Número de assassinatos de quilombolas cresceu 350% em um ano no Brasil

Por Terra de Direitos

O número de assassinatos de quilombolas no país cresceu 350% em apenas um ano: foram registrados quatro assassinatos em 2016 contra 18 em 2017. O dado está na publicação “Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil”, organizada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras e Rurais Quilombolas e Terra de Direitos, em parceria com o Coletivo de Assessoria Jurídica Joãozinho de Mangal e a Associação de Advogados de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR), lançada na última semana em Brasília.

O estudo revela, ainda, que entre 2008 e 2017 ocorreram 29 assassinatos de quilombolas na região Nordeste. Desses, 13 deles apenas no estado da Bahia – o décimo quarto ocorreu na última quarta-feira (26), quando Reginaldo Santos de Jesus, liderança do quilombo Kingoma, em Lauro de Freitas (BA), foi encontrado morto. O Maranhão (com 10 assassinatos) e o Pará (com 5) são os dois estados mais violentos depois da Bahia.

“É representativo o caso do Nordeste, especificamente por conta da crueldade das mortes, porque o número de assassinatos da região é mais uma vez marcado pelo acontecimento de chacinas. Os projetos de desenvolvimento que estão em curso no Nordeste, a disputa territorial que está colocada na região relacionada a projeto de desenvolvimento influencia esse cenário de violência que a gente tem assistido contra as comunidades quilombolas”, avalia Élida Lauris, pesquisadora e integrante da Terra de Direitos.

As chacinas também continuam ocorrendo: em 2017, foram registrados dois casos – no Quilombo de Iúna, em Lençóis (BA), onde sete quilombolas foram assassinados, e no Quilombo Lagoa do Algodão, em Carneiros (AL), com a morte de quatro pessoas.
Com relação às mulheres quilombolas, os dados mostram que em 66% dos casos de assassinato foi constatada utilização de arma branca e registrados métodos de tortura – explicitando a crueldade em relação à violência de gênero.

Das 113 ocorrências de violação mapeadas pela pesquisa, identificou-se em maior número as situações de ameaça, perseguição e/ou intimidação, com 29 registros, além de 22 ocorrências de perda ou possibilidade de perda do território por invasão e/ ou intervenção de terceiros.

A falta de atuação do Estado em relação à garantia de territórios perpetua as violências. Em setembro de 2017, Flavio Gabriel Pacifico dos Santos, 36 anos, conhecido como “Binho do Quilombo”, foi assassinado a tiros. A liderança quilombola atuava há anos em defesa do seu território e pela valorização das comunidades quilombolas. Foi assassinado com mais de dez tiros em frente à escola da filha, que presenciou tudo. A mãe de Binho, Maria Bernadete Pacífico, luta diariamente para saber quem são os responsáveis pela morte do filho.

“Sou uma mãe cansada e com uma cicatriz que não sai nunca. Meu filho morreu trabalhando, morreu na frente da escola da filha, a filha presenciou tudo e só fazia gritar. Meu filho morreu com 16 tiros no rosto, como se fosse um marginal. Eu prometi para a comunidade que enquanto eu estiver viva eu continuarei o legado de meu filho.  E nós sabemos que só quem morre são os negros”, disse, durante o lançamento da publicação em Brasília.

O trabalho envolveu pesquisa documental do acervo da CONAQ, de notícias em jornais, redes sociais e outras publicações, além de técnicas específicas de amostragem.  “Com essa pesquisa, conseguimos perceber o nível de desumanização presente nas mortes da população negra. Umas das grandes dificuldades foi a de encontrar os sujeitos com os seus nomes (muitas pessoas são enterradas com apelidos), mostrando o quanto o processo de extermínio das vidas negras não importa. Por isso, as fontes mais importantes que encontramos foram as famílias.

Essa pesquisa não representa o que efetivamente é a violência contra os quilombos no Brasil. Por outro lado, não estamos falando apenas de uma morte qualquer, estamos falando de corpos e vidas que se colocam em defesa do território”, aponta Givânia Silva, integrante da CONAQ, conselheira da Terra de Direitos e uma das coordenadoras da pesquisa.

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