Carla Jimenez
O edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no centro de São Paulo, nesta terça, foi construído em 1961, e acolheu uma empresa de vidros. Depois, foi entregue à União por causa de dívidas. Virousede da Polícia Federal, até ser desocupado em 2001 de suas funções comerciais. Abandonado, tornou-se alvo de famílias carentes, e de ações de reintegração de posse. É com esse histórico que a prefeitura e Ministério Público de São Paulo buscam as causas e responsabilidades pelo desabamento do edifício nesta terça. O prédio chegou a ser cedido à prefeitura paulistana, que depois veio a devolvê-lo à União, e depois retornou novamente à prefeitura. Atualmente, seu status era “cedido temporariamente” à prefeitura, que buscava há um ano, junto com o Governo federal, uma solução conjunta para retirar as famílias que moravam ali, explicou o prefeito Bruno Covas em coletiva de imprensa. Mas não deu tempo. Haviam 372 pessoas vivendo ali. Dessas, 328 confirmaram que saíram com vida. Ao menos um, que estava sendo resgatado pelos bombeiros por uma corda, caiu junto com o prédio. Há 44 cujo paradeiro é desconhecido. Não se sabe se estavam no interior do edifício.
A tragédia desta madrugada já havia sido anunciada não apenas por moradores e vizinhos do prédio que desabou após um incêndio. O próprio Corpo de Bombeiros já havia relatado oficialmente, em 2015, inúmeras irregularidades que poderiam provocar ou dificultar o combate a incêndios no edifício. De acordo com o porta-voz da Corporação, Marcos Palumbo, um laudo sobre a situação de risco foi encaminhado ao Ministério Público, que seria responsável por tomar providências de prevenção. “A gente verificou que haviam rotas de fuga obstruídas, com lixo e material altamente inflamável, problemas com botijões de gás. Poderiam ser problemas que causassem incêndios e as chamas se espalhassem de maneira muito rápida […] Nosso papel foi encaminhado ao Ministério Público para que ele promovesse as ações necessárias”, afirmou Palumbo em coletiva de imprensa no local do incêndio.
O Ministério Público de São Paulo informou que o prédio já havia suscitado a abertura de um inquérito civil para apurar possíveis riscos já em 2015, e que de fato não havia um laudo favorável dos bombeiros, conhecido como Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). Mas que àquela altura, os órgãos da prefeitura não viam motivos para interdição. Depois de “dois anos e sete meses de investigação, os órgãos públicos incumbidos de fiscalizar o imóvel, em especial a Defesa Civil de São Paulo e a Secretaria Especial de Licenciamentos, informaram que, a despeito do AVCB estar vencido, não havia risco concreto que demandasse interdição”, diz nota do MP de São Paulo.
Ainda segundo o MP, a retirada das famílias do imóvel já era objeto de ação específica de reintegração de posse desde 2014. Mas que diante da informação de que as famílias já estavam sendo retiradas em ação conjunta entre a União e a prefeitura, o inquérito acabou sendo arquivado em 16 de março deste ano. “Os gravíssimos fatos ocorridos na data de hoje determinarão a reabertura das investigações para verificação das causas do acidente e também da veracidade dos relatórios técnicos encaminhados ao Ministério Público pelos órgãos públicos responsáveis pela manutenção e fiscalização da edificação, nos termos do que já havia indicado o relator do caso no Conselho Superior do Ministério Público”, informa o MP.
Questionado sobre o assunto, o prefeito Bruno Covas disse que a prefeitura espera ter informações sobre os questionamentos feitos pelo MP a partir desta quarta. Mas lembrou que a ação de retirada das famílias já vinha sendo negociada e havia esperança de um desfecho no curto prazo. “Neste ano foram seis reuniões feitas pela Secretaria de Habitação e pessoas que moravam lá. Estávamos fazendo cadastro das famílias [150 já estavam cadastradas], com a prefeitura e o governo federal, para que as pessoas desocupassem o espaço, pois sabíamos que não era um local adequado e uma eventualidade poderia acontecer”, disse Covas.
Segundo o secretário de Habitação, Fernando Chucre, o questionamento inicial do MP só se referia ao risco estrutural da edificação, risco este que daria aval à Defesa Civil para interditar o imóvel, por exemplo. Ou seja, se a estrutura do prédio estivesse comprometida, isso já seria um sinal de que ele poderia ir abaixo, e justificaria uma retirada de emergência das pessoas que viviam ali. Mas, a priori, esse risco não existia. “Como essa ação só falava dos risco estruturais, o MP optou por arquivar o processo”, explicou ele. O fogo, porém, modificou esse esqueleto do prédio. “Vamos lembrar do World Trade Center. Houve o impacto lá em cima [com o choque dos aviões] e houve o incêndio. O que derrubou não foi o impacto, foi o incêndio”, comparou.
Chucre admitiu que não havia o aval dos bombeiros para o prédio, assim como outros edifícios antigos no centro da cidade não o tem, por dificuldade de se adequar à lei de prevenção de incêndio. No caso específico do prédio que desabou, o quadro teria sido agravado, ainda, pelo fato de as famílias utilizarem estruturas de madeira para marcar as divisões de moradias no prédio, bem como ele ser ocupado por catadores que acumulavam papelão ali. “Por isso fazíamos o esforço de retirar de lá as famílias, independente do inquérito policial [do MP]”, afirmou.
O titular da Superintendência do Patrimônio da União (SPU), Robson Tuma, chegou a se emocionar durante a coletiva concedida junto com o prefeito.“Não havia aptidão para habitação naquele imóvel. Mas tínhamos consciência de que uma nova disputa por reintegração de posse não era salutar”, afirmou. A falta de uma solução clara para esse imóvel, como outros ocupados por moradores carentes, estendeu o limbo que culminou no desabamento nesta terça. A SPU era um dos órgãos federais que atuavam em parceria com a prefeitura.
Mais cedo, em entrevista à Rede Globo, o pastor da igreja luterana, Frederico Carlos, criticou as más condições do local. “Sempre se falou do risco que esse prédio corria, e precisou acontecer uma desgraça”, disse ele, que mantinha uma convivência com os moradores. Carlos relatou problemas que vão desde fiações expostas a esgoto aberto, que davam a sensação de vulnerabilidade do local.O prédio de mais de 20 andares abrigava cerca de 150 famílias de um movimento de moradia e quase todas foram retiradas logo após o incêndio. Um homem, que era resgatado quando o prédio desabou, está desaparecido. Ainda não foram confirmadas outras vítimas. Outros cinco prédios próximos ao edifício Wilson Paes de Almeida foram interditados por terem sido impactados com a queda. O prefeito Covas informou que a Defesa Civil fará um mapeamento de outros edifícios ocupados irregularmente no centro da cidade que estejam em situação limite.