Ao pedir a inclusão do presidente Michel Temer como investigado em um novo inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu nesta terça-feira (27/3) um novo entendimento sobre a blindagem conferida pela Constituição sobre supostos atos cometidos anteriores ao exercício do mandato.
Segundo a chefe do MPF, o veto constitucional proíbe a responsabilização do presidente em relação à propositura de ação penal, mas não impede a investigação penal. Essa tese é diferente da adotada pela antiga cúpula da PGR, na gestão de Rodrigo Janot, que chegou a utilizar a questão para não propor investigações de Dilma Rousseff e do próprio Temer.
O artigo 86 da Constituição estabelece no § 4º que “o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.” “Entendo que a Constituição, quando veda a responsabilização do presidente da República por atos anteriores ao exercício do mandato, refere-se à propositura de ação penal, único meio de se chegar à responsabilização penal de qualquer cidadão brasileiro”, escreveu Dodge.
“A investigação penal, todavia, embora traga consigo elevada carga estigmatizante, é meio de coleta de provas que podem desaparecer, de vestígios que podem se extinguir com a ação do tempo, de ouvir testemunhas que podem falecer, de modo que a investigação destina-se a fazer a devida reconstrução dos fatos e a colecionar provas. A ausência da investigação pode dar ensejo a que as provas pereçam”, completou.
Para Dodge, “a investigação criminal deve ser contemporânea dos fatos. Deve ser o mais próxima possível do tempo da suposta prática criminosa, sob pena de perecimento das provas. Há inúmeros exemplos de situações indesejáveis que podem ser causadas pelo decurso do tempo, como o esquecimento dos fatos pelas testemunhas, o descarte de registros, a eliminação de filmagens, entre outros, a ocasionar, desnecessariamente, o que a doutrina denomina de ‘prova difícil’”.
Para a PGR, a Constituição, no seu artigo 86-§4º, não impede a investigação, e, por conter uma regra de exceção que precisa ser consentânea com o princípio republicano, deve ter interpretação restrita ao que expressamente enuncia.
Para Dodge, “os fatos narrados pelos colaboradores e os elementos de corroboração que trouxeram reclamam investigação imediata”. “O colaborador Cláudio Melo Filho – ao discorrer sobre suas relações com o referido grupo político nos seus termos de depoimentos nº li, 12, 13 e 14 e nos anexos à proposta de colaboração – afirmou que o núcleo político do PMDB na Câmara dos Deputados era integrado por Michel Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco. Declarou que Eliseu Padilha seria encarregado de entabular tratativas com agentes privados e de centralizar as arrecadações financeiras da Odebrecht; que ele teria deixado claro que falava em nome do Vice-Presidente e que utilizaria o peso político dele para obter êxito em suas solicitações”.
O caso
As considerações de Dodge foram feitas em pedido para inclusão de Temer como investigado em inquérito aberto no ano passado a partir da delação da Odebrecht e que figuram como alvos os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco.
Em depoimento de sua delação, o ex-presidente do grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, disse que a empresa destinou R$ 10 milhões a Temer, ao ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e ao presidente da Fiesp, Paulo Skaf, durante a campanha eleitoral de 2014. Desse valor, R$ 6 milhões foram parte de um acordo do próprio Marcelo com Skaf.
O acordo foi fechado em um jantar com a presença de Temer, Padilha, Marcelo e Cláudio. Marcelo diz que Temer nunca mencionou o valor a ele. “Temer, eu acho que não falaria com dinheiro nem comigo, e acho que nem com a esposa, com ninguém. Mas no jantar tem aquele negócio, faz-se política, apoio, ‘agradeço o apoio que vocês estão dando’, sem mencionar valor.
Ao final do encontro, “entre um cafezinho e a sobremesa”, e após Temer sair da sala, Marcelo se certificou do pagamento a Padilha e do valor destinado a Skaf.