Antonio Martins
Lançada por Outras Palavras de forma quase especulativa, há alguns meses, a proposta de submeter os retrocessos do governo Temer a Referendos Revogatórios espalhou-se e começou a tomar corpo. Quatro candidatos à Presidência: Lula, Ciro Gomes, Manuela d’Ávila e Nildo Ouriques a defendem. As centrais sindicais colhem assinaturas para questionar um dos itens da agenda de horrores – a contrarreforma trabalhista. O senador Roberto Requião ventila a proposta no Congresso. A bancada do PSOL na Câmara protocolou uma iniciativa parlamentar em seu favor. Comenta-se que o Vamos, iniciativa ligada à Frente Povo sem Medo, deverá mencioná-la com destaque neste sábado, quando apresentará a sistematização de suas propostas para mudar o Brasil.
Três características explicam o avanço dos Referendos e podem multiplicar seu alcance e potência, nos próximos meses. (1) Eles são um caminho concreto para reverter o desmonte dos direitos sociais e do próprio país, que o governo Temer executa. Enquanto esta agenda, esta autêntica Destituinte, não for anulada, o Brasil continuará andando em marcha-à-ré. Nenhum governo, por melhores que sejam as intenções, poderá romper o bloqueio imposto pelas leis malditas e pelo Judiciário, que forçará sua aplicação. Agora, temos uma saída (2) Os Referendos desnudam a ilegitimidade de um governo não eleito e deum Congresso Nacional suspeito, financiado pelo grande poder econômico, preocupado apenas em favorecer os interesses de uma pequena elite e em receber favores como recompensa. Além disso, ele apresentam como alternativa, à população desencantada, não o fim da política, mas a democracia direta – o direito da sociedade decidir sem intermediários sobre algumas questões decisivas para seu futuro. (3) Eles apresentam um leque de propostas capaz de provocar o debate sobre os grandes temas nacionais, nas eleições de 2018. Isso vale tanto para a Presidência quanto para o Legislativo: a ideia de resgatar os direitos e de varrer os políticos que atentaram contra a grande maioria terá enorme poder de mobilizar os eleitores.
Como a campanha ganhou fôlego – ou seja, como ela já não é apenas uma hipótese teórica — tornou-se importante discutir seus contornos concretos, aquilo que poderá ser decisivo para que ela tome forma, atraia, mobilize e seja vitoriosa. Três aspectos parecem cruciais: os temas que irão a referendo; o protagonismo da sociedade civil e o caráter não partidário da proposta; a formação de comitês populares, para dar autonomia e capilaridade ao movimento.
Que leis irão a referendo
A agenda de retrocessos do governo e gigantesca e não é possível, juridicamente, anular em bloco todos os seus atos. Por isso, será importante construir coletivamente uma agenda sintética, em que estejam expressos os principais direitos que é preciso reinstituir. Eis uma tentativa provisória, de cinco itens, evidentemente sujeita ao debate. Lutaremos pela revogação prioritária: a) da Emenda Constitucional 95, que congela os gastos sociais por vinte anos; b) da lei que entrega o Pré-Sal às petroleiras internacionais; c) da contrarreforma trabalhista e da lei de terceirização selvagem; d) dos dispositivos que liberam o uso de agrotóxicos; e) da contrarreforma do Ensino Médio; f) da permissão de instalar bases militares estrangeiras em qualquer ponto do território brasileiro.
A pauta busca reverter o avanço conservador nos principais terrenos onde ele se deu e procura restabelecer uma vasta unidade entre os movimentos sociais. Outros pontos poderão ser incluídos, se necessário: por exemplo, a contrarreforma da Previdência, a transferência ao Congresso da atribuição de demarcar terras indígenas e quilombolas e a PEC 181. Mas definir os seis primeiros pontos permite tirar a proposta dos referendos da condição de mera retórica e iniciar uma mobilização concreta em torno deles.
O porquê do protagonismo social
A adesão de diversos candidatos presidenciais aos referendos é promissora, mas o protagonismo precisa ser dos movimentos sociais e sociedade civil, por diversos motivos. Nenhum candidato pode prometer que convocará sozinho os referendos – pois não terá poderes para tanto, ainda que eleito. Segundo a Constituição brasileira, só o Congresso pode fazê-lo. Será preciso enorme mobilização popular, tanto para renovar o Legislativo quanto para pressioná-lo, depois das eleições. E este movimento não pode estar sujeito às agendas eleitorais dos candidatos, a seus compromissos de campanha, a suas alianças.
O protagonismo da sociedade civil é útil aos próprios candidatos. Assegura que a campanha pelos referendos é autônoma – portanto, não poderá ser capturada por nenhum partido: será de todos que a abraçarem. O Brasil tem experiência a respeito. Em 2002, o plebiscito popular (não oficial) contra a ALCA, que mobilizou mais de 10 milhões de pessoas, foi organizado por um comitê constituído basicamente por movimentos sociais. Os partidos e candidatos sempre foram bem-vindos, mas nunca puderam chamar a campanha de sua.
Milhares de comitês pelo Brasil
A campanha pela revogação dos retrocessos pode mudar o ambiente político do Brasil, em 2018. Ela dará, a milhões de pessoas que estão perplexas ou revoltadas com os rumos do país, objetivos concretos a buscar. Em vez do ódio, ofereceremos a reconquista dos direitos, a denúncia daqueles que sequestraram a democracia em benefício próprio e a participação num esforço coletivo para compreender e transformar o país.
Por isso, a campanha não deve ser de cúpulas. Sua vocação é espraiar-se em centenas de comitês, formados onde a população vive, trabalha, estuda. A luta pelos referendos pode ter também caráter pedagógico. Os comitês ajudarão a suscitar um debate que a velha mídia oculta: o exame sobre o verdadeiro sentido das principais medidas adotadas após o golpe. Que direitos elas ferem? Que interesses promovem? Que projeto de país poderá servir de alternativa a elas?
Para tornarem-se reais, os referendos precisarão se converter, em algum momento, em projetos de iniciativa popular. Os comitês colherão as assinaturas – e terão um instrumento poderoso para debater com a população. Um passo simbólico de enorme importância seria organizar, na semana de 7 de Setembro, um plebiscito-teste, não oficial, realizado, como em 2002, em universidades, escolas, sindicatos, igrejas, comunidades, locais de trabalho.
Estaremos, então, a apenas um mês das eleições. Uma grande mobilização nacional sinalizará a virada efetiva contra o golpe. Realizará tudo o que ele tentou evitar: a sociedade debatendo os problemas do país e as mudanças estruturais necessárias a partir de sua própria organização autônoma.
Parecem sonhos, em novembro de 2017. Dizem que é preciso cultivá-los, com a condição de que sonhemos juntos e os realizemos meticulosamente…