Empresas recuperam em contratos até 39 vezes o valor doado a políticos

 

“É política de boa vizinhança. Evidentemente quando você apoia um partido ou um candidato, no futuro eles vão procurar ajudá-lo”, afirmou o empresário Cristiano Kok, da empreiteira Engevix, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. A empresa está envolvida no esquema de corrupção investigado pela Lava Jato, e um dos sócios está preso há mais de três meses. Os números parecem concordar com o argumento de Kok: o estudo ‘The Spoils of Victory’ (‘Despojos da Vitória’, em tradução livre), feito por pesquisadores de três universidades dos Estados Unidos, concluiu que as empresas que financiaram candidatos a deputado federal do PT nas eleições de 2006 receberam entre 14 e 39 vezes o valor doado por meio de contratos com o poder público nos anos subsequentes.

 

A pesquisa, publicada em 2014, cruza os dados oficiais de doações para as campanhas e os contratos obtidos pelas empresas nos anos seguintes – sem levar em conta eventuais pagamentos ilegais. Segundo os autores, não foi possível estender o estudo para Governos anteriores por falta de dados públicos confiáveis, e não foi encontrada correlação entre doações e contratos envolvendo outros partidos. “Este modelo de financiamento de campanha que favorece doadores é comum em todas as nações em desenvolvimento”, afirma Taylor Boas, professor de ciência política na Universidade de Boston e um dos autores do estudo. Para ele, isso ocorre porque nestes países o Estado de Direito tende a ser mais fraco, e o processo de orçamento público mais facilmente manipulável, assim como as licitações, ainda que nenhuma grande democracia, quer a França ou os EUA, estejam a salvo das polêmicas e escândalos envolvendo doações de campanha e influência desproporcional no processo político.

 

Nos países em desenvolvimento os problemas se agravam, de acordo com Boas, porque eles têm poucas leis que regulamentem as doações de campanha. “No Brasil o limite para a doação corporativa é de 2% de seu faturamento bruto anual. Isso é um valor muito alto já que estamos falando de grandes empresas”, diz. A influência das grandes empresas brasileiras, com atuação internacional em especial na América Latina e na África, não se restringe às eleições brasileiras. Segundo o cientista político, “a Odebrecht foi uma das maiores doadoras para a campanha do candidato à presidência do Panamá Ricardo Martinelli em 2011”. Após a vitória do candidato a empresa obteve “o maior contrato de obra do país até então: o metrô da Cidade do Panamá”.

 

“No Brasil o limite para a doação corporativa é de 2% de seu faturamento bruto anual. Isso é um valor muito alto já que estamos falando de grandes empresas”

Quatro investigadas pela Lava Jato estão entre as maiores doadoras das bilionárias eleições brasileiras de 2014: Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão. Juntas, elas injetaram 353 milhões de reais nas campanhas de dezenas de candidatos e comitês partidários de várias legendas. O ‘retorno’ do investimento não tardou: apenas nos três primeiros meses deste ano estas empresas já receberam em pagamentos diretos do Governo Federal a quantia de 142 milhões de reais.

 

Comportamento diferente

“As grandes empresas têm um comportamento diferente nas eleições proporcionais e nas majoritárias”, afirma o cientista político Wagner Pralon Mancuso, da Universidade de São Paulo. Segundo ele, nas majoritárias a tendência é que elas doem para todos os candidatos que têm chance de serem eleitos. “As empresas da Lava Jato, por exemplo, doaram quantias muito parecidas para o Aécio e para a Dilma”, diz. Reportagem do jornal O Estado de São Paulo deste domingo revela que o conjunto de 21 empresas investigadas pela Lava Jato foi responsável pela doação de 40% dos recursos privados destinados aos cofres do PT, PMDB e PSDB entre os anos de 2007 e 2013. Foram 321 milhões de reais para os diretório nacional do PT, 137,9 milhões de reais para o PSDB e 97,6 milhões de reais para o PMDB. Esses valores não levam em conta nem as doações feitas diretamente a candidatos, nem os recursos doados para as eleições no ano passado.

 

Quando se tratam de eleições para deputados federais e senadores, as empresas doam principalmente para candidatos com “capital político testado, que disputam a reeleição. Assim elas aumentam as chances de acerto”, afirma Mancuso. Esse comportamento dificulta a renovação do Congresso, já que os parlamentares que estão eleitos possuem uma base de financiadores já definida: 60% dos candidatos foram reeleitos em 2014.

