Eleições 2020: Plataforma lança manifesto para fortalecer sistema político brasileiro

A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político – composta por mais de 110 movimentos, organizações, fóruns, coletivos e redes, atuando em conjunto para mudar a forma como o sistema político brasileiro está organizado – lança nesta semana um manifesto sobre o processo eleitoral de 2020, com o objetivo de envolver candidaturas, partidos e eleitores no enfrentamento dos desafios postos à democratização efetiva do poder político.

O documento parte da leitura política de que Jair Bolsonaro e muitos governadores foram eleitos em 2018 também como consequência de um sentimento anti-política, entendido como efeito da manutenção de um sistema político pouco democrático e representativo. “A velha forma de fazer política se mantém e se agrava, e a única ‘novidade’ que o bolsonarismo apresenta aos brasileiros é a truculência, a glorificação da violência, a discriminação de minorias políticas e o alinhamento internacional do Brasil com países ultraconservadores, tanto na economia quanto nos costumes, desconsiderando os tratados internacionais em direitos humanos firmados pelo Brasil, além de destruir a reconhecida diplomacia brasileira”, afirma a carta.

Para que esse processo não se repita no pleito de 2020, as organizações da Plataforma apontam medidas necessárias para aprimorar a representação e a participação nas instituições e fortalecer a democracia direta. Para além de questões relativas especificamente às eleições municipais, a Plataforma busca articular forças em torno de propostas de longo prazo para a reorganização do sistema político brasileiro.

No âmbito da representação, a rede defende a realização do voto em listas pré-ordenadas, organizadas de forma democrática pelos partidos políticos, garantindo a alternância de sexo e a participação de setores sub-representados nas legendas. Além disso, reforça que o financiamento das campanhas eleitorais deve ter critérios de partilha no interior dos partidos, no sentido de fortalecer candidaturas de setores sub-representados nos espaços de poder.

Em relação aos mecanismos de garantia da democracia participativa, as organizações defendem o fortalecimento dos espaços de participação para o controle das políticas e de recursos públicos – como conselhos e conferências –, garantindo mecanismos, inclusive financeiros, para o efetivo compartilhamento do poder de decisão. “Especialmente em relação a conselhos e conferências de políticas públicas, é necessária a criação de um sistema de participação popular que garanta efetividade às decisões tomadas nestes espaços e abarque todas as políticas públicas, não apenas as sociais”, apontam.

Quanto às formas de exercício de soberania popular expressas na Constituição Federal (plebiscito, referendo e iniciativa popular), a Plataforma sugere, por exemplo, que propostas de iniciativa popular sejam aceitas com o mesmo número de assinaturas exigido para se criar um partido político (o equivalente a 0,5% dos votos válidos para deputado federal na eleição anterior) – e não com 1% do eleitorado, como é hoje, e a coleta de assinaturas deve ser permitida de forma digital ou eletrônica. Além disso, defende que plebiscitos e referendos devem ocorrer sobre questões-chave, como acordos comerciais internacionais, grandes projetos de infraestrutura e outros elementos da política econômica.

O documento da Plataforma será divulgado entre candidaturas, partidos e eleitorado, de forma a proporcionar a ampliação do debate sobre transformações no sistema político no processo eleitoral. Além do manifesto, a Plataforma lançará, na próxima quinta-feira (15), uma campanha para discutir a sub-representação de grupos historicamente excluídos da política institucional.

Confira abaixo e aqui a íntegra do manifesto.

Manifesto da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político sobre o processo eleitoral de 2020

O Brasil vive sua pior crise. Atravessa, a um só tempo, uma pandemia que já vitimou mais de 140 mil pessoas e deixou mais de 4 milhões de pessoas doentes, enquanto vê a ampliação do desemprego, o aprofundamento das desigualdades sociais e econômicas, a alta dos preços dos alimentos e a proliferação de queimadas destruindo a Amazônia e o Pantanal.

Enquanto a atuação do governo federal faz o número de óbitos crescer a cada dia, suas políticas ultraneoliberais aceleram o processo de destruição de políticas públicas construídas nos últimos anos por pressão dos movimentos sociais e organizações. O projeto deste governo é a destruição de tudo o que possa apontar para uma sociedade mais justa, igualitária e democrática.

