Mais vivo do que nunca, tentáculo político da milícia mira as próximas eleições

 

Gil Alessi – El País

 

Cinco anos atrás o delegado da Polícia Civil Marcus Neves profetizou o fim do poder político dos grupos milicianos no Rio: “As principais cabeças da milícia foram presas. O tentáculo político não existe mais”. O policial, uma autoridade respeitada no assunto e responsável pela prisão de 143 paramilitares dentre eles deputados e vereadores fluminenses, aparentemente queimou a largada. Agora, com as eleições à vista, um vereador e diversos milicianos estão sob suspeita de participação no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes. A profecia do delegado parece longe de se concretizar em um cenário no qual autoridades ouvidas pelo EL PAÍS dizem ser praticamente impossível impedir que milicianos interfiram no resultado do pleito e emplaquem seus candidatos. O “tentáculo político” continua mais vivo do que nunca.

 

“Via de regra hoje em dia o candidato da milícia não é um membro atuante do grupo. É alguém que usa esta organização criminosa para captar votos”, explica Daniel Braz, coordenador do Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Rio. Neste novo cenário, os paramilitares “apoiam candidatos que tem agenda favorável a deles”. “É um lobby que eles fazem como se fossem uma entidade legal, que também faz isso: a PM vota em seus candidatos. Cobradores de ônibus e de posto de gasolina idem. O miliciano também”, afirma o promotor. Segundo ele, a influência de milicianos nas eleições deste ano é uma “possibilidade quase certa”.

A nova metodologia dos paramilitares dificulta e quase impossibilita que as autoridades identifiquem quem são os políticos beneficiados por sua atuação. “É muito complicado coibir isso. Você não tem como saber pelo perfil do candidato se ele tem essa relação com a milícia. Todos os órgãos do MP estão atentos a isso no campo eleitoral, mas é muito difícil de identificar”, diz Braz.

O presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, desembargador Carlos Eduardo da Rosa da Fonseca Passos, compartilha com Braz certo pessimismo quanto à possibilidade de eliminar o fator miliciano das eleições. “Não há como se excluir toda a influência de organizações criminosas no reduzido período até as próximas eleições, mas sua atuação deve ser combatida e coibida com austeridade e celeridade”, afirmou ao EL PAÍS. Uma das ferramentas que o TRE deve lançar mão são as “cassações de registros e diplomas de candidatos envolvidos com o crime organizado, de modo a permitir que a vontade do eleitor prevaleça e que as eleições transcorram em clima de normalidade”. Além disso, a Corte deve dar “ênfase à fiscalização da propaganda eleitoral, com intuito de reduzir, ao máximo, a difusão de candidaturas relacionadas ao crime organizado”.

O desembargador não detalhou como o TRE trabalha para identificar quais são as candidaturas ligadas a bandidagem, mas disse que conta com “a participação da população e dos órgãos de imprensa (…) tanto na apresentação de denúncias quanto na divulgação de práticas incompatíveis com a legitimidade do processo eleitoral”. Passos afirma ainda que “o crime organizado sempre busca novas alternativas para contornar as restrições legais”, o que exige “constante evolução nas diretrizes de prevenção e de fiscalização de fatores de risco”.

“Apenas fui apresentado ao líder comunitário”

“Apenas fui apresentado ao líder comunitário”. Essa é a frase repetida por candidatos acusados de se beneficiarem do domínio de milicianos, segundo o promotor Braz. Existem algumas maneiras pelas quais um político pode tirar proveito da ação destes grupos: pressionando eleitores para que votem em seus candidatos, financiando esses candidatos e barrando campanha de políticos em determinado bairro. Nos locais sob domínio da milícia são vetadas as propagandas eleitorais de quem não é escolhido pelos criminosos, e muitos políticos, por questões de segurança, não se arriscam a fazer campanha nestas regiões. “A não ser que haja uma investigação que comprove o elo entre o candidato e o miliciano, você não consegue prender ninguém. O fato de um determinado político conseguir fazer campanha na comunidade por si só não configura crime”, diz o promotor Braz. Para ele, “sempre vai ter em uma Casa política [câmaras ou assembleias] alguém apoiado por criminosos”.

Outra dificuldade no combate às milícias é o fato de que após as prisões dos principais líderes, os grupos adotaram uma postura low profile. “Eles têm evitado usar denominações e marcas, como a Liga da Justiça fazia antigamente. Pintar o símbolo do Batman no muro, por exemplo, é algo raro hoje em dia”. Além disso, ao contrário do traficante, que costuma circular pelo território de sua facção portando armas, a prisão em flagrante do miliciano é dificultada pelo fato dele estar à paisana, sem armas ou drogas. “O perfil do miliciano de dez anos atrás, dos policiais fortes andando de calça preta e coturno pela comunidade sumiu. Ainda existem esses personagens, mas o grande corpo da milícia no Rio é o cidadão comum que anda de bermuda, um membro da comunidade normal. Como não porta nada ilícito, ao contrário do traficante, é muito difícil fazer esse flagrante”.

O retorno da velha guarda

As eleições deste ano terão outra novidade: muitos dos líderes milicianos presos década atrás estarão nas ruas. É o caso do ex-vereador Jerônimo Guimarães Filho, vulgo Jerominho, que deve deixar o Complexo Penitenciário de Gericinó nas próximas semanas após cumprir uma pena de pouco menos de dez anos. Além dele, o ex-sargento dos Bombeiros e ex-vereador Cristiano Girão Matias também está de volta às ruas após decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal de junho passado.

Ainda é cedo para afirmar a influência que estas duas lideranças ainda tem sobre a milícia no Rio. O promotor Braz afirma que “ao invés de grandes milícias dominando grandes territórios hoje vemos vários grupos dominando territórios menores”, um indicativo do fracionamento da Liga da Justiça. Mas uma coisa é certa: ao contrário do que afirmou o delegado Marcus Neves, o envolvimento de grupos paramilitares na política está longe do fim.

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