 

Os parlamentares contam ainda com outro instrumento para beneficiar as empresas doadoras: as emendas orçamentárias, que segundo o site do Senado são uma possibilidade para que os congressistas possam “influir na alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram durante seu mandato”. Na prática, segundo Luciano Caparroz Santos, advogado especialista em Direito Eleitoral e um dos fundadores do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE), que esteve à frente do projeto da Ficha Limpa, as emendas são uma maneira de “favorecer doadores de campanha, oferecendo obras nos redutos eleitorais com a finalidade de agradar as empresas”. Cada parlamentar pode apresentar até 25 emendas totalizando 10 milhões de reais.

 

Um exemplo dessa prática irregular é o caso do ex-deputado federal João Caldas da Silva (PEN-AL), que foi condenado em 2014 pelo escândalo conhecido como a ‘máfia das ambulâncias’. O Ministério Público Federal alegou que Silva direcionava emendas orçamentárias para determinados municípios com o objetivo de favorecer empresários e companhias que doaram para sua campanha. Os preços eram superfaturados em até 120% com relação a valores de mercado, com prejuízos estimados em 110 milhões de reais para os cofres públicos.

 

 

Para o cientista político Mancuso, nem sempre o parlamentar precisa beneficiar explicitamente um doador. “Muitas vezes basta que ele peça vista [tempo para examinar] para atrasar um projeto de lei que prejudica os interesses de um doador”, afirma. Outra maneira apontada pelo professor é a apresentação de emendas a um determinado projeto de lei para beneficiar a empresa: “Muitas vezes o texto não foi nem escrito por ele. É comum vários deputados apresentarem a mesma emenda, igualzinha, enviada pela companhia interessada”. Tudo isso dentro da legalidade.

 

“Existem dois tipos de relação financeira entre doadores e políticos: um são os contratos oferecidos para uma empresa de obras públicas, e os outros são o financiamento”, afirma Mancuso. As companhias que não fazem obras “recebem [como moeda de troca] financiamento de bancos públicos”, segundo ele. A JBS, empresa do ramo de frigoríficos, foi a maior doadora das eleições no ano passado. A empresa já recebeu, desde 2005, ao menos oito bilhões de reais em empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Social, o BNDES. A empresa alimentícia nega qualquer ligação entre as doações a políticos e os financiamentos.

 

Um dos resultados deste modelo corporativo de financiamento e um dos pontos centrais na discussão da reforma política, é a formação de bancadas no Congresso (grupos de parlamentares que atuam no Senado e na Câmara) para favorecer os interesses de um determinado setor do mercado. Para Santos, este é outro efeito problemático das doações: “Quando alguém vota em um determinado candidato não sabe que o cara recebeu dinheiro de determinada empresa e que vai defender os interesses da companhia”. Estes dados só estarão disponíveis semanas depois do pleito, impossibilitando que o eleitor saiba exatamente quem está financiando seu deputado ou senador.

 

Debate e reforma política

Desde o final de 2013 o Supremo Tribunal Federal (STF) julga uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil que pede a proibição do financiamento eleitoral por empresas. Seis ministros foram favoráveis ao veto, mas a votação foi interrompida por dois pedidos de vista, de Teori Zavascki, que votou contra a proibição, e de Gilmar Mendes. Recentemente Mendes afirmou que não cabe ao Supremo legislar sobre o assunto, e que a matéria cabe ao Congresso. Nesta quarta, um grupo fez uma vigília diante do Supremo em Brasília pedindo que Mendes prossiga com o julgamento do tema.

 

O PT tem defendido o fim do financiamento privado de campanha, mas o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já se manifestou ser contrário à extinção da modalidade. Críticos das investigações da Lava Jato tem dito que procuradores e juízes estão criminalizando doações legais de campanha. Já um dos mais importantes pilares do caso, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que aderiu ao regime de delação premiada, disse em depoimento: “Doação oficial é balela”. “Todas as doações oficiais, seja oficial ou não oficial, não é doação, é empréstimo”.

 

No início de fevereiro foi instalada na Casa uma comissão especial de reforma política, cuja presidência foi oferecida por Cunha ao deputado oposicionista Rodrigo Maia (DEM-RJ). O texto que irá nortear as discussões é a Proposta de Emenda à Constituição 352/2013, escrita pelo ex-deputado Cândido Vacarezza (PT-SP), que constitucionaliza o financiamento privado de campanha.

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