Se é importante encontrar saídas para que o governo de Bolsonaro e Mourão não mergulhe de vez o Brasil nas trevas, também é fundamental evitar que esse capítulo trágico – e esperamos que breve – da história de nosso país se repita.

Por isso, cabe lembrar que o atual mandatário do Executivo, deputados e governadores de diversos estados foram eleitos em 2018, em alguma medida, como consequência da judicialização da política e de um sentimento anti-política – efeito da manutenção de um sistema político pouco democrático, que nunca foi transformado a fundo no sentido de tornar as instituições representativas mais próximas da sociedade e mais independentes das forças de mercado e da forte influência do fundamentalismo religioso. 

A busca pela governabilidade em um sistema partidário fragmentado e pouco representativo das lutas populares, sem mecanismos de legitimação permanentes da participação popular, abriu espaço para que o fascismo chegasse ao poder como modelagem de algo “novo”. Este processo foi construído, em parte, nas “chamadas instituições democráticas” e respaldado pelas nossas elites brancas, arcaicas, conservadoras, concentradoras das riquezas – que se sentiram ameaçadas por um processo de inclusão das populações mais pobres e historicamente vulnerabilizadas realizado via políticas públicas e processos políticos mais democratizados, mesmo que limitados.  

A velha forma de fazer política se mantém e se agrava, e a única “novidade” que o bolsonarismo apresenta aos brasileiros é a truculência, a glorificação da violência, a discriminação de minorias políticas e o alinhamento internacional do Brasil com países ultraconservadores, tanto na economia quanto nos costumes, desconsiderando os tratados internacionais em direitos humanos firmados pelo Brasil, além de destruir a reconhecida diplomacia brasileira. 

Este projeto político de concentração de poder, de riquezas, militarizado, fundamentalista e elitista se articula para se capilarizar, cada vez mais, nos municípios. 

Neste sentido, a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político provoca as candidaturas deste pleito de 2020 a comprometer-se com o enfrentamento dos desafios relacionados à democratização efetiva do poder.

Entre estes desafios, destacamos: 

  • É preciso superar a sub-representação de setores sociais excluídos dos processos decisórios, como trabalhadores/as, as mulheres, as pessoas negras, os povos indígenas, a população LGBTQI+ e as juventudes periféricas. A dinâmica e as regras partidárias e eleitorais têm construído historicamente esta sub-representação como a marca mais visível da nossa democracia representativa. Defendemos a realização do voto em listas pré-ordenadas, organizadas de forma democrática pelos partidos políticos, garantindo a alternância de sexo e a participação de setores sub-representados. O financiamento das campanhas eleitorais precisa ser exclusivamente público, mas com critérios de partilha internamente aos partidos que fortaleçam as candidaturas de setores sub-representados nos espaços de poder. Um ponto fundamental é o enfrentamento do racismo nos processos eleitorais que se manifesta em pouco tempo de TV e rádio, pouco recursos financeiros, não acesso à máquina partidária por parte das candidaturas negras.  
  • Além de aperfeiçoar a democracia representativa, é preciso fortalecer os mecanismos de democracia participativa. Uma reforma efetiva do sistema político brasileiro vai muito além da reforma do sistema eleitoral. Deve-se extrapolar a vida partidária e colocar no centro das decisões políticas e econômicas a participação popular. A política não deve ser monopólio dos detentores de mandatos nem dos partidos, mas do conjunto da sociedade. Para isso, torna-se fundamental a ampliação dos espaços de participação, de decisões políticas, além do estabelecimento de políticas públicas de educação para a cidadania. Concretamente, isso significa desenvolver e fortalecer os espaços de participação para o controle das políticas e de recursos públicos – como conselhos e conferências –, garantindo-lhes mecanismos, inclusive financeiros, para o efetivo compartilhamento do poder de decisão. Especialmente em relação a conselhos e conferências de políticas públicas, é necessária a criação de um sistema de participação popular que garanta efetividade às decisões tomadas nestes espaços e abarque todas as políticas públicas, não apenas as sociais;
  • As formas de exercício de soberania popular expressas na Constituição Federal (plebiscito, referendo e iniciativa popular) precisam ser aprimoradas para que a participação popular nas decisões políticas não seja meramente simbólica. As regras sobre plebiscito e referendo devem ser alteradas para que fiquem sob controle da sociedade e não do Congresso. As propostas de iniciativa popular devem ser aceitas com o mesmo número de assinaturas exigido para se criar um partido político (o equivalente a 0,5% dos votos válidos para deputado federal na eleição anterior) – e não com 1% do eleitorado, como é hoje, e a coleta de assinaturas deve ser permitida de forma digital ou eletrônica. Também é necessário criar novos mecanismos de participação direta, como o veto popular. Além disso, plebiscitos e referendos devem ocorrer sobre questões chaves para a nação como acordos comerciais internacionais, grandes projetos de infraestrutura, e outros elementos da política econômica. Esta agenda pode e deve ser implementada nos municípios. Não há necessidade de começar por Brasília, pela esfera federal. Portanto, as candidaturas para as eleições de 2020 podem e devem se comprometer com estes pontos;

