“O meu povo está sofrendo genocídio no Brasil”, afirmou líder indígena em audiência na OEA

 

Organizações da sociedade civil cobraram a responsabilidade do Estado brasileiro sobre o massacre de indígenas durante uma audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh), da Organização dos Estados Americanos (OEA).  A atividade ocorreu nesta terça-feira (20), em Washington, nos Estados Unidos.

As entidades tiveram o objetivo de apontar o Estado como conivente com a morte dos povos indígenas. Apenas em 2014, o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), registrou 138 assassinatos e 135 casos de suicídios.

O Cimi também registrou, no ano passado, 118 casos de omissão e morosidade na regulamentação de terras indígenas. No Pará, estado com o maior número de casos, o não reconhecimento destas terras tradicionais está diretamente ligado às intenções do governo federal em construir grandes hidrelétricas, como é o caso da usina São Luiz do Tapajós.

Genocídio

“O meu povo está sofrendo genocídio no Brasil. A demarcação das nossas terras continua paralisada pelo Estado brasileiro. Fazendeiros atacam nossas comunidades com milícias fortemente armadas. A nossa sobrevivência enquanto povo e do nosso bem viver está ameaçada”, afirmou Eliseu Lopes, líder Guarani-Kaiowá, na audiência. “Imploramos aos comissionados que pressionem o Estado brasileiro a demarcar nossas terras”, conclui em sua intervenção.

Lindomar Terena, membro do conselho do povo Terena, declarou que “a opção política do governo brasileiro se manifesta também pelo incentivo à expansão do agronegócio no país”. “Essa expansão do agronegócio ocorre também sobre os nossos territórios tradicionais”, disse.

Ele ainda denunciou a atuação de milícias armadas contra os povos indígenas. “Somente contra os Guarani-Kaiowá foram 15 ataques paramilitares nos últimos dois meses”, apontou, completando que também sofrem fortes ataques os Patoxó, na Bahia, e povos do Maranhão, “que veem suas terras queimadas e devastadas por madeireiros”. “Não vemos iniciativas do governo brasileiro em investigar e punir essas milícias”, protestou.

Solicitando a presença da Comissão Interamericana de Direitos Humanos na mediação dos conflitos no Brasil, a juíza da Associação Juízes para a Democracia (AJD), Kenarik Boujikian, afirmou emocionada: “Nós estamos falando de crianças na beira das estradas, de jovens se suicidando. Estamos falando de fome! Por isso nós pedimos a presença da comissão no Mato Grosso do Sul”.

Outra pauta trazida pelos indígenas foi o boicote aos produtos dos latifundiários sul-matogrossenses, como a soja, o arroz, a carne, entre outros. “Pedimos o apoio ao boicote de importação de produtos agrícolas oriundos do estado do Mato Grosso do Sul. Esses produtos estão manchados com o sangue indígena. Não compre, não consuma”, defendeu Lindomar Terena.

Resposta do Estado

Os representantes do Estado brasileiro responderam que “apesar da maioria das terras indígenas já terem sido demarcadas, há ainda áreas que não o foram. Principalmente territórios de ocupação mais antiga, como os do Mato Grosso do Sul”. Eles explicaram a dificuldade no processo de demarcação devido ao fato de muitos fazendeiros possuírem títulos de domínio do território regularmente expedidos pelo poder público.

Ainda foi informado pelo Estado que estão sendo elaborados estudos pelo Ministério da Justiça sobre a situação, que serão apresentados no próximo mês de dezembro com as propostas de soluções. Mesas de diálogo específicas para cada estado do país também foram criadas pelo governo.

A disputa pelo território foi apresentada e reconhecida como a principal causa dos conflitos entre fazendeiros e indígenas pelos representantes do Estado brasileiro. Também foi acrescentado que os suicídios dos jovens estão relacionados ao problema fundiário.

Judiciário e Legislativo

As entidades denunciaram a atuação dos poderes da República contra a causa indígena. O Judiciário, nas recentes decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), anularam atos administrativos do Poder Executivo sobre demarcação das terras indígenas Guyrarokpá (do povo Guarani-Kaiowá) e Limão Verde (dos Terena), no Mato Grosso do Sul, e Porquinhos (dos povos Canela-Apãniekra), no Maranhão.

Sobre os direitos indígenas, o Legislativo, por sua vez, segue com projetos como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que transfere do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar terras indígenas, titular territórios quilombolas e criar unidades de conservação ambiental, além do Projeto de Lei 1610/96, que permite a exploração mineral em terras indígenas.

Para a advogada Raphaela Lopes, da Justiça Global, a audiência foi um momento para mostrar as violências que o Estado brasileiro, muitas vezes em associação com entes privados, tem cometido contra o direito à terra e ao território de grupos indígenas e comunidades.

“A paralisação nos processos demarcatórios de terras indígenas é um elemento crucial na perpetração de ofensas contra a vida e integridade física e psicológica de povos indígenas. O Estado brasileiro precisa ser responsabilizado”, disse.

O pedido da audiência foi feito pela Associação Comunitária dos Moradores do Pequiá (ACMP), Associação Juízes para a Democracia (AJD), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rede de Ação e Informação “Alimentação Primeiro” (Fian), Federación Internacional de Derechos Humanos (Fidh), International Alliance of Inhabitants (IAI), Justiça Global, Justiça nos Trilhos, Plataforma Dhesca e Vivat International.

Segundo Cleber Buzzato, secretário executivo do Cimi, o recurso junto a OEA busca chamar a atenção deste organismo internacional para a violência contra os povos indígenas e que ele possa identificar a responsabilidade do Estado brasileiro quanto a esta situação.

“Denunciamos o alto índice de assassinatos, suicídios, a paralisação de demarcação das terras indígenas, invasões, ataques paramilitares contra os direitos fundamentais dos povos indígenas que se dão em função dos interesses financeiros de grandes corporações empresariais, muitas delas multinacionais do agronegócio e da mineração, que atuam para ampliar a invasão e exploração das terra indígenas”, pontuou.

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