Agora nas cidades, a agroecologia dos sem-terra

Por Inês Castilho

A pergunta “O que você alimenta quando se alimenta?” já é clássica entre as pessoas que se preocupam com alimentação e meio ambiente. Alimentamos a cadeia do agronegócio, da monocultura, dos agrotóxicos? Grandes redes de supermercado? Ou a cadeita da agroecologia, comprando diretamente do produtor nas feiras orgânicas? Pois agora a população paulistana vai poder alimentar, além de produção agrícola e meio ambiente saudáveis, uma política social justa e progressista para o país. Uma política e uma estética.

O Armazém do Campo – Produtos da Terra, inaugurado neste sábado a partir das 10h na região central de São Paulo, é um entreposto de alimentos agroecológicos produzidos por assentados do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e por agricultores familiares de todo o país. Com grande diversidade de produtos in natura e processados, vinhos e cachaças orgânicos e produtos culturais como livros e agendas, o espaço irá abranger todo o território nacional, centralizando a distribuição de produção agroecológica de todo país em São Paulo.

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Um projeto generoso e sofisticado, a começar pela decoração. Aloja foi montada num galpão de pé direito alto, com banners de chita estampada bordados com palavras de ordem e fitas coloridas pendendo do teto e móveis rústicos de madeira – aquela beleza da cultura popular, feminina, que só a mais elaborada simplicidade permite. Dominando a cena, uma pintura em tecido da grande inspiradora da agroecologia, Ana Primavesi.

Resistência, transformação social, educação libertadora, reforma agrária são algumas das bandeiras do Armazém – fruto de um esforço coletivo do movimento dos sem terra e outros camponeses organizados em cooperativas e associações para levar alimento nutritivo à mesa dos trabalhadores paulistanos, com preço justo para o produtor e para o consumidor.

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Vimos que para dar um passo adiante tínhamos de nos livrar do atravessador”, disse Delwek Matheus, assentado na região de Itapeva (SP) que integra a coordenação nacional do movimento. “O Armazém do Campo é resultado de um avanço do MST nacional em organização, beneficiamento dos produtos, seu registro nos termos da lei e logística para comercialização, cumprindo a função social da reforma agrária, que é levar comida saudável à mesa da população brasileira.”

A ideia de abrir a loja em São Paulo – a segunda no país, já que há 16 anos existe um entreposto no Mercado Municipal de Porto Alegre – surgiu depois da experiência super bem sucedida da 1aFeira Nacional da Reforma Agrária, realizada também em São Paulo, em outubro do ano passado. Durante quatro dias, cerca de 100 mil pessoas foram ao Parque da Água Branca para comprar, a preços populares, mais de 200 toneladas de alimentos, com cerca de 800 variedades de produtos das áreas de assentamentos da Reforma Agrária e a presença de 800 agricultores de 23 estados e Distrito Federal. Paralelamente, uma programação com shows, intervenções culturais, seminários e uma área de Culinária da Terra numa praça de alimentação com comidas típicas de cada região.

Alimento como política e cultura. “Na verdade temos demanda para abrir três armazéns, em São Paulo, Belo Horizonte e num município do Rio de Janeiro. Nossa intenção é ter um em cada estado brasileiro, com base no conceito de soberania alimentar, que busca respeitar os produtos e modos de produção regionais”, disse Débora Nunes, assentada em Alagoas que também integra a coordenação nacional do MST. “O armazém cumpre ainda o papel fundamental de abrir diálogo com a população urbana e partilhar com ela nossas dificuldades. Por exemplo, a burocracia existente para registrar os produtos. As exigências colocadas para grandes empresas – altamente subsidiadas pelo Estado, diga-se – são as mesmas impostas aos assentados, e isso não pode impedir o acesso da população aos alimentos. Lutar por outras políticas é tarefa não só dos camponeses, mas de toda a sociedade brasileira, daí a importância desse diálogo.”

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O armazém tem produtos da reforma agrária e de agricultores familiares de todos os cantos deste país – das cinco regiões, todos os estados, milhares de municípios. Rodrigo Teles, coordenador da loja – crescido em família assentada no Paraná – lembra que ela é fruto da organização para banir o atravessador, de modo que o agricultor seja bem remunerado e o consumidor não seja explorado.

É um novo conceito de loja”, diz ele. “Abastecemos o Café Colombiano, que oferece uma ampla variedade de quitutes elaborados com nossos produtos para que o consumidor possa provar o sabor dos alimentos. Temos a venda direta ao consumidor, a venda por atacado com desconto para revendedores, a composição de cestas de alimentos para entrega em domicílio e ainda a doação para associações que trabalham com populaçõesexcluídas. Será um espaço de discussão política”, diz.

A logística para fazer chegar a São Paulo produção tão diversificada está sendo bancada pelo MST, mas deveria ser oferecida pelo Estado, dizem os coordenadores. “É um custo grande, que ainda não conseguimos calcular, até porque contamos com a ajuda de muitos produtores, mas que pode encarecer os produtos. Deveriam ser oferecidos num mercado público, cumprindo assim sua função social”, sustenta Delwek. A margem de lucro aplicada aos produtos é de 30 a 40%, dependendo dos impostos, que variam entre os estados.

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A ideia é também desconstruir alguns mitos ligados à produção orgânica no país. O primeiro é que custa mais caro produzir agroecologicamente do que com agrotóxicos. Outro é que, por ser um produto de qualidade, é menos acessível. Há muita exploração em torno dos produtos orgânicos, já que grande parte da população está preocupada em consumir alimentos sem agrotóxicos”, diz Débora. Mesmo na crise, a venda de orgânicos continua crescendo cerca de 25 a 30% ao ano no país.

Vivemos um cenário de crise alimentar em que é cada vez maior a importância de organizar um modelo alternativo. Os alimentos estão cada vez mais caros nos supermercados, e apesar da produção atual de comida ser suficiente para alimentar toda a humanidade, uma em cada sete pessoas no mundo passa fome, conforme o Relatório anual da Agência da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Soma-se a isso o fato de o Brasil ser o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, uma média de 5,2kg de veneno ingerido por habitante.


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