Brenno Tardelli – Carta Capital
Passado quase dois meses do governo Bolsonaro, o seu ministro da justiça e ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro apresentou, sem maiores justificativas, o projeto de lei que chamou de pacote “anticrime”. Diversos juristas das mais variadas matizes têm destacado no site as inconstitucionalidades e, sobretudo, os perigos desse pacote para toda a população. A ampliação das hipóteses de legítima defesa da atividade policial, por exemplo, tem deixado muitos em alerta, visto o estímulo ao conflito em um país que já ostenta níveis calamitosos de segurança pública.
Vinda da tradição do direito internacional, tema de seu magistério na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Carol Promer aponta outra questão digna de nota: a carta branca para setores acusatórios em promover acordos com assemelhados estrangeiros, muitas vezes sem a devida transparência e controle pela legislação.
Carol ainda destaca a visão geral sobre o tal pacote, bem como a execução provisória da pena, tema sensível cujo julgados do Supremo Tribunal Federal nos últimos anos optou por ignorar a Constituição para promover um entendimento prejudicial a Lula, bem como a milhares de pessoas tratadas como dano colateral, como, ao final, afirma: a Lava Jato há de passar pelo escrutínio público.
De um modo geral, como vê o pacote “anti-crime” de Sérgio Moro?
O pacote Anticrime é a antítese de um projeto de segurança pública. Como reconheceu a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, é um projeto ultrapunitivista que não foi devidamente discutido pela sociedade.
Qualquer reflexão consequente a respeito do tema conclui que as propostas apresentadas, além de essencialmente inconstitucionais, trarão efeitos nefastos para os já gravíssimos problemas de criminalidade, letalidade e encarceramento no Brasil.
É unanime, entre os criminalistas mais reputados, que se trata de um projeto populista e que responde às máximas emocionais da campanha de Jair Bolsonaro, “bandido bom é bandido morto”, “soldado nosso não senta no banco dos réus”, coisas nessa linha.
Em entrevistas, o ex-magistrado disse que sua medida tem sido bem recebida. Já os analistas de mídias televisivas em geral tem elogiado a proposta.
Sim, é verdade, em parte se deve à propaganda da violência que tem flexibilizado outros consensos sociais, como o desarmamento, por exemplo.
Mas é importante entender que, em parte, esse apoio decorre de uma preocupação legítima, especialmente por parte de gestores públicos, a respeito da necessidade de combater a criminalidade. Esse foi o caso do acordo entre o governador do Ceará e o Ministério da Justiça para o emprego da Força Nacional de Segurança. Bom, isso explica, mas não significa que a solução para os problemas da criminalidade seja mais repressão e aprisionamento diante do já colapsado sistema prisional.
No pacote, há a previsão de autonomia plena ao MPF e Polícia Federal para firmar acordos investigativos a entidades assemelhadas estrangeiras. Quais os riscos e o significado disso na prática?
Saindo do âmbito do direito penal, há dispositivos que regulam condutas que vêm sendo adotadas sem a previsão legal, como é o caso da proposta do art. 3o da Lei 12.850/2013, conhecida como Lei das Organizações Criminosas. A proposta de Moro é atribuir ampla autonomia ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal na realização de acordos internacionais com entidades congêneres para combater os crimes transnacionais e o terrorismo.
Ora, esse dispositivo, a priori, esbarra na competência orgânica do Estado para a celebração de tratados internacionais gravosos ao patrimônio nacional. Não se trata de um acordo interuniversitário, quando reitores autorizam convênios de intercâmbio acadêmico com limites orçamentários próprios, mas acordos para combater crimes complexos, de delimitação abstrata e que, pelo volume de ativos, agentes, instituições, possuem grande potencial de gerar ônus para o Estado ou, nas palavras da Constituição, “compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.