  • Essas transformações só se realizam se tivermos 1) um sistema público, plural e diverso de comunicação, baseado nos princípios da Constituição Federal de 1988, da liberdade de expressão para todos e todas e da transparência; 2) uma verdadeira reforma nos espaços públicos de decisão das políticas econômicas e 3) mecanismos de participação e controle social sobre o Sistema de Justiça, para que cumpra o papel  mediador  das relações sociais, econômicas e políticas;
  • Por fim, entendemos que todas as políticas públicas, sejam elas econômicas e/ou sociais, devem ser mecanismos de redistribuição de renda, de riquezas e do poder e devem zelar pelo respeito às dimensões socioambientais.

A Plataforma 

A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político é composta por movimentos, organizações, fóruns, coletivos e redes, institucionalizadas ou não, que, desde 2004, atua para mudar a forma como o sistema político brasileiro está organizado. Iniciou sua articulação a partir da crítica aos instrumentos de participação social, que têm baixo impacto na formulação e controle social sobre as políticas públicas.

Ao aprofundar este debate, contudo, foram identificados problemas anteriores à discussão sobre o sistema político em si, como a sub-representação de segmentos sociais historicamente  dominados e explorados, como mulheres, pessoas negras, povos indígenas, pessoas LGBTI+, da classe trabalhadora e das juventudes; o domínio do capital sobre a política e a corrupção eleitoral; o descrédito na política e a crise de representatividade; o funcionamento antidemocrático dos partidos políticos; a produção de falsos consensos pela mídia corporativa; a criminalização dos movimentos sociais e o autoritarismo do sistema de justiça, entre outros.

Tal análise ampliou nossa concepção sobre a política institucional e resultou na compreensão da necessidade de transformação radical do sistema político. Assim, no decorrer dos últimos anos, elaboramos coletivamente uma proposta de reforma em torno de cinco eixos: 1) fortalecimento da democracia direta; 2) fortalecimento da democracia participativa; 3) aprimoramento da democracia representativa: sistema eleitoral e partidos políticos; 4) democratização da informação e da comunicação e 5) democratização do sistema de Justiça. 

Em abril de 2019, um encontro nacional da Plataforma reuniu em Brasília centenas de pessoas para avançar na ampliação e capilarização do debate, que definiu a priorização de 11 temas a partir dos cinco eixos já historicamente estruturados:

1. Laicidade do Estado e Diversidade Religiosa

2. Economia e Democracia

3. Racismo e Poder

4. Democracia comunitária

5. Mulheres nos espaços de Poder

6. Sistema político e os direitos LGBTQI+

7. Poder Político e Juventudes

8. Esfera Pública Digital

9. Justiça Popular, Justiça formal e partidarização do sistema de Justiça

10. Direitos dos povos originários e tradicionais

11. Direito a Desobediência Civil

O elemento central da estratégia atual da Plataforma é a incidência no debate público, em especial no campo composto por forças democráticas e populares, sobre a democracia que queremos e a construção de um sistema político que a contemple.

