A economia política da queda de Pedro Parente

Rodrigo Leão

A gestão de Pedro Parente na Petrobras foi marcada por uma coalizão de diversos setores heterogêneos que, de certo modo, tem servido como principal base de apoio ao governo Temer, bem como à mudança no rumo das empresas estatais.

Em conjunto com alterações promovidas pelo Executivo e o Legislativo, o primeiro ano da gestão Parente navegou em relativa tranquilidade ao adotar medidas que contemplaram boa parte das demandas do agronegócio, do mercado financeiro, das petrolíferas estrangeiras, das grandes importadoras e dos acionistas.

Cada um deles, a seu modo, foram beneficiados por diversas mudanças na gestão da Petrobras, que vão dos desinvestimentos e redução draconiana da sua dívida, passando pela abertura do mercado de refino, à mudança da política de reajuste dos preços dos derivados de petróleo.

A partir do segundo semestre de 2017, essa suposta sólida base de coalizão de apoio à gestão Parente se evaporou em menos de um ano, com uma generosa contribuição do Executivo. Algumas mudanças mais recentes minaram certos setores que compunham a sustentação de Parente.

Enganam-se aqueles que creditam a queda somente à crise recente dos combustíveis. Embora seja o evento de maior impacto ao longo do último ano, a greve dos caminhoneiros e a dos petroleiros foram apenas o prato principal de um jantar recheado de tensões entre a gestão da Petrobras, o Planalto e outros segmentos importantes, o agronegócio e a indústria nacional incluídos.

Em primeiro lugar, em julho de 2017, o governo anunciou o aumento do PIS-Cofins para todos os combustíveis, entre eles o etanol, o que evidentemente gerou relativa insatisfação desse segmento por conta do aumento da tributação.

Em segundo lugar, a flexibilização e a redução expressiva dos índices de conteúdo local, apesar de agradar as petrolíferas internacionais, continuou a bloquear qualquer processo de substituição de importações e o potencial de irradiar ganhos com investimentos para as indústrias naval, de engenharia pesada e construção civil.

Tais medidas esgarçaram as relações da direção da empresa com parte dos segmentos industriais e com uma fração do corpo intermediário, gestores e engenheiros ligados à Petrobras.

Em terceiro lugar, se num primeiro momento Petrobras, Ministério de Minas e Energia e Agência Nacional de Petróleo comungaram da mesma cumplicidade para mudar o marco regulatório do pré-sal do regime de partilha para o regime de concessão, favorecendo sua desnacionalização, desde o fim de 2017 a empresa alimentou divergências com o governo sobre o contrato da cessão onerosa.

A Petrobras, credora do Planalto, ao que tudo indica, tem criado dificuldades para solucionar as pendências em relação ao fim do contrato da cessão onerosa. A demora tem criado apreensão no Planalto, que deseja, ainda neste ano, realizar o leilão do excedente.

Em quarto lugar, o anúncio do fim das atividades no segmento de fertilizantes, em março de 2018, gerou uma fragmentação no agronegócio. Isso porque a saída da Petrobras significaria uma “pá de cal” em qualquer possibilidade de autonomia no fornecimento de fertilizantes para os grandes produtores agrícolas nacionais, obrigando-os a ficar totalmente reféns das importações.

Em quinto lugar, e talvez mais importante, foi a mudança no reajuste dos preços dos combustíveis. A Petrobras manteve a fórmula, atrelada ao barril internacional de petróleo e ao câmbio, mas, em julho de 2017, alterou a temporalidade dos reajustes que passaram a ser diários e não mensais.

Essa mudança, em especial nos últimos quatro meses, quando houve uma escalada acelerada do preço do barril do petróleo, desorganizou completamente a estrutura de custos de diversos setores da indústria e de serviços, principalmente o de transporte. E, obviamente, encareceu celeremente o custo dos combustíveis para a população em geral.

Portanto, a barafunda entre o Planalto e a Petrobras e os impactos deletérios das medidas fiscais, de desinvestimento e de preços da estatal de petróleo desordenaram aquela base de coalizão na qual se sustentava a gestão Parente, principalmente de frações do agronegócio, parte da indústria e do serviço de transporte.

Em meio à exacerbação da crise, observou-se ainda, por um lado, a renúncia justamente do conselheiro da empresa oriundo da Shell, sinalizando o afastamento das petrolíferas estrangeiras da gestão. Por outro, o movimento dos caminhoneiros reascendeu e precipitou o espírito de paralisação dos petroleiros, que também entraram em greve e reforçaram o coro contrário a Parente.

O sentimento de desgaste veio acompanhado de críticas de analistas do mercado financeiro, de economistas de viés liberal e, inclusive, de integrantes do partido do então presidente da Petrobras, o PSDB.

A simples troca de Parente por Ivan Monteiro e os subsídios à Petrobras e importadoras a fim de reduzir o preço do diesel, segundo a visão do governo, seriam suficientes para acalmar os ânimos e seguir o rito de entrega da atual gestão da Petrobras.

A desastrosa mediação da crise e a crescente insatisfação com os rumos da política da Petrobras parecem, no entanto, impor, cada vez mais, uma única alternativa: o recuo.

* Rodrigo Leão é Mestre em Desenvolvimento Econômico (Unicamp). Pesquisador-visitante do Núcleo de Estudos de Conjuntura Econômica da UFBA e diretor-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP). William Nozaki é professor de Ciência Política e Economia na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e diretor-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP)

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