Gabriela Haubber
“Marido confessa ter assassinado mulher grávida”.
“Policial prende homem acusado de agredir a própria esposa até a morte”.
“Grávida faz parto com bala alojada na cabeça após tentativa de feminicídio” [1].
No mês em que a Lei Maria da Penha completou 12 anos (agosto de 2018), notícias sobre casos de violência contra a mulher viraram rotina nas páginas de jornais brasileiros. Tem sido sempre assim. O número de casos desse tipo só cresce e tem colocado o Brasil em uma posição nada louvável no ranking de países com o maior índice de feminicídio: quinto lugar, de acordo com o Mapa da Violência 2015.
Agosto também foi o mês em que as candidaturas aos cargos políticos foram oficializadas e as campanhas eleitorais, iniciadas. Em meio ao aniversário de um dos principais marcos nacionais da luta contra a violência de gênero e às notícias de diversos casos de agressão contra mulheres, as candidatas e os candidatos à presidência praticamente não tiveram como fugir da temática. O objetivo aqui é discutir exatamente como o tema tem sido abordado na corrida eleitoral.
A legislação brasileira que pretende promover a igualdade de gênero no Brasil ainda é recente. Até 2015, quando foi sancionada a Lei do Feminicídio (Lei Nº 13.104/2015), o principal instrumento legal de combate à violência contra a mulher era a Lei Maria da Penha (Lei Nº 11.340/2006), que “cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, que é entendida como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Nesse contexto, se inserem diferentes formas de violência: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, com previsão de prisão do agressor. Além disso, a Lei Maria da Penha também prevê assistência à mulher vítima de violência e medidas protetivas. Contudo, uma das limitações da Lei Nº 11.340/2006 é restringir a violência ao ambiente familiar, deixando praticamente de lado o espaço público.
A Lei do Feminicídio, sancionada pela então presidenta Dilma Rousseff, veio para contribuir com o enfrentamento a homicídios de mulheres por razões de gênero, ou seja, pelo simples fato de serem mulheres. O Projeto de Lei inicial foi de autoria da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI) de Violência contra a Mulher, criada com o objetivo de “investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência”. A CPMI atuou de março de 2012 a julho de 2013, investigando as políticas de enfrentamento à violência contra mulher em todos os estados brasileiros.
Apesar do que mostram os dados estatísticos sobre a violência letal contra mulheres, a aprovação da Lei do Feminicídio foi conturbada e sua legitimidade ainda é questionada, com posicionamentos divergentes, principalmente, entre aqueles que concordam e defendem a modificação do Código Penal para inclusão do feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio e aqueles que não veem justificativa para tal mudança. Dentre os principais argumentos favoráveis à Lei do Femincídio estão: o de que “ainda falta entendimento sobre a violência contra a mulher e a Lei do Feminicídio ajuda a chamar atenção para isso”; o de que “o índice de assassinato de mulheres pelo simples fato de ser mulher é muito alto e/ou está aumentando” e a Lei do Feminicídio “é uma forma de tematizar e, portanto, combater a desigualdade de gênero entre homens e mulheres”. Enquanto que do lado contrário estão argumentos como o que diz que “já existe o homicídio, que a legislação já dá conta desses crimes e, por isso, o feminicídio não é necessário”; ou o que alega que “mulheres também matam seus companheiros e suas companheiras” e que “a vida da mulher não vale mais do que a do homem”.
Entre os presidenciáveis, a utilização do termo feminicídio também tem gerado controvérsias. Em algum momento durante a campanha, todos eles se posicionaram diante da violência contra a mulher, seja espontaneamente ou interpelados por jornalistas e eleitores. Mas poucos, de fato, a nomeiam como feminicídio. Além disso, apesar de todos os candidatos terem tocado na temática, se observarmos os planos de governo, as propostas voltadas para as mulheres e, mais especificamente, aquelas de enfrentamento à violência contra a mulher e ao feminicídio, ainda são tímidas na maior parte deles. Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, fez posts em sua página do Facebook sobre a importância de se pensar propostas para combater a violência contra a mulher, mas, em seu plano, faz referência a isso apenas duas vezes e de maneira geral, pouco propositiva.
A palavra “mulher”, por exemplo, não aparece nos planos de Alvaro Dias (PODE), Cabo Daciolo (Patriota), Eymael (PSDC) e João Amoêdo (NOVO). No caso de Bolsonaro (PSL), ela aparece apenas uma vez em um trecho que condena o estupro. Apesar de todos os outros, em algum momento, citarem a violência contra a mulher, o termo feminicídio aparece apenas nos planos de Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL), Haddad (PT) e Marina Silva (REDE).
Apesar da importância de os candidatos darem visibilidade à violência contra a mulher, tanto em planos de governo, quanto em suas páginas nas redes sociais, entrevistas e programas eleitorais, nomear a violência letal como feminicídio também é fundamental para o enfrentamento desse tipo específico de violência. Contudo, mesmo após a aprovação da Lei do Feminicídio, a nomeação do crime ainda é um desafio.
Na legislação, o feminicídio é caracterizado como um homicídio qualificado “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”, o que envolve “violência doméstica e familiar; menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. O uso do termo feminicídio não significa apenas substituir um vocábulo por outro. Ele reforça que a maior parte da violência letal contra a mulher não é uma acidentalidade ou eventualidade, mas algo constante na sociedade em que vivemos. Ou seja, é um problema estrutural de nossa sociedade e resultado de um sistema de poder, não algo episódico (Gomes, 2018; Machado & Elias, 2018; Pasinato, 2011; Segato, 2006).
Dar visibilidade ao tema é importante, mas a forma como ele aparece também contribui ou não para o enfrentamento da violência. Ao noticiar os casos, os jornalistas precisam abordá-los em um contexto mais amplo e inseri-los ao lado de outros para problematizar a recorrência de casos de violência contra a mulher e fomentar um entendimento mais preciso sobre o problema. Contudo, na maior parte das vezes, cada caso é tratado como algo isolado e consequência da ação de um homem específico. Da mesma forma, declarações de candidatos podem esvaziar ou distorcer a discussão, como a de Cabo Daciolo, que ao ser questionado, no debate da Band, sobre as propostas de enfrentamento à violência contra a mulher, respondeu que o problema é a “falta de amor”. Ou Jair Bolsonaro (PSL), que afirmou ser contra a Lei do Feminicídio, além de ter dito que a maior parte das mulheres com quem já conversou prefere andar armada do que a uma nova lei.
Gabriella Hauber é doutoranda em Comunicação Social na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do Grupo de Pesquisa em Mídia e Esfera Pública. Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2018, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.org.