Quais são os desafios para o Fórum Social Mundial de 2018?

por Oded Grajew*


Em janeiro de 2000, o Fórum Econômico Mundial anunciou triunfalmente o fim da História com a adoção do modelo neoliberal que supostamente levaria o mundo à prosperidade, paz e qualidade de vida para todos.

Os opositores eram tratados como ignorantes e radicais que só sabem criticar, sem poder oferecer nenhuma alternativa. Indignado, tive a ideia de criar o Fórum Social Mundial, isto é, criar um espaço, um processo, no qual organizações, lideranças e militantes da sociedade civil pudessem se encontrar, se articular, ganhar força política para levar adiante suas lutas.

Diminuir a dispersão e, consequentemente, a fragilidade da sociedade civil. Dar oportunidade a propostas e iniciativas alternativas, mostrando que “outro mundo é possível” na teoria e na prática, no qual a economia e a política estariam a serviço da justiça social e do desenvolvimento sustentável.  
Convidei um grupo de organizações brasileiras que se encarregou de viabilizar operacionalmente a ideia.

Esse grupo selecionou entidades internacionais para formar o Conselho Internacional, que elaborou uma carta de princípios que consagrou a ideia do fórum como um processo, um espaço auto-organizado, no qual o protagonismo das atividades e das iniciativas políticas seria das organizações da sociedade civil. O fórum não seria uma organização, uma entidade, não teria presidente, diretoria ou porta-vozes, e o conselho, que não é eleito, trataria de zelar pelo processo.

Em janeiro de 2001, foi realizado o primeiro Fórum Social Mundial em Porto Alegre, com expressiva participação da sociedade civil, que aumentou significativamente nos fóruns seguintes. A inovação política, privilegiando o processo e a auto-organização, não se constituindo numa organização verticalizada, centralizada e controladora, permitiu a realização de encontros com relativamente poucos recursos, a participação de milhares de organizações e militantes, e a multiplicação de fóruns pelo mundo.

O sucesso do FSM, fruto principalmente de sua inovação política, começou a atrair o interesse de algumas tradicionais organizações e lideranças, que, não querendo compartilhar e democratizar o protagonismo e a visibilidade, buscam desvirtuar o processo. Querem voltar à velha prática de processos verticalizados e centralizadores, no qual lideranças determinam prioridades e caminhos a serem seguidos pela massa.

Não aceitam a diversidade e a pluralidade da sociedade civil e sua independência em relação a governos e partidos políticos. E, mais recentemente, querem mudar a carta de princípios para que o fórum se transforme numa organização regida pelo conselho ou por um grupo de organizações que tome posições e fale em nome de todos e do próprio FSM, que determine hierarquias e prioridades (vide entrevista e artigo de Boaventura de Sousa Santos em CartaCapital).

Alegam que o conselho é omisso, que o fórum é improdutivo e que deveria tomar posição, fazer declarações, elaborar manifestos. A alegação de que não há posicionamento no FSM é falaciosa. Cada organização tem total liberdade e é, inclusive, estimulada a tomar posição e fazer declarações em nome dela e/ou de todas as organizações que queiram a ela se juntar.

É necessário, porém, que se esforce e ganhe legitimidade para articular alianças e dar força política aos seus posicionamentos. Todos em pé de igualdade e democraticamente podem se manifestar, em nome das organizações e de lideranças que subscrevem os manifestos, e podem dar a essas iniciativas a visibilidade que quiserem ou puderem.

O que não podem dizer é que se expressam em nome de todos ou do fórum, colocando os participantes como massa de manobra a serviço de uma corporação, de um movimento, de um partido político ou de um governo. Isso seria manipulação e usurpação de poder. É repetir o mesmo e velho processo que tanto mal causou à esquerda: a luta pelo poder, a cooptação por governos e partidos políticos, o controle que sufoca a crítica e o autoritarismo que tenta eliminar a divergência e a diversidade.

O fórum não é uma organização e o conselho, que, repito, não é eleito, ou nenhum grupo particular de organizações que têm mandato para falar em nome de todos. O protagonismo não é do fórum, mas das organizações, das lideranças e dos militantes. Foi essa inovação política que atraiu tanta gente e tantas organizações, valorizou a diversidade e facilitou articulações que resultaram no fortalecimento e na criação de movimentos que impulsionaram na década passada a chegada da esquerda ao poder em países latino-americanos.

O desafio do Fórum Social Mundial, como descreve Chico Whitaker, é continuar a criar “condições para o reconhecimento mútuo e para a superação de preconceitos, da competição e da desconfiança entre movimentos sociais, para facilitar a identificação de convergências e a construção de alianças, sem hegemonias e no respeito às diferenças nos tipos de ação e nas estratégias, evitando sua manipulação por organizações, governos ou partidos políticos”. É fundamental manter e aprofundar uma prática política inovadora, coerente com “outro mundo possível”.

Uma nova edição será realizada em Salvador, entre 13 e 17 de março de 2018. Viabilizado graças à dedicação do coletivo brasileiro e baiano, com apoio do conselho, será um evento de caráter mundial que procurará criar resistências às manobras que tentam asfixiar os processos democráticos e a participação popular, retirando direitos duramente conquistados.

Buscará também alternativas e promover articulações. No momento de grandes retrocessos éticos, políticos e sociais, é fundamental a participação de quem comunga com os princípios, valores, objetivos e as esperanças que sempre alimentaram o Fórum Social Mundial.

*Idealizador do Fórum Social Mundial, presidente do conselho deliberativo da Oxfam Brasil, foi assessor especial do presidente Lula (2003), criador da Fundação Abrinq, do Instituto Ethos, da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

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