A Primavera das Mulheres traz com que outras flores desabrochem e, em 2018, a participação política feminina é uma das belas a florirem. Em todo o mundo, a questão da mulher ter não apenas seu lugar de fala como ocupar os espaços de poder e decisão tem se tornado decisivas em democracias consolidadas pelo mundo.
Os Estados Unidos observam os efeitos Hillary Clinton: desde as eleições presidenciais, há um interesse midiático pelo tema no país em que apenas 20% das representantes na Câmara e Senado são mulheres. Em abril deste ano, por exemplo, o jornal The New York Times fez três matérias sobre mulheres e política. No dia 4, o foco são jovens responsáveis por coordenar campanhas políticas. Já no dia 10, dois assuntos dominaram a pauta: Tammy Duckworth se tornou a primeira senadora a dar a luz enquanto está no cargo, trazendo o debate sobre a política e a maternidade. A outra matéria é sobre como a participação política feminina no Arizona está se ampliando nos partidos republicano e democrata. E, ainda este mês, o jornal organiza um encontro em Nova York com quatro senadoras dos dois partidos que nunca foram vistas juntas fora de Washington D.C.
O que não faltam são questões sobre a representatividade da mulher na política e o que a mídia americana tem tentado responder, enquanto a brasileira parece simplesmente ignorar. O extermínio bárbaro da vereadora Marielle Franco há dois meses acendeu o interesse da imprensa tupiniquim sobre os muitos aspectos da participação política feminina que a carioca representava tão bem.
Marielle deveria ser o que chamamos em jornalismo de gancho, o motivo que faz com que determinada pauta se justifique temporalmente. A sua vereança era capaz de render várias matérias como financiamento de campanhas políticas para mulheres, a agenda de uma mulher feminista na Câmara dos Vereadores, destacando seus projetos sobre o aborto e o assédio em transporte público no Rio de Janeiro. Sua vida é razão suficiente para mobilizar repórteres da editoria de política, como a subrepresentação das mulheres negras e as legendas que realmente abrem as portas para mulheres periféricas.
Sua morte continua sendo fonte de várias pautas. Um exemplo? O Brasil é um país seguro para exercer a atividade política? Quantos agentes políticos são assassinados no Brasil? Como a justiça brasileira trata estes delitos? Como violência ou como crimes políticos? Há impunidade para os autores?
Comparando-se com a cobertura americana, a mídia brasileira está muito aquém do que se espera em um mundo em que o feminismo está de fato na agenda da sociedade. Aonde estão as matérias sobre filiações partidárias, sobre articulações de campanha? Cadê as entrevistas com as mulheres dispostas a entrar para política mesmo em um quadro tão estarrecedor?
As redações brasileiras têm sim profissionais capazes de realizar coberturas como estas propostas, especialmente em ano eleitoral que existe o gancho. Há, inclusive, um programa oficial do Tribunal Superior Eleitoral que veicula campanhas publicitárias incentivando a participação política feminina. A cota para participação política de 30% para cada gênero existe por lei. Dados e fontes existem em todos os partidos. Por que, então, este tratamento desigual da mídia?
É inadmissível negar que há falta de interesse do público que consome notícias – o caso Marielle prova que a sociedade está genuinamente interessada em saber mais sobre o assunto. O que é passível de aceitação é a completa ausência de sensibilidade que o tema encontra nas redações.
A participação política das mulheres é pauta em 2018 mas o Brasil parece ignorar a questão. Importante ressaltar que os mitos de que mulher não vota em mulher são alimentados pela falta de espaço que as políticas têm na mídia. Neste ano, os desafios da participação política feminina não são apenas as candidaturas laranjas, a falta de financiamento das campanhas e destinação do fundo partidário, o machismo das legendas: é também o ano em que a mídia precisa urgentemente fazer seu mea culpa e passar a dar o espaço que também são delas.
Ivy Farias é jornalista e estudante de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Faz parte do Movimento Mais Mulheres no Direito.