Congresso Nacional, a renovação do atraso

Rodrigo Martins

Ferrenho opositor da ditadura, líder das Diretas Já e presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães deixou um inegável legado de luta pela democracia, mas uma de suas máximas parece assombrar os brasileiros como uma maldição: “Se está ruim esta legislatura, espere a próxima”.

Nunca fez tanto sentido. A partir de 2019, o Brasil terá um Congresso ainda mais fisiológico, reacionário e intelectualmente indigente. Em meio à onda bolsonarista que se alastrou pelo Centro-Sul do País na reta final da campanha, o até então inexpressivo PSL tornou-se a segunda maior bancada da Câmara, com 52 deputados, atrás apenas do PT.

Antes, o partido de Jair Bolsonaro dispunha de apenas oito cadeiras. A eleição também produziu a maior fragmentação partidária da história do Senado, que passará a abrigar 22 legendas.

Com 243 novos deputados, a Câmara teve um índice de renovação de 47%, o maior desde a eleição da Constituinte, em 1986. Pouco mais da metade dos que se candidataram à reeleição obtiveram êxito. Pelo caminho, restaram abatidos boa parte dos promotores do golpe.

Antonio Imbassahy, líder do PSDB à época do impeachment e ministro da Secretaria de Governo de Temer, tentou se reeleger pela terceira vez deputado federal pela Bahia, mas saiu derrotado. Os emedebistas Beto Mansur e Darcísio Perondi, líder e vice-líder do governo, respectivamente, também ficaram pelo caminho.

Ainda pelo MDB, Lúcio Vieira Lima, irmão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, preso após o escândalo do bunker com 51 milhões de reais em Salvador, e o ex-ministro do Esporte Leonardo Picciani perderam as suas cadeiras na Câmara.

De nada adiantaram as tentativas de se descolar da imagem de Temer, o ocupante do Palácio do Planalto mais rejeitado desde o fim da ditadura. Dos 18 ex-ministros que se candidataram nas eleições deste ano, apenas seis conseguiram se eleger para deputado e um ainda disputa o segundo turno para o governo estadual. Nenhum conquistou vaga no Senado.

Em compensação, a onda bolsonarista permitiu a ascensão do ex-ator pornô Alexandre Frota, nome cogitado por Bolsonaro para assumir o Ministério da Cultura (depois ele anunciou a intenção de extinguir a pasta), o “príncipe” Luiz Philippe de Orleans e Bragança, descendente da família real que chegou a ser cotado como vice do presidenciável do PSL, e o general Sebastião Peternelli, vivandeira da ditadura que celebra todos os anos o golpe de 1964.

Esses “luminares” foram eleitos pelos paulistas. Na lista dos mais votados em São Paulo figuram ainda Eduardo Bolsonaro, filho do capitão, e o líder do MBL Kim Kataguiri, pelo DEM.

O súbito crescimento do partido de Bolsonaro transformou grandes legendas em siglas de médio porte. O MDB terá, a partir do ano que vem, 17 deputados a menos que a sua atual bancada. O PSDB, por sua vez, perdeu 20 cadeiras na Câmara.

Embora o DEM tenha eleito 8 deputados a mais do que em 2014, terá 14 parlamentares a menos do que tem hoje (vários migraram de outros partidos após o impeachment de Dilma).

“Houve uma renovação conservadora. Candidatos de partidos com forte discurso anticorrupção, contra a criminalidade e a favor da defesa de valores morais ‘tradicionais’ estiveram entre os mais bem votados nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, os três maiores colégios eleitorais”, observa o cientista político Oswaldo E.

Amaral, professor da Unicamp e diretor do Centro de Estudos e Opinião Pública da mesma instituição. “Antes, havia deputados organizados em diferentes siglas com essa agenda. Agora, eles contarão com uma poderosa estrutura partidária que tem esses temas como prioritários, e não acessórios.”

Não é tudo. A partir de 2019, só terão acesso ao fundo partidário as legendas que cumpriram, na eleição deste ano, o que determina a cláusula de desempenho prevista na Emenda Constitucional nº 97 – nove deputados de nove estados diferentes ou ao menos 1,5% dos votos válidos para a Câmara Federal, distribuídos em ao menos nove estados, com 1% em cada um deles.

Dessa forma, 14 siglas perderão o benefício, o que deve induzir a migração de parlamentares ou a fusão de partidos.

“Se conseguir incorporar pequenas siglas, a exemplo do Patriotas e do PRTB de Hamilton Mourão, que tem uma agenda muito parecida com a sua, o partido de Bolsonaro pode formar a maior bancada na Câmara, com acesso à maior fatia do fundo partidário”, acrescenta Amaral. “Favorecido pela distribuição de recursos, o PSL pode manter essa força no Congresso por um bom tempo.”

