Entenda por que a Emenda do Teto dos Gastos é um risco para a sua saúde

 

Por Matheus Magalhães, assessor político do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

A Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF)[1] completa 14 anos no dia 6 de maio. Durante este período, a PNAF deu forma à garantia da assistência farmacêutica integral pelo SUS, preconizada na Lei n. 8.080/90, e inaugurou um conjunto de ações que propiciaram importantes avanços na promoção do acesso a medicamentos no país.

Todas essas conquistas estão ameaçadas desde que entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 95 (EC 95), que estabelece um teto de gastos em políticas públicas por 20 anos. Para termos uma ideia do que está em risco, se faz necessário elencar as melhorias alcançadas no último período em relação ao acesso a medicamentos. Por exemplo, no mesmo mês da edição da PNAF, em maio de 2004, foi criado o Programa Farmácia Popular,[2] que chegou a 80% dos municípios brasileiros e atendeu mais de 38 milhões de pessoas.

Entre os avanços da PNAF, também se destaca a ampliação da lista de medicamentos constantes da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), que descreve os produtos a serem adquiridos pelo governo em atendimento às demandas de saúde da população. Em sua versão anterior à Política, a RENAME era composta por 565 apresentações farmacológicas e correlatos imunobiológicos. Já em sua última versão, com os medicamentos incorporados até 2016, passou a abranger 869 itens, um aumento de 54% no período.

A perda orçamentária decorrente da aprovação da Emenda do Teto dos Gastos em 2017 iniciou o desmonte da PNAF. Com efeito, naquele ano, os recursos alocados na promoção da assistência farmacêutica caíram 14,4% em relação a 2016, com uma redução de R$ 2,75 bilhões.

Como mostra o Gráfico 1, foram reduzidos os recursos destinados ao Programa Farmácia Popular, bem como a todos os componentes da assistência farmacêutica, que classificam os medicamentos para atendimento básico, especializado, e os considerados estratégicos, para combate de doenças e agravos de perfil endêmico e/ou negligenciadas.

Gráfico 1: Execução financeira dos componentes da assistência farmacêutica em 2016 e 2017

Valores constantes, em milhões de reais, deflacionados para preços médios de 2017 pelo IPCA

 

Mortes por falta de medicamentos

Os efeitos dos cortes de recursos já estão acontecendo. Desde outubro de 2017, a Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves registrou 16 óbitos de pacientes por falta de acesso aos medicamentos, o que resultou na realização de Audiência Pública na Câmara dos Deputados.[3]

Desde o segundo semestre do ano passado, diversos estados[4] têm registrado falta de medicamentos de alto custo e voltados para tratamentos de doenças crônicas e raras. Medicamentos esses que integram os componentes Especializado e Estratégico, com aquisição pelo Ministério da Saúde e dispensação pelas Secretarias Estaduais de Saúde. Também há registros de falta de imunobiológicos e atrasos na distribuição de medicamentos para o tratamento do câncer, de pacientes transplantados, e do vírus HIV, que ainda teve a quantidade de insumos para testes racionados.

No caso dos medicamentos do Componente Básico, a maior parte são adquiridos pelos estados e municípios, após os repasses de recursos pelo Ministério da Saúde. Conforme pactuação na Comissão Intergestores Tripartite, em 2017 o valor dos repasses em 2017 deveria ser de R$ 5,58 por habitante, considerada a estimativa populacional de 1 de julho de 2011 (192,4 milhões de pessoas), que resultaria em um valor de R$ 1,073 bilhão. Porém, o pacto não foi respeitado, uma vez que as transferências realizadas pelo Ministério da Saúde foram da ordem de R$ 1,062 bilhão, equivalente a R$ 5,52 por habitante. Na realidade, esses recursos estão longe de ser suficientes uma vez que que a população brasileira é maior do que o previsto nos acordos. Caso utilizássemos a estimativa do IBGE de 1 de julho de 2016 (206,1 milhões de pessoas), o valor das transferências para estados e municípios deveria ser de aproximadamente R$ 1,150 bilhão, montante 8,3% superior ao executado.

O desmonte do Programa Farmácia Popular

Conforme revelou o estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Direitos Humanos em Tempos de Austeridade, em parceria com a Oxfam Brasil e o CESR, um primeiro impacto do ajuste fiscal foi o fechamento de 314 farmácias públicas de um total de 367 estabelecimentos. E mais: em seguida, foi anunciado o encerramento do atendimento por essa modalidade, que assegurava a assistência farmacêutica, em especial em regiões de baixa renda e nos municípios constantes do Plano Brasil Sem Miséria.

 

O Ministério da Saúde também deve cortar gastos com o Programa por meio da redução de 60% dos valores pagos no ressarcimento às farmácias privadas que ofertam 22 medicamentos para o tratamento da asma, diabetes mellitus e hipertensão arterial. Segundo o Ministério, a iniciativa pode gerar uma redução de R$ 800 milhões. Entretanto, a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (ABRAFARMA) afirma que, com a decisão, o Programa tende a ser extinto, uma vez que os custos de operacionalização não compensam os valores de ressarcimento estabelecidos.

Com os riscos de desabastecimento de medicamentos, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) recomendou que o Ministério prorrogasse o prazo de implementação dessa redução. A recomendação do CNS não foi acatada pelo Ministério da Saúde, e a medida passou a vigorar em 30 de abril. Já em 01 de maio, as farmácias cadastradas começam a comunicar que em razão da redução, nem todos os produtos estariam disponíveis para acesso por meio do Programa, como se verifica na imagem a seguir, veiculada em redes sociais na internet:

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