Jose Antonio Moroni
Luciano Santos
Muito se fala na Reforma Política, mesmo que de forma limitada, focando apenas no seu aspecto eleitoral. Nesta lógica não se discute, por exemplo, como alicerçar o poder na soberania popular e não apenas no poder da re- presentação. Como fortalecer mecanismos de deliberação direta pela população e a participação popular, como democratizar a informação e a comunicação e muito menos a democratização do sistema de justiça (Poder Judiciário, Ministério Público, Defen- soria Pública, Ouvidorias e os aparatos de segurança, especialmente as polícias).
Mesmo assim, avançamos muito pouco no que diz respeito à democratização do processo eleitoral. Temos sim a liberdade partidária, que se confunde com a pro- miscuidade na fundação de partidos com vistas às negociatas do tempo de TV e rádios, eleições periódicas assumindo quem ganha (apesar de que até isso está em perigo). Mas, se olharmos nosso sistema eleitoral, vamos perceber que o poder emanado desse sistema é praticamente hereditário, vitalício, arcaico, machista, homofóbico e racista, tudo isso pra sustentar nos espaços de poder uma determinada classe, que entrega os anéis para não perder os dedos.
Há três fatores principais que inviabilizam a democratização do processo elei- toral: a forma como escolhemos os/as representantes, o poder da mídia e o poder eco- nômico. Por democratização do processo eleitoral entendemos as condições, regras e normas que possibilitam uma “certa igualdade” nas disputas eleitorais. Pelas regras atuais, vivemos justamente o oposto disso.
Um dos elementos essenciais da não democratização do processo eleitoral é a forma como elegemos nossos/as representantes para o parlamento. Temos um sis- tema de lista aberta, em que os partidos apresentam suas candidaturas (não se sabe ao certo quais os critérios usados na escolha) e o eleitor e a eleitora votam num nome. Parece algo democrático, mas não é por várias razões. Uma delas é que as di- versas candidaturas não têm as mesmas condições de disputas (cada candidato faz os seus acordos com os financiadores privados, e lógico que depois vem a conta). Como cada candidatura busca o seu financiamento, a tendência é que esse financia- mento reproduza os preconceitos e as relações de poder existentes na sociedade, con- forme descrevemos acima. Aí esta uma das explicações de por que “se muda” para que as coisas permaneçam onde sempre estiveram. Nesse sentido, foi tirado da po- lítica o seu poder de transformações e lhe concedeu o poder de conservação, conser- var as coisas como sempre foram. Nessa forma de escolha não tem lugar para a representação dos sujeitos sociais e políticos que não estão no centro da engrenagem: mulheres, população negra, povos indígenas, juventude, pessoas homoafetivas, a não ser que pertençam a famílias e grupos que sempre estiveram no poder. Com raríssi- mas e cada vez menos exceções.
Para essa engrenagem funcionar por tanto tempo e sem grandes fissuras, é ne- cessário que se tenha um aparato que a legitime e mantenha os questionamentos do- mesticados. Quem cumpre esse papel hoje no Brasil são as diferentes mídias, que por sua vez são controladas por oito famílias que se sustentam economicamente graças à publicidade do Estado e dos grupos empresariais que financiam as eleições.
O poder econômico não apenas distorce, mas inviabiliza a soberania popular. Basta analisar o financiamento das campanhas eleitorais e a desigualdade abissal entre as candidaturas. Essa desigualdade é o que determina os resultados eleitorais (com cada vez menos exceções, que apenas confirmam a regra). Esse processo compromete o ca- ráter democrático das eleições. Nesse sentido, o processo eleitoral, ao mesmo tempo em que reproduz as desigualdades presentes na sociedade, é um elemento essencial na sua reprodução e perpetuação. Não é à toa que temos um parlamento essencialmente masculino, branco, proprietário, etc. Em outras palavras, mulheres, negros e negras, povos indígenas, juventude, pobres estão sub-representados nos espaços de poder.
Nas eleições para deputados e deputadas de 2010 e 2014, as candidaturas eleitas (9,89% em 2010 e 8,84% em 2014) utilizaram 55,34% e 55,07% dos recursos totais de campanha respectivamente. Ou seja, menos de 10% do total das candidaturas eleitas consumiram mais da metade de todos os recursos disponíveis. Em outras palavras, com raras exceções, se elege quem tem muito dinheiro.
Para enfrentar essa questão central no nosso sistema político, que é o financia- mento empresarial das campanhas e dos partidos e em coerência ao projeto de reforma política que está sendo trabalhado por mais de cem entidades formando a Coalizão da Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, em 05/09/2011, a OAB, com o apoio de várias organizações e movimentos, ajuizou a Ação Direta de Inconstitucio- nalidade no 4.650 que visava afastar o financiamento de empresas do processo eleitoral, tendo tido uma tramitação tumultuada por conta do pedido de vista do ministro Gil- mar Mendes que segurou o processo por quase dois anos, mas que ao final foi julgada procedente, afastando o financiamento empresarial nas eleições.
O Congresso, especialmente a Câmara dos Deputados, por meio de seu presi- dente atual, que insistentemente tentou viabilizar a manutenção do financiamento por empresas, em várias oportunidades aprovou projetos que mantinham o financiamento, tentando manter viva a captação de mandatos via poder econômico. Foi barrada por veto presidencial a lei aprovada e também pelo julgamento do STF que considerou in- constitucional o financiamento por empresas.
Vencemos uma batalha, mas ainda não está resolvido. No Senado ainda tramita a PEC que discute assuntos referentes às eleições e especialmente o financiamento, que ainda aguarda um fechamento. De toda forma, teremos no próximo ano, nas eleições municipais, uma boa oportunidade de experimentar uma eleição sem o financiamento das empresas. Esperamos que com criatividade e diminuição dos gastos possamos ter uma eleição mais igualitária e menos excludente.