Queremos capilarizar esse debate em interlocução com as iniciativas de movimentos sociais e coletivos autônomos nos territórios, dando retaguarda nacional a esta elaboração e reverberando nas estratégias de comunicação.

Nestas eleições, queremos dialogar também com candidaturas que, além de se colocarem contra o fascismo que vivemos, se comprometam também com a transformação real e radical do nosso sistema político. 

Brasília, outubro de 2020.

Confira a versão do Manifesto em língua Munduruku, feita pelo Professor Honesio Munduruku:

Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político bit teku adedem ip ojeweag͂u͂y ixik iayu͂, ite be kake 100 bodin ma organizaçãoyu͂ e soat ip democracia mu͂bacan ojuy’ayu͂ i iteyu͂ política esistema mu͂warurun ojuy ip Brasil be soat edireito mu͂bacanap ojuy, pu͂g͂pu͂g͂ ã kariwa’ayu͂ ata͂ ijoyu͂ kabia cedireitote i buye.

Ijop esemana Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político iat og͂u͂bapuk adede be jemanifesto, jag͂u͂y, ajo imu͂g͂e͂ pin eleição 2020 etempo bima iap.

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Jair Bolsonaro i ade governadoyu͂ ip eleitom o’e 2018 ekoato bima jewag͂u͂yg͂u͂y politica mu͂’u͂map kay, ime͂n ip yag͂u͂y osodop, xipat g͂u beku politica i ip yag͂u͂y. Ibo acoi ojebapuk politica esistema adede a’o͂ kug͂ yopi͂t a͂ buye, ya’o͂ baca’u͂mat puxim i ade g͂u dak representante kake osodop, i soat g͂u Brasil watwat osodop representanteyu͂ kug͂: bitku pu͂g͂pu͂g͂ i ma wuyjuyu͂mayu͂ cerepresentante kake ip ibe politica ibaca’at tag͂ i topayo͂n’ayu͂ erepresentante dak ime͂n ma.

Eleição 2020 bima ap pe am, Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Politico iat, jewag͂u͂yg͂u͂y dig͂ero mu͂po͂g͂po͂g͂ ap kay Fundo Partidário iat pe at, imu͂we’ut ojoy ayacayu͂ be am, topayo͂n’ayu͂ be am i wuyjuyu͂ be am tak, i soat pe am jewejojo i cekay imu͂po͂g͂po͂g͂ am, i dak soat candidatomayu͂ kay jewejojo ieebutap kug͂ soat tag͂ jewemu͂bapukam i jekuku am i.

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  • Soat em kuka ip oekuku ibe politica dag͂ jewemu͂bapukpug͂: ibe politica mu͂g͂e͂g͂e͂ ap mu͂bacacanam, ibo soat politicamat mu͂ju am xipan i ibe “recurso publico” mu͂ju am tak xipan ape͂nam cuk ixe ojeweum iap tag͂ – ape͂n cuk ibe conselhoyu͂ i conferenciayu͂ iat puxim.
  • Ajo ibo adede a’o͂ mu͂bacanam e’em Constituição Federal be iat mu͂bacanam (plesbicito, referendo e iniciativa popular iat) – iba’ore’at takatam ibe lei mu͂bapug͂ pima am adede a’o͂ be jewemu͂g͂e͂g͂e͂m iat pe am.
  • Jeku͂yjojom wuyju ibe soat “politica pública” be am jewemu͂g͂e͂g͂e͂m iat, ibe dig͂ero bem am e’em iat i adede be am e’em iat tak, ibo tog͂wi boku ie but soat mu͂po͂g͂po͂g͂ am, dig͂ero mu͂po͂g͂po͂g͂ am jewejojo i ibo bewi dak awaydip tak tiptaxijo but.

Iju Plataforma edocumento jewemu͂bapuk candidatoyu͂ be, partidoyu͂ be i eleitoyu͂ be dak, bodi ku ibo politica esistema mu͂warurunam ekawe͂n mu͂ju am.       

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