Justiça que queremos: Movimentos populares e organizações sociais debatem a relação entre Judiciário e democracia

Para debate sobre o poder judiciário e as ameaças à democracia, movimentos populares e organizações sociais estiveram presentes no Sindicato dos Bancários de Maceió (AL), na noite do dia 25. A atividade integra o conjunto de mobilizações, de lema “A Justiça que queremos”, realizadas na capital alagoana pela sociedade civil em contraponto ao Congresso Nacional da Associação dos Magistrados Brasileiros (Amb), realizado também na cidade, no mesmo período. Em uma mesa composta por movimentos sociais, representantes da Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh) e professoras da área do direito, questões como transparência, controle social e papel do Judiciário foram problematizadas pelo público participante da atividade.

Descrito como um “muro ao exercício da defesa dos direitos humanos”, a atual configuração do Judiciário foi analisada pelas debatedoras. Em análise, as/os expositores destacaram que o sistema de justiça deve ser observado considerando sua essência, ou seja, o seu papel para com a sociedade. Questões como o atual protagonismo deste poder e o vínculo com os demais poderes e o mercado, expresso no golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, também foram destacadas durante o debate.

 

Poder que beneficia a minoria
De acordo com as/os expositores, o levantamento histórico do Judiciário brasileiro evidencia sua verdadeira face. “As cláusulas [da Constituição Federal] são montadas, com efeito democrático, mas as pessoas não se enxergam nela. Nosso sistema de justiça tem cor, tem uma classe e tem sexo e corresponde aos interesses de afirmação à propriedade privada, e não das coletivas”, afirma a integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Ayala Ferreira.

A representante do MST ainda relata que atualmente o Judiciário se mostra cada vez mais parcial. “Pela primeira vez o Poder Judiciário se mostra claramente como golpista. Ele tem um lado e não é lado dos trabalhadores”, completa.

Ainda segundo Ayala, o Judiciário tem sido responsável pela impunidade das ameaças contra os movimentos sociais: “Quem é sem terra e luta pelo direito da terra, vive com um fantasma permanentemente de ameaça de morte […] Eles são responsáveis pela ampliação da violência em que nós somos diretamente afetados, porque eles são responsáveis pela impunidade” afirma a representante do MST, Ayala Ferreira.

A dirigente destaca também que, nesta ação de criminalização dos movimentos populares, o Judiciário possui estreita ligação com o Executivo. Um exemplo é o Projeto de Lei 9.604/2018, de autoria do deputado federal Jerônimo Goergen (PP/RS). O PL que altera a Lei do Terrorismo (13.260/16), enquadra as ocupações de imóveis urbanos e rurais como práticas terroristas. “Estão querendo nos chamar de terroristas, por nós organizarmos pobres, para lutar pelos seus direitos”, destaca.

O poder invisível que se mostra
A professora de direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Cláudia Maria Barbosa de Direito, destacou que a alta visibilidade que o Judiciário brasileiro têm tido nos últimos anos traz um aspecto muito interessante sobre a politização da Justiça.

“A alta visibilidade do judiciário nos últimos anos, trouxe ao poder, principalmente ao Supremo Tribunal Federal, a transparência hegemônica de um dos poderes mais pouco confiáveis aos movimentos sociais”, afirma a professora.

O envolvimento explícito do Judiciário com demais poderes, na historia recente do país, colaborou para a sociedade problematizar a ideia de poder neutro e invisível. No contexto social político estabelecido, Claudia Barbosa diz que “o nosso Judiciário está nu” e questiona o posicionamento assumido pelo Poder. “Qual a cara que a justiça assumiu? […] O judiciário é extremamente politizada e cooptada pelas forças conservadoras”, problematiza.

Por fim, a professora destaca a ausência de mecanismos para que o Judiciário, em sua atual configuração, represente mais o povo brasileiro: “Essa elite representa muito pouco da nossa população, mas representa 90% dos juízes e pessoas da classe da justiça brasileira. É possível termos outras justiças – que funcionem para uma maioria da população”. Entre as propostas para um judiciário mais parecido e essencial para o povo, Claudia Maria destaca a necessidade de ampliação da participação popular no controle social do Judiciário, a transparência e informação para uma justiça democrática e inclusiva.

Lançamento da pesquisa “Porteiro ou Guardião? O Supremo Tribunal Federal na agenda política das organizações de direito”


A atividade contou ainda com o lançamento de pesquisa “Porteiro ou Guardião? O Supremo Tribunal Federal na agenda política das organizações de direito.  Realizada no âmbito do Projeto “Caminhos para o STF que queremos”, a pesquisa foi desenvolvida pela Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh), sob coordenação do professor da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Escrivão Filho e em parceria com a Fundação Friedrich Ebert (FES).

Por meio de análise de composição do STF, a pesquisa concluiu que os mecanismos de indicação dos ministros se apresentam como processos de caráter político e que carecem de elementos para maior participação popular. Indicados pelo presidente da República, a defesa de direitos humanos e o profundo conhecimento da Constituição Federal não se configuram como critérios centrais para a escolha dos membros da Corte.

 

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