Por Carol Score
O julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula, marcado para esta quarta-feira 4 pelo Supremo Tribunal Federal, é emblemático não só pelos efeitos políticos que provocará nas eleições deste ano – Lula é o primeiro colocado nas pesquisas eleitorais e ficará de fora da campanha se for preso. Também por expor o caráter ocasional e incerto dos mandados de prisão para réus condenados em segunda instância. A ação movida pelos advogados de Lula pede que o ex-presidente não seja preso após a condenação pelo TRF-4.
O professor Rafael Mafei, da Faculdade de Direito da Universidade São Paulo, afirma que as prisões em segunda instância são determinadas de forma aleatória hoje no Brasil por culpa do STF. “O julgamento de 2016 não é levado em conta porque foi feito também em cima de um habeas corpus, cujos efeitos servem apenas para aquele réu específico. Apenas a ministra Rosa Weber tem respeitado a decisão do pleno”, aponta Mafei.
O professor avalia como um erro a decisão da presidente Cármen Lúcia em não pautar as Ações Declaratórias de Constitucionalidade, capazes de criar uma efeito decisivo sobre todos os julgamentos que tratam das prisões em segunda instância. “Ela é contrária a revisão das penas e não pauta por convicção pessoal.”
CartaCapital: Por que o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula é relevante para direito criminal brasileiro?
Rafael Mafei: A determinação dos efeitos da decisão é a grande questão desse julgamento. Ou seja, se a decisão irá valer apenas para o ex-presidente Lula ou se valerá para outros réus na mesma situação, e é importante ter claro que são muitas pessoas. Numa ação de habeas corpus, os efeitos da ação estão restritos as partes envolvidas. Mas de modo geral o tribunal, enxergando o impacto coletivo dessa decisão, julga de maneira ampla para evitar uma enxurrada de ações e então pacificar a questão; limitar àquele entendimento os casos iguais logo de cara. É decisivo saber se o julgamento ficará restrito a um paciente específico (o Lula) ou das muitas pessoas que estão na situação de aproveitar eventual mudança de posição do tribunal.
CC: Mas as prisões após condenação em segunda instância – objeto do habeas corpus de Lula – já foi julgada pelo STF em 2016, não? Por que a questão não está pacificada?
RM: Porque em 2016 a decisão, embora tomada em plenária por todos os ministros, foi feita para um julgamento com efeitos individuais, como é o caso do habeas corpus. Foi o julgamento de um caso específico. Naquele momento, alguns ministros ressalvaram o seu entendimento pessoal de que não se deve prender réus cujo o processo ainda não foi esgotado em todas as instâncias, alegando justamente que os efeitos do julgamento não eram vinculantes e obrigatórios. Tanto foi assim que nos tribunais regionais e estaduais, assim como no STF, julga-se caso a caso, e expede-se o mandado de prisão ou não; o entendimento de 2016 não está sendo aplicado porque não tem o efeito, por exemplo, de uma Ação Declatória de Constitucionalidade (ADC).
CC: Qual o impacto da falta de um julgamento definitivo?
RM: Como está hoje, tanto no STF, como fora, o direito das pessoas e o destino delas dependem da loteria da ação. Caiu com tal ministro é de um jeito, caiu com aquele ministro é de outro jeito. Isso na justiça criminal é muito ruim, é a justiça lotérica. Numa questão tão importante quanto esta, avalio que foi um erro da presidente Cármen Lúcia não pautar as ADNs e ainda deixar para votar essa matéria a sombra do caso do ex-presidente.
CC: Você acredita que a presidente Cármen Lúcia não pautou por pressão de parte da opinião pública que pede a prisão de Lula?
RM: Sinceramente não acredito que os ministros estão tão envolvidos com eventuais pressões da opinião pública. Eles têm tomados decisões com base nas suas convicções. E a presidente sempre foi a favor das prisões em segunda instância. Venceu nos julgamentos anteriores e já disse que não quer rediscutir o assunto, mas o fato é que essa questão não foi discutida da maneira correta.
CC: O ministro Marco Aurélio de Mello já afirmou em diversas ocasiões que se necessário pedirá a questão de ordem para que os ministros votem as prisões em segunda instância a partir das ADNs. Você acredita que isso pode acorrer no mesmo julgamento do habeas corpus do Lula?
RM: Os ministros podem trazer a discussão e não é tão incomum assim. No julgamento do dia 22 de abril os ministros decidiam se o habeas corpus do ex-presidente deveria ou não ser julgado no plenário. O advogado do réu pediu para que se decidisse por uma liminar para que Lula não fosse preso enquanto o julgamento não ocorria.
Aquilo foi uma questão de ordem expressamente votada. Qualquer um dos ministros, assim como advogado, pode pedir uma questão de ordem para que se decida, de uma vez por todas, as extensões do habeas corpus. Só assim é possível acabar com o caráter aleatório e lotérico das decisões do STF e dos tribunais regionais e estaduais.