Reformas do Judiciário: sem debate público não construiremos o Judiciário que precisamos

 

Reformas do Judiciário: sem debate público não construiremos o Judiciário que precisamos

Luciana Cristina FurquimPivato – Terra de Direitos e JusDh

Allyne Andrade – Ação Educativa e JusDh

 

Como fica o processo de nomeação de ministros(as) do STF?

A substituição do ministro Joaquim Barbosa por Luiz Edson Fachin, nomeado no último dia 25 de maio, teve grande repercussão na imprensa nacional. A realização do debate público sobre as substituições de ministros(as) da mais alta Corte do país é uma das lutas das organizações que se reúnem na Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh). Mas não é possível deixar de registrar a preocupação com o casuísmo político que tem colocado as reformas dos procedimentos nas páginas dos grandes meios de comunicação do país.

Desde 2011, a JusDh tem reivindicado reformas nos procedimentos que orientam as indicações com objetivo de garantir a criação de mecanismos democráticos que permitam a participação popular. Além de produzir e difundir informações, as organizações têm replicado duas estratégias: o encaminhamento das Cartas Abertas à Presidência da República – documentos que pedem a regulamentação do processo de nomeação e indica alternativas para a construção de um procedimento republicano, transparente e com participação popular; e a incidência nas sabatinas dos(as) indicados(as) – por meio do envio aos senadores de perguntas para serem apresentadas aos(as) candidatos(as).

A última Carta Aberta, contou com a adesão de mais de 50 organizações e movimentos sociais e apresentou um pedido de criação de um procedimento republicano e democrático para escolha dos próximos ministros e ministras do STF, o qual deveria ao menos incluir as seguintes etapas: 1) Chamada pública de candidaturas; 2) Disponibilização no portal eletrônico da Presidência da República dos nomes e antecedentes curriculares das candidaturas que se encontrem em consideração pela Presidência; 3) Abertura de prazo para consulta pública a respeito dos pré-candidatos e publicização das informações; 4) Elaboração e publicação de relatório final que justifique a escolha do candidato ou candidata que será submetido à sabatina do Senado.

Criar ou alterar as regras que determinam a composição da mais alta Corte de Justiça do país não é tarefa fácil, que pode se dar sem um amplo debate público. São preocupantes as recentes notícias sobre a movimentação do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que criou uma comissão especial para apresentar parecer sobre as propostas de Emendas Constitucionais em tramitação na Câmara. O episódio da PEC da Bengala –PEC 457/2005), que alterou o artigo 40 da CF e ampliou a idade para aposentadoria compulsória dos ministros(as) de 70 para 75 anos, que foi aprovada apesar das diversas críticas apresentadas por setores da própria magistratura, OAB, organizações da sociedade civil, academia, etc. serve de alerta à sociedade brasileira que pode ser novamente alijada da necessária discussão sobre as alterações pretendidas no processo de composição do tribunal que tem a função de garantir o respeito à Constituição Federal do país.

A PEC 473/01, do ex-deputado federal Antônio Carlos Pannunzio (PSDB/SP), a mais antiga das medidas que discutem o tema, é a principal proposta em discussão na Comissão Especial da Câmara criada para analisar a questão. Outras seis PECs estão apensadas a ela, e também sugerem novas regras para composição do STF: 566/02, 484/05, 342/09, 393/09, 434/09 e 441/09.

Conheça as principais propostas em discussão na Câmara e no Senado:

PEC 17/2015, Blairo Maggi (PR/MT): Fixa prazo de 180 dias para que a Presidência faça a indicação. Após o prazo, a indicação é transferida para o Senado.

PEC 473/01, Antônio Carlos Pannunzio (PSDB/SP): Estabelece que a competência para a indicação dos ministros do STF passe a ser alternada entre Presidência da República e Congresso.

PEC 484/05, João Campos (PSDB/GO): Dispõe que os ministros do Supremo Tribunal Federal serão escolhidos pelo Congresso Nacional, não podem ter exercido mandato eletivo, cargo de ministro de Estado ou de presidente de partido político por um período de quatro anos após o afastamento, e se tornam inelegíveis pelo mesmo prazo, a partir do afastamento efetivo de suas funções judiciais.

PEC 342/09, Flavio Dino (PCdoB/MA): Estabelece critérios para a escolha dos ministros do STF; fixa o mandato de 11 anos e veda a recondução.

PEC 393/09, Julião Amir (PDT/MA): Cria um Conselho Eleitoral para escolher os ministros do Supremo Tribunal Federal.

PEC 434/09, Vieira da Cunha (PDT/RS): Determina que a indicação seja feita em lista sêxtupla, elaborada pelo próprio STF, com nomeação pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha por três quintos do Senado Federal.

PEC 441/09, Camilo Cola (PMDB/ES): Determina que as novas vagas sejam ocupadas pelo decano do Superior Tribunal de Justiça.

PEC 566/02, deputado federal Alceu Collares (PDT/RS): Estabelece que é competência exclusiva do plenário do Supremo a escolha dos seus integrantes. Um terço deles de cidadãos que preenchessem os requisitos constitucionais, um terço dentre os integrantes da magistratura e o terço restante seria destinado, em sistema alternado, à Ordem dos Advogados do Brasil e ao Ministério Público.

PEC 92-A/95, Nicias Ribeiro (PSDB/PA): Determina que os novos ministros sejam escolhidos dentre os integrantes dos tribunais superiores.

PEC 03/2013, Fernando Collor de Melo (PTB/AL): Sugere que o número de ministros suba de 11 para 15 e que a idade máxima também seja elevada de 70 para 75 anos.

