O presidente Jair Bolsonaro faz uso do poder para tentar intimidar profissionais e veículos de imprensa, segundo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em nota conjunta (veja a íntegra mais abaixo) divulgada nesta segunda-feira (11), as duas entidades afirmam que o presidente não tem compromisso com a veracidade dos fatos. O comunicado é uma resposta à publicação compartilhada ontem à noite pelo presidente em que se atribui a uma repórter do jornal O Estado de S. Paulo a declaração de que ela estava trabalhando para “arruinar” o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), seu filho, e o governo.
Para a Abraiji e a OAB, Bolsonaro fez “um novo ataque público à imprensa” e assumiu uma postura “incompatível com o discurso de defesa da liberdade de expressão”. “Quando um governante mobiliza parte significativa da população para agredir jornalistas e veículos, abala um dos pilares da democracia, a existência de uma imprensa livre e crítica”, apontam as organizações.
De acordo com o texto, apoiadores de Bolsonaro querem “alimentar a narrativa governista de que a imprensa mente quando se refere às investigações sobre as movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz”. A conta de Flávio Bolsonaro passaram a ser monitoradas pelo Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) após movimentações que somaram R$ 1,2 milhão entre 2016 e 2017, valor incompatível com os rendimentos dele como assessor da Assembleia Legislativa do Rio.
A declaração reproduzida pelo presidente foi atribuída pelo site Terça Livre, que reúne colunistas conservadores e apoiadores de Bolsonaro, à repórter Constança Rezende, da sucursal do Estadão no Rio. “Constança Rezende, do ‘O Estado de SP’ diz querer arruinar a vida de Flávio Bolsonaro e buscar o Impeachment do Presidente Jair Bolsonaro. Ela é filha de Chico Otavio, profissional do ‘O Globo’. Querem derrubar o governo, com chantagens, desinformações e vazamentos”, escreveu Bolsonaro. A publicação também traz uma foto da jovem jornalista.
A manifestação do presidente gerou reações negativas à esquerda e à direita. “O tweet do presidente Bolsonaro sobre a jornalista do Estadão tenta deixar de lado o que importa: o esclarecimento dele e do senador Flávio sobre o caso Queiroz”, criticou João Amoêdo, ex-candidato a presidente pelo Novo. Para o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Bolsonaro cometeu o “ataque mais vil contra a liberdade de expressão por parte de um presidente da República que se tem notícia”.
“Minha solidariedade à jornalista @ConstancaReznde, ao @Estadao e a todos os profissionais de Imprensa, que, ainda que de modo reflexo, foram alvo da vileza e incitação ao linchamento moral por parte do próprio Presidente da República, que deveria zelar pela liberdade de expressão”, posicionou-se o senador. “Solidariedade aos jornalistas Constança Resende e Chico Otávio e a todos aqueles que são vítimas das fake news e dos ataques dessa família miliciana”, disse a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).
O diálogo gravado, porém, mostra que Constança em momento algum fala em “intenção” de arruinar o governo ou o presidente. Ela diz apenas que “o caso pode comprometer” e “está arruinando Bolsonaro”.
Segundo o Estadão, Constança não deu entrevista ao jornalista francês citado pelo Terça Livre nem dialogou com ele. Suas frases foram retiradas de uma conversa que ela teve em 23 de janeiro com uma pessoa que se apresentou como Alex MacAllister, suposto estudante interessado em fazer um estudo comparativo entre Donald Trump e Jair Bolsonaro.
O site brasileiro também atribuiu erroneamente à repórter a publicação da primeira reportagem sobre as investigações do Coaf a respeito da movimentação de R$ 1,2 milhão nas contas de Queiroz. O autor da primeira reportagem foi Fabio Serapião, também do Estadão.
Leia a nota na íntegra:
“Na noite de domingo, o presidente Jair Bolsonaro fez um novo ataque público à imprensa, desta vez valendo-se de informações falsas. Isso mostra não apenas descompromisso com a veracidade dos fatos, o que em si já seria grave, mas também o uso de sua posição de poder para tentar intimidar veículos de mídia e jornalistas, uma atitude incompatível com seu discurso de defesa da liberdade de expressão. Quando um governante mobiliza parte significativa da população para agredir jornalistas e veículos, abala um dos pilares da democracia, a existência de uma imprensa livre e crítica.
A onda de ataques no domingo começou antes da manifestação do presidente. Grupos que apoiam Bolsonaro difundiram e amplificaram nas redes sociais declarações distorcidas da repórter Constança Rezende, de O Estado de S.Paulo, para alimentar a narrativa governista de que a imprensa mente quando se refere às investigações sobre as movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, ex-motorista do senador Flávio Bolsonaro. Como é comum nesse tipo de ataque, a família de Constança também virou alvo. O grave nesse episódio é que o próprio presidente instigou esse comportamento, ao citar como indício de suposta conspiração que Constança é filha de um jornalista de O Globo.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se unem neste momento no repúdio a qualquer tentativa de intimidação de jornalistas. Profissionais atacados por fazer seu trabalho terão sempre nosso apoio.
Diretoria da Abraji
Felipe Santa Cruz – presidente do Conselho Federal da OAB
Pierpaolo Cruz Bottini – coordenador do Observatório de Liberdade de Imprensa do Conselho Federal da OAB”