“Quando os cartéis são divididos, novos grupos criminosos aparecem”

A prolongada participação de militares em ações de segurança pública tende a provocar violações de direitos humanos contra a população civil inocente e não resolve o problema da violência ligada ao tráfico de drogas. A conclusão é de Raúl Benítez Manaut, especialista em segurança e professor da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), uma das mais prestigiadas instituições de educação da América Latina.

A militarização da guerra às drogas no México foi decretada em 2006, pelo então presidente Felipe Calderón, e prolongada pelo atual mandatário, Enrique Peña Nieto. Desde a decretação da intervenção federal no Rio de Janeiro, em 16 de fevereiro, o caso do México foi usado como exemplo tanto por quem é favorável à ação, como a senadora Kátia Abreu (sem partido-TO), quanto por setores contrários a ela, como o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP).

Isso ocorre porque, na opinião de Manaut, o saldo da guerra às drogas no México é contraditório. Por um lado, diversos traficantes importantes foram presos, mas por outro a violência explodiu nas cidades mexicanas. Onze anos após o início do emprego das Forças Armadas, o ano de 2017 foi o mais violento da história moderna do país – houve 25 mil assassinatos, três quartos deles ligados ao crime organizado. Da mesma forma, a quebra do monopólio de algumas organizações fez com que o número de cartéis crescesse de forma significativa. “Em 2007, havia quatro grupos criminosos principais”, diz Manaut. “Agora, existem oito grandes grupos criminosos e mais de 40 regionais e menores”, afirmam.

Leia a entrevista, concedida por email:

Em dezembro de 2006, o governo do México declarou oficialmente uma guerra contra as drogas, em que os militares desempenharam um papel importante. O caráter militar militar da luta contra as drogas foi mantido pelo atual presidente. 11 anos depois, qual é o saldo dessa política?

Raúl Benítez Manaut: É um saldo contraditório. Por um lado, os grupos criminosos mais importantes foram efetivamente decapitados, como o Cartel de Sinaloa, que está em recomposição e redução de influência devido à captura de [Joaquín Guzmán, traficante conhecido como] El Chapo. Por outro lado, o impulso a uma guerra assimétrica causa uma quantidade significativa de vítimas entre a população civil dos lugares afetados pela “guerra contra o narcotráfico”. Em muitas ocasiões, os responsáveis ​​pela violação dos direitos humanos são funcionários do Estado.

Nos últimos anos, as autoridades mexicanas conseguiram prender vários líderes de cartéis, mas, aparentemente, não houve redução na violência. Por quê?

RBM: Com a estratégia de guerra contra o narcotráfico, ao capturar os líderes, os cartéis se dividem e se espalham por vários estados do país, e os sicários [criminosos contratados, em geral para assassinatos] expandem suas atividades criminosas, por exemplo, o tráfico de migrantes, a extorsão a comerciantes, o sequestro.

Quando os cartéis são divididos, novos grupos criminosos aparecem. No início da guerra, em 2007, havia quatro grupos criminosos principais: o Cartel de Sinaloa, o Cartel El Golfo, o Cartel de Tijuana e o Cartel de Juárez. Agora, existem oito grandes grupos criminosos e mais de 40 regionais e menores.

Em geral, qual foi o impacto dessa guerra militarizada sobre drogas para a situação dos direitos humanos no México?

RBM: Quando um exército atua de forma mais intensa na segurança interna, é impossível que a população civil inocente não seja afetada. As violações dos direitos humanos contra civis pioraram, principalmente nas cidades onde operam os cartéis.

No caso do Brasil, a intervenção federal no Rio de Janeiro será comandada por um general do Exército. Especialistas locais dizem que a eventual militarização do conflito pode fazer a classe política esquecer o problema e passar a responsabilidade para as Forças Armadas. Isso aconteceu no México?

RBM: Na verdade, isso aconteceu no estado de Michoacán entre 2013 e 2016. O Exército tinha todo o controle. Uma lei de segurança interna que remova a autoridade de funcionários locais e estaduais agora está sendo discutida no México. Isso não está escrito na Constituição.

Especialistas brasileiros defendem outras abordagens para lidar com o narcotráfico, como atacar a economia do tráfico ou as relações dos criminosos com os políticos poderosos e até mesmo. Este debate sobre abordagens alternativas existe no México? Como se dá?

RBM: O ponto fraco da estratégia mexicana é não atacar com intensidade a narcocorrupção. Essa é uma das vantagens dos grupos criminosos, corrompem políticos para operar livremente.

CC: No domingo, uma senadora e ex-ministra brasileira usou o México como um exemplo do que o Brasil deveria fazer para combater o tráfico de drogas. O que o senhor diria sobre isso? O Brasil deve seguir o caminho mexicano?

RBM: São casos diferentes. No México, não há muito consumo de drogas como cocaína e heroína, como no Rio. Só se detecta alto consumo de cocaína em Tijuana e Cancún, na última por conta dos turistas estrangeiros. Também não se consome metanfetaminas. Não há favelas controladas pelo crime organizado. São organizações criminosas diferentes. Cada país tem de desenvolver sua própria estratégia.

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