João Filho
A primeira entrevista feita para Bolsonaro na entrevista no Jornal Nacional foi como que ele se apresenta como o “novo”, “contra tudo o que está aí”, mesmo tendo feito da política a sua profissão e a de boa parte da sua família. O candidato, que assim como seu filho recebe auxílio-moradia mesmo tendo casa própria em Brasília, respondeu que “quando se fala em famílias na política, fala-se em atos de corrupção. A minha família é limpa na política.” Mais ou menos.
Além dos três filhos homens terem virado políticos profissionais, o seu irmão Renato Bolsonaro foi sustentado pelos cofres públicos durante três anos, recebendo R$ 17 mil por mês. Só que, assim como a Val — a funcionária que é quase da família — o maninho nunca apareceu para trabalhar. Ele tinha uma boquinha na Assembleia Legislativa de São Paulo no gabinete de André do Prado (PR) que, vejam só que coincidência, é um velho aliado político de Jair. Quando a casa caiu e o escândalo veio à tona, Bolsonaro fingiu não ter nenhuma relação com o emprego-fantasma do irmão e disse “pau nele!” Mesmo largado ferido na estrada como um vagabundo qualquer, o balanço foi positivo para o irmão, que embolsou ao todo cerca de R$ 612 mil sem nunca ter aparecido para pegar no batente.
Em 2007, Bolsonaro também contratou para trabalhar em seu gabinete a sua então namorada que, em menos de um ano, foi promovida e teve um bom aumento de salário. Nos anos 1990, os filhos de Bolsonaro contrataram para seus gabinetes parentes da sua segunda mulher. A justificativa dele à época foi puro deboche: “É minha companheira. Não somos casados. Portanto, não somos parentes.” Bolsonaro é mesmo o candidato da família brasileira, principalmente o da sua.
O clã Bolsonaro é só mais um que está incrustado na política brasileira. Há diversas famílias em todos os estados do país dominando a política local, controlando estatais e perpetuando a presença privilegiadas no serviço público a cada geração. É impossível entender o Brasil e suas relações políticas sem compreender o papel das grandes famílias.
Essa tradição nepotista dificulta mudanças no funcionamento do sistema político. Nesta semana, Amanda Audi, repórter do Intercept Brasil em Brasília, mostrou como deputados estão tentando driblar a lei que proíbe a indicação de parentes e amigos para cargos de chefia em estatais. A política brasileira é tratada como se fosse um negócio da família e haverá resistência a qualquer ameaça a essa tradição.
Segundo o cientista político Ricardo Costa Oliveira, que estuda a presença das famílias no poder, 62% da Câmara é formada por deputados originários de famílias políticas, enquanto no Senado esse número sobe pra mais de 70%. Ou seja, praticamente dois terços do Congresso brasileiro está tomado por algumas famílias. Mais da metade dos ministros de Temer são representantes de famílias políticas. Só o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM), filho de César Maia, convive no Congresso com dois primos: o deputado Felipe Maia (DEM) e seu pai, o senador José Agripino Maia (DEM). Todos eles são primos do vice-procurador-geral da República Luciano Mariz Maia. Eu precisaria de mais uns 3 parágrafos para citar todos os integrantes da família Maia que ocupam cargos públicos em todo o Brasil.
A lógica de domínio pelo parentesco também se dá em todas as outras esferas de poder da sociedade. Além dos executivos e legislativos estaduais e municipais, famílias tradicionais dominam o Ministério Público, todos os níveis do judiciário, os tribunais de conta, e por que não lembrar, os oligopólios de mídia. Levantamento de Oliveira indica que 16 dos 26 prefeitos de capitais eleitos em 2016 vieram de famílias políticas. No Supremo Tribunal Federal, oito dos 11 ministros têm parentes importantes na área do Direito. Na força-tarefa da Lava Jato, metade dos seus integrantes tem familiares magistrados e procuradores.
