O uso do linguajar religioso como apropriação indébita na Política

Talvez esta seja a eleição brasileira onde haverá a maior mobilização dos grupos religiosos, de diversos matizes, em todo o recente período democrático brasileiro. Diante dos desafios sociais e econômicos que vive o país, bem como pelo clamor da sociedade brasileira por uma autêntica reforma política, é impressionante observar que o discurso político está permeado de expressões que parecem transformar o eleitorado brasileiro em uma audiência a ser sensibilizada por expressões religiosas. 
 
Senão vejamos: discursos que invocam o novo no lugar do velho, de uma nova ordem no lugar da velha ordem, da boa política contra a má política, da família contra uma moralidade liberal, entre outros apelos discursivos que nos fazem pensar no que certos interlocutores políticos estão realmente querendo dizer. 
 
Sem dúvida, temos hoje um quadro em que as chamadas forças conservadoras de raiz religiosa tem mostrado a sua cara. E isso é bom porque podemos identificar os nexos causais destes discursos com uma pretensão de controle do Estado para fins privados de grupos religiosos. Saber até onde temos um projeto político coerente e laico é de fundamental importância para se fazer escolhas. 
 
O Brasil tem hoje uma sociedade que avança cada vez mais na direção de uma consciência política robusta, especialmente porque a redução da pobreza e o acesso à educação e à informação tem ampliado os níveis críticos dos cidadãos brasileiros. Mas ainda existe um forte nicho de pessoas que se ocultam por trás de estratégias discursivas  que escamoteiam os seus reais interesses. Muitas vezes, explorar a fé religiosa das pessoas é o caminho mais eficaz de esconder reais propósitos de manutenção de privilégios e de dominação ideológica em uma sociedade. 
 
Se quisermos ser radicalmente religiosos na vivência da cidadania, não podemos aceitar que exista a boa política contra a má política. Existe sim a política e ela deve ser julgada não pela perfeição da pessoa e nem pela perfeição do projeto. A política não se mede na sua qualidade pela filiação religiosa de seus atores, nem pelos discursos eivados de palavreado superficial e infantil da religião. A política tem apenas um único critério que mede sua eficácia: o bem estar da sociedade e o atendimento aos seus direitos básicos. Numa sociedade plural, com múltiplos sujeitos e com uma diversidade de cosmovisões, não se pode pretender que uma religião abarque toda a sua complexidade.  
 
Por isso vejo com olhos críticos esses messianismos que afloram aqui e ali entre os candidatos e candidatas a cargos eletivos. Costuma-se dizer que a fronteira entre a fé e o pecado é o poder. Ele é o grande teste de quem se diz pronto a salvar um povo. Política se constrói e se efetiva com programas práticos. Um programa político tem que dizer expressamente aonde quer chegar, como será trabalhado, com quem se trabalhará e quanto custará esta chegada. Ah! não se esqueçam também que pra realizar é preciso dizer de onde vem o dinheiro. 
 
A fé ou discurso religioso não é garantia de que as coisas vão acontecer como se pretende. Política pode até ser construída sobre sonhos, é verdade, mas a realização deles exigirá gestos concretos sem os quais a profissão de fé será vazia. Portanto, abram os olhos porque fé de mais pode significar feitos de menos!

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