contratação de serviços para os disparos no WhatsApp por apoiadores do presidente Bolsonaro contra a candidatura de Fernando Haddad nas últimas eleições, mas não tem conseguido avançar.

No último mês, a Corte excluiu das investigações o dono de uma agência de comunicação considerado peça-chave para o processo por não conseguir localizá-lo. A justificativa foi de que insistir buscando-o poderia atrasar as apurações do caso. Até então, o TSE não havia ouvido ninguém sobre o assunto e não há prazo para terminar a ação. O EL PAÍS entrou em contato com a Corte para saber informações sobre os próximos passos da ação e se há previsão de ouvir testemunhas, mas não obteve resposta.

“É um desafio também para a Justiça Eleitoral entender o que está acontecendo [com estas novas ferramentas]. Ela consegue criar instrumentos para acompanhar isso? Sabia do envio dessas mensagens durante a campanha?”, questiona Francisco Carvalho de Brito Cruz, diretor do InternetLab. Ele explica que é muito difícil saber exatamente o que acontece na troca de mensagens em grupos que não são públicos, já que elas são protegidas. Por isso, é preciso ser criativo com as metodologias de pesquisa para buscar respostas. “Nós dependemos do que as pessoas reportam pra gente, e isso coloca limites nos estudos”, diz.

A mais recente pesquisa feita pelo InternetLab coletou 78 spams políticos — ou seja, mensagens disparadas em massa por remetentes desconhecidos — a partir de formulários digitais preenchidos voluntariamente por eleitores. O material recebido não representa um retrato estatístico do que aconteceu nas eleições de 2018 no Brasil, mas aponta várias características dos conteúdos: com linguagens variadas (vídeos, memes, texto e imagens), favoreceria a distintos partidos políticos e focava tanto nas eleições majoritárias quanto nas proporcionais. O fenômeno, que chamou atenção principalmente pela forte rede de distribuição de conteúdo criada em favor da candidatura de Bolsonaro, foi usado por muitos candidatos, a maioria deles com experiência na política.

Se por um lado foram analisadas mensagens que visavam exaltar candidatos aos poderes Legislativo e Executivo, por outro também haviam aquelas que não defendiam um candidato específico, como por exemplo as que alertavam para a importância de escolher bem senadores e deputados. Mas durante a campanha eleitoral, grupos também disseminavam notícias falsas e conteúdos para depreciar candidatos. Não há, ainda, como medir os impactos disso nos resultados das urnas.

Francisco Carvalho explica que o InternetLab não focou nos responsáveis pelo envio das mensagens, que pode ter sido feito tanto pelas próprias direções das campanhas dos candidatos como por redes de apoiadores independentes no ambiente virtual. A ideia, salienta, era tentar compreender as diferentes táticas e conteúdos usadas na disseminação dessas mensagens. Ainda assim, o estudo identificou que a maioria dos políticos envolvidos no conteúdo reportado pelos eleitores não declarou gastos com serviços de disparo em massa à Justiça Eleitoral ou os colocou sob denominações genéricas, como por exemplo “marketing digital” ou “impulsionamento de conteúdo”. A forma como esses serviços devem ser declarados, porém, não está explícita na lei eleitoral brasileira.

“A gente consegue transparência na hora que aperfeiçoa mecanismos de declaração de gastos”, defende Carvalho. Ele compara que, na propaganda eleitoral feitas nas ruas, há uma série de regras que vão desde os tamanhos das placas que os candidatos podem expor até a proibição da doação de camisetas ou adesivos, mas pondera que criar regras como estas para a propaganda virtual exige um amplo debate prévio a partir do que acontece na prática. “Temos que aprofundar as conversas sobre as campanhas digitais, porque os gastos com marketing digital precisam ser detalhados na declaração dos candidatos. Cada eleição é uma eleição, e a gente pode atualizar as resoluções”, afirma, ressaltando que antes é preciso compreender o fenômeno.

Não se trata apenas de combater a disseminação das notícias falsas, mas de regular como os candidatos fazem suas campanhas no ambiente digital. Os caminhos para isso não são fáceis e podem esbarrar no debate da liberdade de expressão. “Se for só pelo caminho de o que é fake news, já abre um grande espaço para a subjetividade”, pondera Carvalho. Ele cita como exemplo a polêmica que paira sobre o recente inquérito instaurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar notícias falsas contra a Corte ou os membros dela. “O que é fake news e o que é crítica? Talvez uma chave que a gente possa virar, e o estudo mostra isso, é a importância da proteção de dados pessoais”, defende o diretor do InternetLab.

Ele cita a Lei Geral de Proteção de Dados, em vigor desde o ano passado, que determina a necessidade do consentimento das pessoas para entrarem em listas de transmissão de conteúdo. Para ele, um passo importante seria o TSE incorporar nas suas resoluções eleitorais regras semelhantes de proteção de dados com mais especificidades. O estudo do centro de pesquisa aponta que as mensagens reportadas pelos usuários foram recebidas em grupos de WhatsApp ou de remetentes sem sua autorização prévia. “Será que não é hora de colocar regras de proteção de dados nestas resoluções e conseguir proteger os dados dos eleitores usados pelos agentes de campanha?”, questiona, destacando que não há ainda como identificar se de fato essas mensagens são transmitidas pelas equipes dos candidatos.

Carvalho diz que a hipótese de existir redes de apoiadores sem contato com os agentes de campanha também é plausível. “É nebuloso, é difícil de saber quem fez. No debate da regulação das campanhas, também tem que se considerar que a Internet empoderou as pessoas e em canais e formatos pouco centralizados. Ficou mais difícil de controlar a torcida, e a torcida entrou no campo. Precisamos criar instrumentos. E aí o que acho que o estudo provoca é: vamos tentar pensar sobre isso e propor possíveis regras”, defende.

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