PEC 44/2012, senador Cristovam Buarque (PDT/DF): Estabelece a criação de um grupo responsável pela escolha do nome, formado por dois indicados pelo Ministério Público Federal, dois pelo Conselho Nacional de Justiça, um pela Câmara dos Deputados e um indicado pela OAB.

Os mecanismos sobre nomeações para ministros da alta cúpula do Judiciário não podem ser resolvidos à margem da sociedade. Para a JusDh, esses procedimentos, assim como outros temas relacionados à administração da justiça, devem ser trazidos para uma ampla e transparente discussão com a sociedade, pois são temas de interesse público, com impactos para o avanço ou não da democracia brasileira.

Participação Popular na Sabatina: a sociedade precisa participar da escolha dos ministros

A sabatina, por sua vez, é um momento importante do processo de escolha dos(as) novos(as) ministros(as), pois, na legislação atual, é a única fase que pode permitir à sociedade conhecer os posicionamentos e as capacidades dos(as) candidatos(as). Em 2011, por ocasião da sabatina do ministro Luiz Fux, diversas organizações protocolaram na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) ofício requerendo alteração no regimento do Senado, para incluir formas de oitiva da sociedade. Dentre os pedidos, estava a realização de consulta e audiência pública para que a sociedade possa apresentar informações e perguntas ao(a) candidato(a). Algumas dessas reivindicações foram apresentadas pelo senador Roberto Requião, no Projeto de Resolução 02/2011, que acabou sendo arquivado no final daquele mesmo ano. Em 2013, foi aprovada a Resolução n.º 41, modificando o regimento interno do Senado, garantindo que as indicações sejam acompanhadas dos currículos dos candidatos(as) e permitindo à sociedade o envio de informações e perguntas ao(à) candidato(a).

A sabatina de Fachin foi a mais longa das já realizadas nos processos de substituição de ministros(as) do STF, chegando a quase 12 horas de duração. Apesar disso, os mecanismos de participação popular no momento da indicação ainda são frágeis e os questionamentos levados aos(às)candidatos(as)ficam restritos aos interesses dos parlamentares e dos grupos políticos que estes representam. Assim, é importante que as mudanças conquistadas no regimento interno do Senado sejam aperfeiçoadas e difundidas para que se garanta a participação de toda a sociedade.

Reforma da Lei Orgânica da Magistratura: oportunidade ou risco de retrocessos?

A Loman dispõe sobre a estrutura, a composição, a organização e o funcionamento dos órgãos do Poder Judiciário e institui o Regime Jurídico da Magistratura Nacional, o que traz impactos diretos e indiretos tanto no orçamento do país quanto na concretização de nossa democracia. Atualmente, está em vigência a Lei Complementar nº35/1979, feita sob a égide do regime ditatorial e claramente defasada em relação aos anseios da sociedade civil e dos avanços institucionais vivenciados pelo Estado brasileiro na redemocratização e aos direitos consagrados pela CF/88.

Em fevereiro de 2013, foi instituída pelo presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, a Comissão de Estudo e Redação de Anteprojeto de Lei Complementar sobre o Estatuto da Magistratura, por meio da Portaria 47.  No final de 2014, a impressa brasileira divulgava a minuta do anteprojeto, que altera a Loman. De acordo com as informações divulgadas, o novo estatuto deve ser remetido pelo ministro Ricardo Lewandowski, atual presidente do STF, ao Congresso Nacional em 2015.

Infelizmente, da análise do projeto ventilado na imprensa, já é possível entender que o cenário que se avizinha não é bom, pois passa ao largo das discussões da sociedade civil sobre o processo de reforma e democratização do sistema de justiça. Em razão disso, a JusDh solicitou que fosse instaurada uma consulta pública para discutir o projeto.

O projeto contém inúmeros adicionais e benefícios financeiros aos juízes, em flagrante contraste com a realidade da maioria da população brasileira, concedendo benefícios exagerados como auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-transporte, auxílio plano de saúde e auxílio para despesas escolares, caso o magistrado tenha dependentes.

Um segundo problema da minuta seria a inexistência de previsão de instrumentos de oitiva da sociedade sobre temas de interesse público e natureza coletiva, para efetivar maior controle e participação social no Judiciário.  Para que a reforma da Lei Orgânica da Magistratura represente um avanço no que diz respeito ao desenho institucional no âmbito do sistema de justiça é preciso que haja ampla consulta popular.  É preciso ainda alterar a estruturas hierárquicas do Poder Judiciário.   A estipulação de ouvidorias externas, a partir de processo de consulta à sociedade civil organizada, a exemplo do disposto na Lei Orgânica da Defensoria Pública, alterada pela LC 132/09, representaria um avanço fundamental no que diz respeito ao desenho institucional no âmbito do sistema de justiça.

Uma terceira preocupação é o enfraquecimento do papel do Conselho Nacional de Justiça.  O CNJ possui um importante papel de espelho institucional para iniciativas de democratização, planejamento estratégico e execução da política pública de justiça para todo o Poder Judiciário. A investigação de denúncias contra magistrados, independentemente da corregedoria local, foi restringida, assim como a proibição aos conselheiros que não são magistrados de interrogarem e julgarem juízes em processos disciplinares. É importante lembrar que essa restrição já foi discutida pelo STF que firmou a tese da possibilidade de investigação pelo CNJ. Essa minuta representaria um retrocesso para o sistema de justiça de nosso país.

 

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