Fala-se muito sobre a necessidade de renovação dos quadros políticos, mas o que vemos a cada eleição é a renovação dos parentes das famílias dominantes. Muitos deles se vendem como o “sangue novo na política”, mas são herdeiros de legados que representam o que há de mais antiquado. Jovens sem nenhuma trajetória na política, que jamais seriam seriam eleitos sem a força de seus pais, seguem engrossando as fileiras dos cargos públicos a cada eleição.
No Rio de Janeiro, três famílias do MDB, cujos chefes estão presos por corrupção, vão para a disputa eleitoral. Eles se apresentam como jovens promessas, mas defendem o legado político da família e usarão a mesma máquina que elegeu seus pais. Danielle Cunha estreará na política a pedido de Eduardo Cunha, enquanto Marco Antônio Cabral e Leonardo Picciani tentarão a reeleição.
O filho de Crivella, sem nunca ter participado da política, é visto pelo PRB como um candidato com grande potencial para puxar votos para o partido. “Quero ser uma voz que represente uma nova safra de jovens empreendedores”, afirmou o candidato da Igreja Universal. Ele, que não tem o mesmo nome do pai, adotou o nome fantasia Crivella Filho para se vender melhor, porque, segundo ele, o seu “maior patrimônio é o sobrenome”.
Neste ano, como em todos os anos eleitorais, a lista de caciques que estão mandando filhos para a política é infindável. O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB), que já tem dois filhos na política, tentará emplacar mais um neste ano. A família Richa, cuja árvore genealógica tem tradição em viver da política, tenta emplacar mais uma geração. Fernando Collor (PTC) também prepara o filhote para ajudá-lo no Congresso. O senador Otto Alencar (PSD) tenta mais uma vaga para família na Câmara por meio de seu filho. O senador Eunício Oliveira também aposta no filhão para renovar a Câmara. E assim vão se formando pequenas monarquias dentro da república.
Todos eles dificilmente não irão se eleger. São sobrenomes fortes dentro dos partidos, e a tendência é que abocanhem um pedaço maior do bolo do fundo eleitoral. O fim do financiamento privado das campanhas teve um efeito colateral complicado: os caciques partidários ganharam ainda mais poder, já que os recursos estão mais escassos e são eles que decidem como serão repartidos os recursos do fundo eleitoral. E é claro que irão privilegiar suas famílias.
A tendência é piorar. Segundo levantamento da Transparência Brasil, em 2014, a Câmara aumentou em 5% o número de deputados com parentes políticos em relação à eleição anterior. Entre os parlamentares eleitos com menos de 35 anos, a situação é ainda mais assustadora: 85% deles são herdeiros de famílias políticas.
Os partidos de direita e centro-direita são os que mais se destacam na manutenção das famílias políticas no poder.
Algumas dinastias estão enraizadas no poder desde o período colonial. Como apontou a Agência Pública, o deputado federal Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), que está em seu décimo mandato consecutivo, descende de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), o ex-ministro do Império conhecido como Patriarca da Independência .
Além do capital político, esses filhos herdam também o poder econômico. Muitas dessas famílias são donas de meios de comunicação, como TV, rádios e jornais nos seus estados, que acabam virando verdadeiras monarquias regionais em um ciclo vicioso eterno. Esse esquemão das famílias sobre a coisa pública mantém o país refém de interesses particulares e da desigualdade social. Além disso, representa inegavelmente um foco de corrupção. Basta acompanhar no noticiário a frequência com que famílias políticas unidas aparecem roubando unidas.
Urge uma reforma partidária que introduza mecanismos que tornem os partidos mais democráticos e impeçam esse nepotismo sem freio. Qual é a chance hoje de um jovem cheio de novas ideias, sem família tradicional por trás, disputar uma vaga com os filhotes desses caciques? Praticamente nula.
A meritocracia dentro dos partidos não existe e há pouco espaço para os amadores sem parentesco. A renovação na política é tecnicamente inviável. Na definição do cientista político Ricardo Costa Oliveira, “somos uma república de famílias”. E todas essas famílias que se perpetuam no poder são representadas, quase que invariavelmente, por homens brancos e ricos.