O PT também sofreu com a onda bolsonarista, a se alimentar do discurso anticorrupção dos procuradores da Lava Jato. Em 2014, o partido elegeu 69 deputados. Atualmente, mantém 61 cadeiras na Câmara. A partir de 2019, contará com 56 representantes.

Ainda é a maior bancada, mas o tamanho assemelha-se ao que a legenda tinha nos anos 1990, antes dos governos petistas.

A perda foi, porém, compensada pelo crescimento de outros partidos do chamado campo progressista. O PDT de Ciro Gomes, para citar um exemplo, tinha 19 deputados e passará a 28. O PSOL quase dobrou a sua bancada, de 6 para 10 representantes.

Após apoiar o impeachment de Dilma e buscar reparação no governo Temer, cerrando fileiras na oposição à esquerda, o PSB terá 32 votos na Câmara, 6 a mais do que tem hoje.

Assim como ocorreu com a Câmara, o Senado teve alta taxa de renovação, superior a 85% das vagas em disputa. Dos 32 senadores que disputaram a reeleição, só 8 conseguiram. Ao todo, 21 siglas estarão representadas na Casa Legislativa, a maior fragmentação da história.

O PSL de Bolsonaro, que não tinha nenhum assento, passará a ter 4, entre eles Flávio Bolsonaro, filho do presidenciável, e o ex-policial militar Major Olímpio. Pequenas legendas de direita ampliaram a sua participação, enquanto os partidos de esquerda encolheram, sobretudo em estados do Sul e Sudeste.

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A bancada progressista (PT, PDT, PSB e PCdoB) tinha 16 senadores e passará a 12. PSOL e PCdoB não conquistaram cadeira alguma. Favoritos nas pesquisas em São Paulo e Minas Gerais, os petistas Eduardo Suplicy e Dilma Rousseff sucumbiram à onda bolsonarista. O senador Lindbergh Farias não se reelegeu no Rio de Janeiro.

O mesmo ocorreu com Roberto Requião, que liderava com folga a disputa pelo Senado no Paraná até o sábado 6. Professor Oriovisto, do Podemos, e Flavio Arns, da Rede, ficaram com as duas vagas do estado. Enredado em denúncias de corrupção, o ex-governador Beto Richa, do PSDB, amargou o sexto lugar, com 3% dos votos.

No Nordeste, as urnas também castigaram os promotores do golpe. O tucano Cássio Cunha Lima, duas vezes governador da Paraíba, não conseguiu se reeleger senador.

Em Pernambuco, dois ex-ministros de Temer, Mendonça Filho (DEM), que comandou a pasta da Educação, e Bruno Araújo (PSDB), ex-titular das Cidades, saíram derrotados. Cristovam Buarque (PPS), ex-governador do Distrito Federal historicamente ligado à esquerda, mas que não hesitou em unir-se aos golpistas para derrubar Dilma, também não conseguiu se reeleger.

Presidente do Senado no governo Temer, Eunício Oliveira perdeu a disputa no Ceará. As duas vagas ficaram com o ex-governador Cid Gomes (PDT), irmão de Ciro Gomes, e Eduardo Girão, do Pros.

Um dos poucos aliados de Bolsonaro a decepcionar nas eleições, Magno Malta disputou a reeleição ao Senado pelo Espírito Santo, mas amargou a terceira colocação, com 17% dos votos. Homossexual assumido, casado e pai, Fabiano Contarato, da Rede, desbancou Malta, um dos mais radicais representantes da Bancada da Bíblia no Congresso.

Do ponto de vista partidário, quem mais perdeu foram o PSDB e o MDB, que viram as suas bancadas reduzidas quase à metade.

Ambas as legendas ocuparam, no passado, um espaço de relevância no centro do espectro político nacional: os tucanos com uma agenda neoliberal e os emedebistas como fiadores dos governos, assegurando maioria parlamentar para FHC e Lula, observa o cientista político Leonardo Avritzer, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Desde 2014, no entanto, abandonaram esses papéis e optaram pela polarização.

“Os dois partidos não foram capazes de convencer a população sobre os motivos do impeachment e sobre as virtudes do governo Temer. Associaram-se envergonhadamente ao antipetismo e perderam relevância”, diz Avritzer.

“A hegemonia passou para aqueles que justificam o impeachment pela retirada do PT do poder a todo custo. O líder desse movimento é Bolsonaro, não por acaso o vencedor do primeiro turno.”

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