O peso do DNA no cenário eleitoral paranaense

René Ruschel

No Paraná, o arcabouço social e político preserva contornos que remontam às Capitanias Hereditárias. Poucas famílias se perpetuam no poder, um privilégio reservado aos bem-nascidos. A trajetória de Beto Richa, do PSDB, é o perfeito exemplo dessa arcaica tradição. Seguindo os passos do pai, o também ex-governador José Richa, disputará nas próximas eleições uma vaga no Senado, após dois mandatos no comando do Palácio Iguaçu, sede do governo paranaense.

Réu na Justiça Federal e envolvido até a medula em denúncias de corrupção, o tucano busca desesperadamente um cargo eletivo para ter direito ao foro privilegiado, além de lançar a candidatura do filho, Marcello Richa, para a Assembleia Legislativa. O plano era mais ousado: queria eleger o irmão, Pepe Richa, ex-secretário de Infraestrutura e Logística durante seu governo, à Câmara dos Deputados.

O projeto naufragou quando Pepe acabou delatado por um de seus homens de confiança, Nelson Leal Junior, ex-diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem. Por impedimentos legais, a ex-primeira-dama e ainda secretária da Família e Desenvolvimento Social, Fernanda Richa, ainda não se aventurou a disputar uma eleição. Não foi por falta de convites. Seu nome é citado com frequência, notadamente em colunas sociais, como possível candidata tucana à prefeitura de Curitiba em 2020. O clã milita unido e o poder político é o maior foco de suas atividades.

A fórmula utilizada para fixar tal oligarquização familiar no aparelho estatal, segundo o cientista político Ricardo Costa de Oliveira, professor da Universidade Federal do Paraná e autor do livro Na Teia do Nepotismo, é ocupar o poder e manter um exército político nas estruturas do Estado.

“Beto Richa nomeou o irmão, a esposa e parentes, mesmo que distantes, para funções estratégicas. O filho Marcello foi nomeado secretário municipal pelo prefeito de Curitiba, Rafael Greca. Requião não foi diferente. Nomeou e elegeu parentes quando foi governador. Com isso, o estado se transforma em comitê a serviço da família de plantão.”

Para Costa de Oliveira, a estratificação social no País é reforçada pela “colonização” do Estado pelas classes dominantes. “No Brasil, a unidade da política é formada pela ação de famílias poderosas. Para elas, o Estado é um grande negócio e sua presença nas instituições é um fato social.” No Paraná, assim como no Brasil, diz Costa de Oliveira, “a classe dominante está enraizada em uma grande estrutura de parentesco que ocupa espaço em todos os poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário”.

No pleito de outubro, os principais candidatos a governador têm um longo histórico político-familiar. A governadora Cida Borghetti, do PP, candidata à reeleição, foi vice de Beto Richa. Sua carreira começou como militante do Partido Democrático Social, herdeiro da Aliança Renovadora Nacional, a Arena, que deu sustentação à ditadura.

Casada com Ricardo Barros, deputado federal e ex-ministro da Saúde do governo Temer, Cida foi deputada estadual e federal. Com apoio de ambos, a filha, Maria Victória Borghetti Barros, foi eleita deputada estadual em 2014, aos 22 anos, com votação de quase 45 mil votos. Em 2016, foi candidata a prefeita de Curitiba. A julgar pela trajetória familiar, tem motivos para confiar em um futuro promissor na política.

O avô, Silvio Magalhães Barros, foi deputado federal e prefeito de Maringá. O pai, Ricardo Barros, conseguiu eleger-se prefeito do município aos 29 anos, em 1988. Desde então, teve uma carreira meteórica. Deputado federal por cinco legislaturas, elegeu e reelegeu o irmão, Silvio Magalhães Barros II, prefeito de Maringá, até ser derrotado em 2016, na terceira tentativa. Calculista e pragmático, Barros foi quem negociou com o PSDB a coligação para indicar sua mulher como candidata à vice de Richa.

No Palácio Iguaçu, sede do governo paranaense, comenta-se que Cida é a governadora “de direito”, enquanto o marido é o mandatário “de fato”. Enquanto isso, em Brasília, dormitam nas gavetas do Supremo Tribunal Federal uma série de pendências jurídicas cometidas contra o Erário e a população de Maringá.

Se as eleições fossem hoje, as pesquisas indicam que o segundo turno seria disputado entre o deputado estadual Ratinho Junior, PSD, e o ex-senador Osmar Dias, PDT. Ambos tiveram suas carreiras políticas à sombra da família.

Ratinho Junior é filho do apresentador de televisão e empresário de comunicação Carlos Roberto Massa, o Ratinho, com breve passagem pela vida pública. Foi vereador em Curitiba e deputado federal pelo Partido da Reconstrução Nacional, sigla que elegeu Fernando Collor de Mello presidente da República. Afastado da política, Ratinho apresenta um programa popular no SBT, além de ser dono de fazendas e de uma cadeia de rádio e televisão no Paraná.

Junior foi eleito deputado estadual, em 2002, aos 21 anos, com 189 mil votos, sem nunca ter exercido qualquer função pública ou política. Toda sua carreira esteve colada à imagem do pai, apresentador de televisão. Em 2006 e 2010, foi eleito e reeleito para a Câmara dos Deputados. Em 2014, com os olhos voltados para a eleição a governador, disputou uma cadeira na Assembleia Legislativa e foi eleito com 300 mil votos, mais de 5% dos votos válidos do estado. Elegeu, a reboque, uma bancada de 11 deputados, que se tornou a maior força política na Casa.

Ex-senador, Osmar Dias disputa o governo do Paraná pela terceira vez. Nas duas anteriores foi derrotado. Engenheiro agrônomo, começou a trajetória política como secretário da Agricultura no governo de Álvaro Dias, hoje senador e pré-candidato a presidente da República pelo Podemos.

Na avaliação de Costa de Oliveira, da UFPR, a prática só costuma ser menor em partidos de esquerda, nos quais as candidaturas costumam ser forjadas pela atuação em movimentos sociais. “Lula foi um grande líder sindical. Dilma teve uma forte militância política na época da ditadura. Luiza Erundina elegeu-se prefeita de São Paulo com apoio dos movimentos sociais. Agora, surge Boulos, líder dos sem-teto. Isso faz uma enorme diferença.”

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