Afonso Bentes
Recém-eleitos presidente e vice-presidente do Brasil, o deputado federal e capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro (PSL) e o general da reserva Hamilton Mourão (PRTB), os primeiros militares a chegarem ao poder pelo voto no Brasil desde 1946, já preparam para povoar o Governo de generais e outros ex-comandantes das Forças Armadas. Entre o grupo que elaborou as estratégias de seus primeiros meses de gestão há a expectativa que entre três e cinco militares ocupem os ministérios, que devem totalizar de 15 a 18 pastas após uma reforma administrativa – hoje são 29. Dezenas de outros militares e policiais militares de patentes inferiores se preparam para atuar em cargos secundários. Em se confirmando essa previsão, será a primeira vez desde o fim da ditadura militar brasileira (1964-1985) que tantos militares terão voz de comando na república.
Ao menos um general da reserva já tem assento garantido, Augusto Heleno, que comandou as tropas da Organização das Nações Unidas no Haiti em 2004. Heleno é o principal elo entre Bolsonaro e as Forças Armadas, além de ser o coordenador do plano de Governo dele e responsável por gerenciar um grupo de 50 profissionais que traçam as diretrizes da administração federal. O presidente eleito já o destinou para o ministério da Defesa.
Outros dois generais estão cotados para o ministério da Infraestrutura – uma pasta que deverá substituir o Transporte – e para o da Ciência, Tecnologia e Comunicação. Para a primeira, o preferido é o general Oswaldo Ferreira, que comandou o departamento de Engenharia e Construção do Exército. Na década de 1970, ainda como tenente, Ferreira trabalhou na construção da rodovia BR-163, a Cuiabá-Santarém, uma via de 1.780 quilômetros que liga o Centro-Oeste ao Norte do Brasil passando por parte da floresta amazônica. Sobre essa construção, ele disse ao jornal O Estado de S. Paulo que derrubou “todas as árvores que tinha à frente, sem ninguém encher ao saco”. “Hoje, o cara, para derrubar uma árvore, vem um punhado de gente para encher o saco”.
Já para a pasta de Ciência, Tecnologia e Comunicação, a expectativa é que seja nomeado o general Aléssio Ribeiro Souto, ex-chefe do Centro Tecnológico do Exército ou o tenente-coronel da Aeronáutica e astronauta Marcos Pontes. Souto corre por fora pelo superministério da Educação, Cultura e Esporte, mas o favorito para esse cargo é Stravos Xanthopoylos, um professor da Fundação Getulio Vargas especialista em educação a distância. Esse ensino online, aliás, é uma das bandeiras da gestão Bolsonaro até para crianças da educação fundamental. Em caso de junção da pasta de Ciência e Tecnologia com a de Educação, Xanthopoylos deverá ocupar o ministério e Souto ou Pontes, alguma secretaria especial.
A unificação de ministérios já é a principal dificuldade que Bolsonaro encontra para a composição de sua equipe. Atualmente, há 29 pastas e ele prometeu em sua campanha a reduzir para 15. Dessa maneira, dois de seus ministros já definidos deverão ter uma espécie de superpoderes. O economista Paulo Guedes deverá comandar o ministério da Economia, que deverá unificar a Fazenda, o Planejamento e mais um ou dois ministérios. Enquanto que o deputado federal reeleito Onyx Lorenzoni (DEM-RS) será o responsável pela Casa Civil, que será juntada com os ministérios da Secretaria de Governo – pasta responsável pela articulação com o Congresso Nacional – e com Secretaria-geral da Presidência da República. Para a Secretaria de Governo, mais um militar é cotado, o deputado federal e candidato derrotado ao Governo do Distrito Federal, Alberto Fraga (DEM). Fraga perdeu a eleição depois de ter sido condenado em primeira instância por ter cobrado propina em contratos públicos, no período em que foi secretário de Transporte do Distrito Federal.
Outro desafio de Bolsonaro será o de decidir se mantém o ministério extraordinário da Segurança Pública ou se o devolve para a Justiça. No caso de manutenção, a Segurança seria gerida por um general do Exército ou por algum representante das outras Forças, Aeronáutica e Marinha. Já a Justiça, deve ficar ou com o presidente interino do PSL, Gustavo Bebianno, ou com o advogado do partido nas causas no Supremo Tribunal Federal, Antonio Pitombo. O primeiro é visto como inexperiente para um cargo dessa envergadura. O segundo, ainda não demonstrou interesse.
Outros possíveis ministros são: o produtor rural Luiz Antônio Nabhan Garcia ou a deputada federal Tereza Cristina para a pasta de Agricultura e Pecuária, além dos médicos Henrique Prata e Nelson Teich para a Saúde. Ainda não foi descartada a presença do vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, em algum ministério.
Diante da onda de especulações nos últimos dias, Bolsonaro desautorizou que seus aliados passassem a ventilar os “ministeriáveis”. Em uma postagem em suas redes sociais, disse que apenas Onyx, Guedes e Heleno estavam garantidos. Os demais seriam oportunistas que se anunciam ministros, disse o deputado. “Com intuito de se promover ou nos desgastar, oportunistas se anunciam ministros. Estes, de antemão, já podem se considerar fora de qualquer possível governo”.
No entorno de Bolsonaro, a expectativa é que já nesta primeira semana após o segundo turno ele revele os nomes, se não de todos, mas de seus principais ministros. Uma das dúvidas é sobre quem ocuparia as Relações Exteriores, já que esse é um tema que ele tem pouca afinidade e nenhum nome foi especulado até o momento. O presidente eleito já disse anteriormente que sua preferência é por um diplomata de carreira.
Volta gradual
A presença de um militar na Defesa era, até o início deste ano, impensável no Brasil do século XXI. Desde 1999, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a pasta tem sido comandada por um civil, uma maneira de remarcar que os militares estavam submetidos ao poder eleito diretamente. O atual presidente brasileiro, Michel Temer, contudo, alterou esse entendimento tácito e nomeou o general Joaquim Silva e Luna como ministro da Defesa. Desde então, a presença de militares tem sido crescente na esfera federal. Um dos principais consultores de Temer é o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general Sérgio Etchegoyen. Além disso, durante a atual gestão, foi decretada uma intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro, e essa área do Estado passou a ser gerenciada por militares, a mando da União.
Se não bastasse a presença de militares no Poder Executivo, no Judiciário eles também passaram a ganhar representatividade. Pela primeira vez, um presidente do Supremo Tribunal Federal, José Antônio Dias Toffoli, é oficialmente assessorado por um general, Fernando Azevedo e Silva, ex-número dois do Exército. Antes de ocupar o posto, este militar ajudou na elaboração do plano de Governo de Bolsonaro e mantém relações pessoais com o general Mourão.