Eleições em dois andares

Por João Paulo Cunha*

 

 

A proibição do financiamento empresarial de campanha foi vista por todos como um avanço, uma trava no processo de corrupção e de domínio do poder econômico nas eleições. Não chegou – longe disso – a ser sequer o ensaio para a necessária reforma política, que aguarda uma Constituinte exclusiva, mas apontou um caminho. Mesmo com os riscos do caixa dois ou da elitização dos candidatos capazes de bancar suas campanhas, a barreira à influência das corporações interessadas em manter uma relação de proximidade e parasitismo com o Estado estabelece um novo padrão.

No entanto –  e a movimentação em torno das eleições para prefeito este ano é uma prova incontestável –, parece que pouca coisa mudou no andar de cima da política. Partidos, candidatos, lideranças e coligações interessados em conquistar prefeituras e câmaras, vêm tratando as eleições com o mesmo modelo verticalizado e autoritário de sempre, na qual o eleitor é apenas um detalhe. Se perderam a operação financeira que garantia o método, nem por isso abriram mão da forma autoritária como conduzem o processo.

Em outras palavras, debatem internamente e por meio de seus canais de comunicação, a imprensa familiar incluída, quem serão os possíveis candidatos, sem se preocupar com a ligação com a sociedade. A proibição do uso de dinheiro de empresas nas campanhas vai possibilitar a reviravolta de todo o jogo. Mudam não apenas as formas de financiamento, mas a maneira como as demandas devem chegar até os partidos e caciques políticos.

Mas para isso a população, os movimentos sociais e todos os setores interessados no processo de aprimoramento político precisam entrar em campo com outro comportamento. Não cabe mais aos próprios profissionais da política e seus marqueteiros definirem o que será disposto ao juízo do eleitor frente à urna. A sociedade precisa virar a mesa e mostrar aos partidos sua real inspiração: ser representante. A levada popular das campanhas, com a retirada do poder econômico, só se estabelecerá como verdadeiramente democrática se fortalecer o presença direta do cidadão-eleitor.

O que se tem visto até agora, mesmo com a mudança na sustentação garantida pela grana carimbada, é a permanência dos mesmos mecanismos vigentes até a última eleição. Os partidos escolhem por cima, fazem suas contas, avaliam seus nomes, usam as eleições como escada para outros interesses, sopesam o valor do candidato de acordo com seus propósitos de longo prazo. O poder do eleitor, até agora, é apenas uma hipótese a ser testada posteriormente por pesquisas.

Em Minas Gerais, por exemplo, dos dois lados do espectro político, esse jogo de mesmice já está em pleno andamento. Aécio Neves (PSDB) entra na trama da eleição para prefeito de Belo Horizonte com o claro propósito de conquistar o eleitorado que o derrotou na última campanha presidencial. Não está nem aí para a administração da capital, para seus muitos problemas e sonhos de uma cidade melhor, seu objetivo é mostrar que recuperou prestígio que seu ego julgava granjear, para manter-se respirando até a decisão interna de seu partido sobre a próxima eleição para presidente.

O governador Fernando Pimentel (PT), por sua vez, que já foi prefeito de BH e sabe o que isso significa, tem deixado de lado o protagonismo esperado por um governador junto a seu partido, que parece não dar a devida atenção à nobre tarefa de administrar uma das maiores cidades do país ou a submete à conveniências ditadas pela conjuntura adversa. De um lado, interesse vazio; de outro, vazio de interesse. Nos dois casos, a cidade está ficando em segundo plano.

Se os atores que representam o lado convencional da política não perceberam que a mudança no financiamento vai interferir na prática do debate político, azar o deles. Enquanto a reforma política não vem, cabe à cidadania trazer o novo cenário para os interesses da sociedade. Temos tudo, desta vez, para mudar o fluxo da definição das campanhas, incluídos aí os candidatos. Caberá aos partidos construir novos modelos de representação, partindo das demandas construídas historicamente pela base social, ou então perder o bonde da história.

A tarefa dada aos movimentos populares é dar as cartas nesse novo jogo de forças e dirigir as campanhas em torno de propostas, compromissos e ampliação de espaços de participação direta. Não de nomes que buscam apenas aumentar sua cotação no mercado político. Movimentos como “A cidade que queremos”, com sua capacidade de mobilização e transversalidade, têm irrigado essa perspectiva com inovações políticas, que têm tudo para inspirar novas formas de ativismo. Estamos precisando.

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