Por Iara Pietricovsky, do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
Estamos quase terminando a primeira semana de debates da reunião preparatória da COP24, em Bonn, Alemanha. O processo é como um quebra-cabeça que nos desafia a entender todas as suas dimensões. Mas, vamos começar com uma pequena dose de vida real: o sistema de monitoramento atmosférico do National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), do Departamento de Comércio dos EUA, marcou, no dia 2 de maio, a maior concentração de CO2 em três milhões de anos na atmosfera deste planeta. O índice chegou a 410 ppm, medido no Haiti.
Ou seja, o compromisso de reduzir emissões e limitar o aumento médio da temperatura global em 1,5ºC foi para o espaço. O consumo cresce, assim como o comércio internacional e regional, e a transição para uma sociedade de baixo carbono, como cantam os governos e corporações em prosa e verso, segue apostando suas fichas nos combustíveis fósseis. Esse tipo de combustível ainda é o maior portfólio dos financiamentos das agências do Banco Mundial, em detrimento da energia renovável, fazendo com que a ocupação e uso do solo sigam em processo de produção extensiva e intensiva, predatória e recheada de agrotóxicos.
Voltamos então para Bonn, e o que está sucedendo neste momento na reunião preparatória para a Conferência das Partes sobre Mudança Climática (COP24), que acontecerá em Katowice, Polônia, em dezembro próximo. Um dos focos está na construção do chamado “Livro de Regras”, seguindo as determinações do Acordo de Paris. Esse livro deverá conter as regras e conceitos comuns que serão utilizados por todos os países de forma a compatibilizar as contabilizações sobre emissões e sobre as ações adotadas.
Um segundo elemento novo do processo é o chamado “Diálogo Talanoa”, proposto pela presidência de Fiji na COP23, em 2017, e que se propõe a ser um espaço aberto para o diálogo baseado em experiências concretas e bem sucedidas dos países.
Entretanto, esses dois eixos centrais das negociações estão trazendo novas (velhas) tensões entre os países em desenvolvimentos (G77+China) e os países desenvolvidos. O CBDR, sigla em inglês para “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, volta com força. Este conceito traz a história como elemento fundamental para que se estabeleçam diferentes responsabilidades entre os países no equacionamento do aquecimento do planeta e seus impactos. Todos são responsáveis, porém de diferentes maneiras.
Por exemplo, a África é uma das regiões que menos emitem gases de efeito estufa no planeta, porém são as mais afetadas. Além disso, os países desenvolvidos, que foram os que se beneficiaram de um modelo que é responsável pelo aquecimento, deveriam contribuir bem mais para a resolução do problema. Isso inclui em especial a transferência de tecnologia, capacitação e novos financiamentos, para além do que já existe.
Os países desenvolvidos não querem pagar o custo do financiamento ao desenvolvimento que, neste caso, implicaria numa mudança radical de modelo e com implicações políticas e de poder que vão além desta negociação. As tensões persistem nos temas de recurso e ainda se mantém longe daquilo que foi estabelecido em acordos anteriores. Porém, quando olhamos de forma mais geral o debate da cooperação financeira, vemos que esta crise está em todos os setores e em todos os espaços multilaterais.
A verdade é que os debates por aqui seguem de forma lenta e pouco transparente para o grande público, que ao fim e ao cabo, sofre as consequências das falsas soluções ou deliberações vagarosas. O mundo, na verdade, o mundo real, continua sem as respostas necessárias para os desafios que se apresentam. Ao atingirmos o pico de emissão na semana passada, ficou claro que os países e corporações estão atuando de forma irresponsável e caminhando para o rumo errado. O caminho tem mostrado mais obstáculos que deliberações efetivas.
Fica sempre a pergunta: são os debates da COP realmente capazes de frear esse rumo ao desastre socioambiental? O que vemos são soluções do tipo “Business as usual”. A roleta do tempo está girando e tudo que este processo esta indicando é que nosso planeta passará por transformações mais radicais do que vimos passando, dificultando cada vez mais a construção de uma vida justa, diversa e inclusiva. Contudo, não ter esses debates em espaços multilaterais parece um cenário pior, porque nos deixariam no absoluto desconhecimento desses atores e de suas decisões.