Desde que assumiu a prefeitura da cidade de São Paulo, em janeiro deste ano, João Doria Júnior (PSDB) implementou medidas na área da cultura que causaram polêmica e discussão: dos grafites apagados na avenida 23 de Maio às mudanças em populares eventos de rua, como a Virada Cultural e o carnaval de blocos. As críticas de artistas e gestores culturais vieram de todos os lados, e a cada dia novos coletivos e movimentos de artistas se pronunciam contra o prefeito e seu projeto para a capital paulista.
“Cidade linda é aquela que reconhece a beleza na sua identidade cultural e o grafite faz parte da identidade cultural de São Paulo. Há uma concepção antiga de que cultura só é boa e qualificada se for feita dentro de um espaço privado e dentro das artes consolidadas. Pelas sinalizações dessa nova gestão, a gente já percebe que é conservadora e danosa ao potencial que a cultura pode trazer para o desenvolvimento da cidade”, lamenta o gestor cultural e ex-chefe de Gabinete da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, Guilherme Varella. Ele faz referência ao programa do governo tucano chamado “Cidade Linda” e também à ação que apagou todos os grafites na avenida 23 Maio.
Em entrevista à BBC, o secretário de Cultura de Doria, André Sturm, sinalizou como serão as políticas culturais em sua gestão e, após a avalanche de críticas, fez um balanço diferente ao do prefeito sobre a remoção das obras na 23 de Maio: “Ficou muito cinza e há uma vontade de fazer [novos trabalhos de grafite]”. Segundo ele, a via deveria voltar a receber grafites ainda no primeiro semestre deste ano, com a realização de um festival de arte. Por outro lado, Doria afirmou que não serão realizados novos grafites no local, que será alocado para um novo projeto, que não foi detalhado.
Ainda por conta da reação negativa da população à política que cobriu os grafites, o prefeito antecipou uma ideia que pretende subsidiar a feitura de grafites, com a criação do programa Museu de Arte de Rua. A iniciativa propõe a cada três meses a liberação de muros públicos e privados para a realização das obras. O programa, que deve custar em torno de R$ 800 mil, começará na região do Baixo Augusta, no centro de São Paulo, e caberá à pasta da Cultura fazer a curadoria dos artistas, que receberão uma remuneração ainda não divulgada, além de tintas.
Fomento à Cultura
Outro ponto polêmico da entrevista do secretário de Cultura paulistano à BBC diz respeito a mudanças na administração das Casas de Cultura da cidade. “[Vamos] Focar na população, não no empoderamento de coletivos de artistas. Não é pegar a Casa de Cultura e entregar para a gestão de três ou quatro coletivos de artistas da região fazerem o que acharem que têm de fazer – que é ficarem se apresentando para eles mesmos”, afirma Sturm.
Em resposta, Paulo Rams, produtor Cultural no Coletivo Perifatividade, diz que o secretário não conhece o trabalho desenvolvido nas Casas de Cultura. “Ele não quer reconhecer e incentivar os coletivos culturais da periferia. Ele tem uma estética cultural padronizada, quadrada. É uma fala equivocada dele, está desmerecendo toda uma política cultural que já está sendo construída. Falta para o secretário visitar as Casas de Cultura”, diz Rams, que acrescenta ainda que os principais motivos da falta de público nas Casas é o baixo investimento em divulgação e em uma programação cultural contínua.
O produtor cultural criticou também o corte de cerca de 43% do Orçamento da Secretaria Municipal de Cultura para 2017. O congelamento, que envolve todas as pastas, faz parte de proposta de contingenciar 25% das verbas para as chamadas atividades de custeio, e 100% das verbas para bancar projetos. Com isso, programas como os de fomento de teatro, ao circo e à dança estão temporariamente interrompidos.
“Há um descaso, uma desvalorização da cultura. Tem que partir da gente, dos grupos de periferia e de todos os afetados por esse congelamento, uma pressão para impedir que a Cultura seja totalmente precarizada. Engraçado é que o secretário, ligado ao cinema, não incluiu o programa SPCine nesse congelamento. Ele disse que vai continuar o investimento em cinema. É bacana. Mas a cultura é um conjunto, tem cinema, tem teatro, literatura, circo, carnaval de rua…”, aponta Rams.
Festas de rua
Ao falar do carnaval e da Virada Cultural, o secretário da gestão Doria acredita que há uma crise no conceito de “cidadania” em relação aos eventos de rua que acontecem na cidade e, por isso, as mudanças, como a limitação do número de pessoas nos blocos e do horário dos eventos, são necessárias. “Eu sou cidadão porque entendo que vivo numa comunidade e tenho que respeitar o meu vizinho. E cidadania agora virou ‘eu sou cidadão, então eu posso’. Não. Então, a gente está apostando que o carnaval deste ano faça com que a cidadania, no sentido de entender que eu faço parte de uma cidade, comece a se tornar visível”, disse Sturm.
No entanto, para o gesto cultural Guilherme Varella, as concepções sobre política cultural da gestão Doria são equivocadas e tendem a tirar a espontaneidade própria de expressões culturais. “Nos últimos quatro anos, a prefeitura tinha, em sua gestão, a cultura como principal elemento de realização do direito à cidade. Era através da cultura que a prefeitura estimulava que as pessoas ocupassem as ruas, fizessem suas festas, vivessem plenamente a cidade nas suas manifestações artísticas, culturais, na convivência com outras pessoas, de forma livre, espontânea, democrática. E o carnaval também faz parte desse direito. É um direito cultural que deve ser preservado”, diz Varella.
Para ele, a atual gestão pode acabar priorizando “o direito ao sossego” em detrimento do “direito ao carnaval”. “O direito cultural sempre foi considerado uma subcategoria de direito quando comparado aos outros. Então, o direito a não ser incomodado em determinado dia do ano acaba sendo maior do que o direito ao carnaval. Não podemos priorizar uma coisa em detrimento da outra. Precisamos tratar esse período de carnaval, que é excepcional no ano, com a excepcionalidade que ele pede”, avalia.
Articulação
Um encontro no Galpão do Folias foi realizado na última segunda-feira (13), entre coletivos e artistas de diversas áreas, em especial do teatro, contra o congelamento de 43,5% da verba da Secretaria de Cultura, feito pelo prefeito João Doria. “Não aceitamos a cidade cinza, sem poesia e sem espaço para o pensamento crítico que esta prefeitura quer nos impor. A arte e a cultura fazem parte da identidade de um povo e são instrumentos de luta por justiça e igualdade social”, afirmaram os trabalhadores e trabalhadoras da arte e da cultura de São Paulo durante a atividade, como publicou a Kiwi Companhia de Teatro em sua página no Facebook.
O próximo encontro da Frente Única – Descongela Cultura Já está marcado para esta sexta-feira (17), às 10h, também no Galpão do Folias, que fica na rua Ana Cintra, 213, no bairro de Santa Cecília.
Edição: Vivian Fernandes